ABRUPTO

30.11.05
 


DE REGRESSO

Em breve, notícias russo-francesas, venezianas e luso-portuguesas.

24.11.05
 


JUDEU ERRANTE


Mais uma corrida, mais uma viagem.
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(24 de Novembro)



Sobre as leituras de sondagens aparentemente contraditórias e outras prudências e rigores a acautelar, veja-se Ponto de situação e Numeracia, precisa-se no Margens de Erro.

*

Muitas e interessantes sugestões tem vindo a ser-me enviadas para um título do LENDO / VENDO. Como vou de novo fazer de judeu errante durante uns dias só poderei trata-las em breve.
 


COISAS COMPLICADAS


Edward Ruscha
 


EARLY MORNING BLOGS 652

Homenagem a Cesário Verde


Aos pés do burro que olhava para o mar
depois do bolo rei comeram-se as sardinhas
com as sardinhas um pouco de goiabada
e depois do pudim, para um último cigarro
um feijão branco em sangue e rolas cozidas

Pouco depois cada qual procurou
com cada um o poente que convinha
Chegou a noite e foram todos para casa ler Cesário Verde
que ainda há passeios ainda poetas cá no país!

(Mário Cesariny)

*

Bom dia!

23.11.05
 


VER



o Primeiro-ministro a responder aos blogues da micro-causa, no discurso de apresentação propagandística da OTA, como aliás já tinha feito na Assembleia com a cena dos CDs, é um bom retrato dos tempos de hoje, que muitos continuam a não querer perceber. Ele fá-lo por arrogância, convencido que ganha uns pontinhos, mas está muito enganado.

A controvérsia da OTA só começou e começou mal. Como se pode ver pelos estudos que já estão disponíveis, (e convém lembrar aos propagandistas socialistas que o governo não está a fazer favor nenhum em divulga-los, nem tem que ser louvado por isso), a decisão tem pouco a ver com os estudos. Percebe-se isso muito bem fazendo uma antologia das contradições governamentais sobre uma matéria tão importante como a rede de transportes que servirá o aeroporto.

Voltarei ao assunto em breve.

NOTA: o assunto vai ser discutido na Quadratura do Círculo de hoje.

22.11.05
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(22 de Novembro)



Entre as sugestões recebidas para o nome desta "coluna" estão: "mirando" (A. Matos Rodrigues), "perscrutando" ou "perscrutando a rede" (Rodrigo Costa), "mediando" (Tiago Azevedo Fernandes). Claúdia Silva sugere: "por este rio acima: papel e silício", explicação (óbvia, mas impõe-se): por este rio acima: roubado a Fausto, dá a idéia de stream (na minha modesta opinião, papel: jornais e livros arrumados, silício: arrumados os restantes media que usem circuitos electrónicos (sejam eles analógicos ou digitais)".

A questão também é entre isto e isto .

*

A exibição de loucura mansa que é a nova coligação alemã, mostra como a vontade dos pequenos poderes é hoje tão apetecida que faz esquecer o mais elementar bom senso. Talvez porque já não haja grandes poderes, e só sobrem os pequenos. Mas esta coligação nunca pode dar resultado pelas melhores razões, só pode subsistir pelas piores. Será um bom exemplo de como os "blocos centrais" são péssimas soluções de governo, a não ser que se esteja em guerra. Teria sido muito melhor ter feito eleições de novo. Mesmo contra a vontade dos alemães que parecem desejar esta mistura malsã. É aqui que a política devia ser uma ultima ratio e não é.

*

Temas e música de fundo para o Super Mario em marimbas. Podem usar em campanha para não andarem tão sérios.

*

Um grande Rocketboom como de costume, com luzes de Natal, o computador a manivela para os pobres, e o aumento da robotização na rede com coisas como o Diggdot.us, o equivalente digital da linha de montagem da Ford, produzindo carros baratos para as massas.

*

Traffic flow no kottke.org.

*

A psicanálise de "mon ami Mitterrand" em breve em livro. Isso mesmo, as conversas de Mitterrand com o seu psicanalista. Primeiras revelações no Sunday Times.
 


COISAS SIMPLES / AR PURO


Edward Henry Potthast, Rushing Stream
 


EARLY MORNING BLOGS 651

Escrito em Verona

As coisas não se vêem por metade.
Ou passas e as fitas de repente
pousando um longo olhar de eternidade
que logo vai aos fumos da memória,
ou viverás com elas, nelas vendo-
te como em espelho que te sobrevive.

Mas o passar como quem visse tudo
e ali ficasse não ficando a vida
faz que as coisas se cubram de um cristal
opaco e as diluindo em corpo falso,
aquele que é quanto então mereces.

(Jorge de Sena)

*

Bom dia!

21.11.05
 


PARA A SEMANA


finalmente.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: UMA PEDRA MUITO DIFERENTE DAS OUTRAS


Quem não tem cão caça com gato, e os gatos japoneses revelam-se excelentes caçadores. Eis o asteróide Itokawa, explorado por um pequeno robot japonês chamado Hayabusa. Já lá se perdeu um ainda mais pequeno robot, desta vez ocidentalmente chamado Minerva. Esperemos agora que o (ou a?) Hayabusa desça direito e arranque uns fragmentos do Itokawa para trazer para casa.

(Actualizada aqui.)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
"
O ESTÚPIDO É MAIS PERIGOSO QUE O BANDIDO"

Incluido no livro Allegro Ma Non Troppo de Carlo M. Cipolla (1922-2000), vem a obra Leis Fundamentais da Estupidez Humana, na qual o autor teoriza sobre esse mal que aflige a humanidade.

Aconselhando, desde já, uma leitura desta interessante obra, que teoriza sobre esse misto de estado e de característica de efeitos conhecidos mas tão pouco estudada a que damos o nome de estupidez, deixamos aqui as leis fundamentais que, segundo o autor, regem tão lamentável flagelo.

1ª - Cada um de nós subestima sempre e inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos em circulação.

2ª - A probabilidade de uma certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dessa mesma pessoa.

3ª - Uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para sí, ou podendo até vir a sofrer um prejuizo.

4ª - As pessoas não estúpidas subestimam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em particular, os não estúpidos esquecem-se constantemente que em qualquer momento, lugar e situação, tratar e/ou associar-se com indivíduos estúpidos revela-se, infalivelmente, um erro que se paga muito caro.

5ª - A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigosa que existe.

Corolário - O estúpido é mais perigoso que o bandido.

Mesmo parecendo fora do contexto dos assuntos que habitualmente abordamos (...), não queremos deixar de lembrar que Carlo M. Cipolla teria encontrado um inesgotável campo de estudos caso tivesse tido a oportunidade de visitar o nosso País durante os meses em que este é assolado pelos fogos florestais.

(Nuno Miguel Cabeçadas)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
"TOUT VA TRÈS BIEN MADAME LA MARQUISE"


Não é todos os dias que tenho o prazer de ler notícias sobre Lisboa ao pequeno-almoço, quando abro o meu jornal, o Göteborgs Posten. Mas hoje tive essa sorte. É certo que não era uma notícia enorme, nem estava nas rubricas mais sérias e honrosas do jornal. Estava no quadradinho “God morgon”, onde cada manhã somos brindados com um “fait divers” que nos faça sorrir (um dia destes li aí que em Roma foram agora proibidos, por decreto municipal, os aquários redondos, por serem traumatizantes para os peixes, e que o mesmo decreto assegura o direito dos cães a exercício diário).

Hoje a notícia era esta:

A capital de Portugal, Lisboa, vai este ano ser iluminada pelo que se afirma ser a mais alta árvore de Natal artificial da Europa. Levou 44 dias a montar esta alegria para os olhos de 72 metros de altura, na Praça do Comércio.”

É fantástico! Lisboa a destacar-se com um record tão honroso! E como calculo que esta monumental glória custa dinheiro, só pode ser sinal de que a crise do país não é assim tão grave quanto dizem as más-línguas... Afinal, como se dizia numa famosa canção francesa dos anos trinta, “tout va très bien, Madame la Marquise”!

(Madalena Ferreira Åhman)

*
Não sei se tem conhecimento que a dita árvore, que por sinal é uma beleza de efeito de Natal, e uma forma de alegrar as hostes portuguesas,é de patrocinio de algumas empresas portuguesas, tais como a SIC, BCP MILLENIUM,etc, o que é de louvar.Por outro lado, como já mencionei é uma forma de alegrar as hostes portuguesas(que andam muito por baixo) e faz alguma publicidade da nossa cidade para ser visitado por estrangeiros, que por consequência é bom para a nossa economia(que anda tão pobre). Sejam mais positivos para com as iniciativas que se processam no nosso País e que o valorizem.

(Manuel Beirão)

*

O texto versando a atenção escandinava à majestosa árvore de Natal “plantada” na Praça do Comércio, sugere-me outro comentário. E ele vai no sentido de manifestar o incómodo (irritação?) com que assisto à chegada cada vez mais precoce dos fiéricos enfeites natalícios às ruas das nossas cidades. É o banalizar por dilatação de um tempo que dantes se resumia a quinze dias antes da festa. Perde-se aquela expectativa que se sentia quando eu era pequeno. Aquela coisa do “já falta pouco!”, do “nunca mais chega!”, até que um dia, já com Dezembro adiantado, finalmente as ruas se enchiam de luzes, desenhando velas, Pais Natais, trenós e renas. E havia até aquele quase ritual das famílias que, como a minha, não moravam na Baixa do Porto, de ir até lá para ver as iluminações. Mas esse também era o tempo em que durante meses se namorava um brinquedo, um só, que nos desafiava da montra do Bazar Paris, do Londres ou dos Três Vinténs. Passávamos e pensávamos: no Natal talvez sejas meu. Não perdes pela demora: quando chegar a hora, hei de namorar-te com outro empenho. Espera e verás. E essa altura chegará quando for o tempo mágico, tão ansiado, das luzes a cruzarem as ruas de passeio a passeio. Agora, coisa estranha, o Natal chega no dia a seguir ao último saldo de calções de banho e camisas de manga curta. Suspeito que ainda havemos de consoar na praia.

(Artur Carvalho)
 


AR PURO


Feodor Vasilyev
 


EARLY MORNING BLOGS 650

ROMANCE DE ABENÁMAR

—¡Abenámar, Abenámar, moro de la morería,
el día que tú naciste grandes señales había!
Estaba la mar en calma, la luna estaba crecida,
moro que en tal signo nace no debe decir mentira.

Allí respondiera el moro, bien oiréis lo que diría:
—Yo te lo diré, señor, aunque me cueste la vida,
porque soy hijo de un moro y una cristiana cautiva;
siendo yo niño y muchacho mi madre me lo decía
que mentira no dijese, que era grande villanía:
por tanto, pregunta, rey, que la verdad te diría.
—Yo te agradezco, Abenámar, aquesa tu cortesía.
¿Qué castillos son aquéllos? ¡Altos son y relucían!

—El Alhambra era, señor, y la otra la mezquita,
los otros los Alixares, labrados a maravilla.
El moro que los labraba cien doblas ganaba al día,
y el día que no los labra, otras tantas se perdía.
El otro es Generalife, huerta que par no tenía;
el otro Torres Bermejas, castillo de gran valía.
Allí habló el rey don Juan, bien oiréis lo que decía:
—Si tú quisieses, Granada, contigo me casaría;
daréte en arras y dote a Córdoba y a Sevilla.
—Casada soy, rey don Juan, casada soy, que no viuda;
el moro que a mí me tiene muy grande bien me quería.

(Anónimo)

*

Bom dia!

20.11.05
 


HOJE

 


COISAS DA SÁBADO: CAVACO E OS PARTIDOS



A candidatura de Cavaco precisa de encontrar o tom certo quanto aos partidos, o sistema partidário, e a política em democracia. Não é que o tenha perdido, é que ainda não o achou Os partidos têm um menor papel nas campanhas unipessoais como são as presidenciais. Isso é natural e tem a ver com o nosso sistema constitucional. Só que as coisas deveriam ficar por aí, mas não ficam. As candidaturas, em particular a de Cavaco, tende a ser supra-partidária, tanto no bom sentido, como no mau.

Explico-me. O afastamento dos partidos é mau sinal para a saúde da democracia, mas há que convir que os partidos têm muita culpa em que se criasse uma situação em que quase que só se pode ganhar contra eles, ou pelo menos sem eles. Esta situação malsã em que vivem os partidos portugueses, leva a que os candidatos (em particular Cavaco e Alegre, por razões diferentes) se afastem do terreno partidário como se este fosse pestífero. Este tipo de fuga à convivência partidária é, no nosso sistema constitucional e na realidade da nossa democracia, um contributo para agravar a crise das instituições. O futuro presidente vai precisar de um Governo forte e estável, mas precisa também de um sistema partidário mais equilibrado, em particular que favoreça os instrumentos de acção política e de vigilância democrática da oposição através da Assembleia. Resumindo e concluindo: precisa de estabilidade, conseguida não apenas pelo Governo, mas pela acção da oposição.

Um supra-partidarismo que vá para lá do natural centramento da candidatura presidencial numa lógica unipessoal e que possa, por acção ou omissão, minimizar o papel dos partidos não favorece a estabilidade política.

(Publicado na Sábado há uma semana.)
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(20 de Novembro)



Em breve, mais sugestões para o nome alternativo ao LENDO/VENDO.

*

Contrastes: uma péssima reportagem sobre se há médicos a mais ou a menos nos hospitais, no noticiário principal da RTP1. Tudo feito em cima do joelho e dominado por um directo em que uma menina perguntava aos doentes numa urgência se estavam a ser bem atendidos ou não. Tudo sem uma ideia, sem um fio condutor, sem qualquer profissionalismo, enchendo o tempo com banalidades e ouvindo as pessoas que estavam na sala de espera a dizer coisas completamente diferentes do esperado. Alguém me explica qual a razão de um directo desta natureza, casuístico, confuso, caótico, na parte mais nobre do telejornal? Ah! Controlo de qualidade que não existe, negligências que ninguém corrige, mau uso do nosso dinheiro. Logo que esteja em linha, vale a pena ver como é um péssimo trabalho.

Contrastes: pelo contrário, magnífica reportagem da SIC sobre o Martim Moniz como "lugar" de diferentes culturas, civilizações, religiões. Em poucos minutos, um retrato como deve ser das comunidades, com personagens certas e típicas e com a câmara dentro do mundo delas: o altar hindu; o angolano que fez a guerra dos dois lados (deve ter começado na UNITA e depois ter sido integrado no exército governamental), uma personagem viva e a merecer ter as oportunidades de estudo que procura (contou como noticiou à família que já não estava em Angola: mandou uma foto com os pombos do Rossio, e como em Angola, os pombos comem-se, tinha que ser noutro sítio...); uma cabo-verdiana cabeleireira a falar sentidamente das "saudades"; uma família chinesa a explicar, num português sincopado, por que é que não percebia a incapacidade da polícia em prender os ladrões da sua loja e a dizer que os polícias só gostavam de papelada; o indiano a contar com pena que os filhos já não percebiam o Diwali e não queriam voltar à Índia; a jovem chinesa a dizer que não tinha gostado de Lisboa, porque lhe parecia “velha” …. Tudo na primeira pessoa dito por pessoas.

*

Já tinha anotado aqui este livro de Joachim Köhler/Stewart Spencer, Richard Wagner. The Last of the Titans, mas agora, que já o li , insisto porque vale mesmo a pena. A narração da vida de Wagner, entrelaçando os fios da sua permanente agitação interior, mulheres, leituras, ego, política, lugares, com o seu programa estético resulta num quadro que nos dá a respiração wagneriana quase sem fôlego. Vemos as cenas: Wagner, no seu palazzo veneziano, frio, húmido, quase sem dinheiro, sofrendo de um quisto numa perna, tendo acabado de romper com Mathilde Wesendock, lendo Schopenhauer e começando o Tristão e Isolda. Ou a morte de Wagner, que Köhler trata quase sem pormenores, nem drama, com Wagner contorcendo-se subitamente com falta de ar, perante uma aterrorizada criada e depois morrendo diante de Cosima, que o mandou enterrar na parte de trás da casa, onde já estavam enterrados os seus cães, “para o manter sempre debaixo dos seus olhos”.
 


EARLY MORNING BLOGS 649

ROMANCE IX LA RESPUESTA DEL REY

Pidiendo a las diez del día papel a su secretario,
a la carta de Jimena responde el rey por su mano;
y después de hacer la cruz con cuatro puntos y un rasgo,
aquestas palabras pone a guisa de cortesano:

«A vos, la noble Jimena, la del marido envidiado,
vos envío mis saludos en fe de quereros tanto.
Que estáis de mi querellosa, decís en vuestro despacho,
que non vos suelto el marido sino una vez en el año,

»y que cuando vos le suelto, en lugar de regalaros,
en vuestros brazos se duerme como viene tan cansado.
Si supiérades, señora, que vos quitaba el velado
para mis namoramientos, fuera bien el lamentarlo;

»mas si sólo vos lo quito para lidiar en el campo
con los moros convecinos, non vos fago mucho agravio;
que si yo no hubiera puesto las mis huertas a su cargo,
ni vos fuerais más que dueña, ni él fuera más que un hidalgo.

»A no vos tener encinta, señora, el vuestro velado
creyera de su dormir lo que me habedes contado.
Más pues el parto esperáis... si os falta un marido al lado,
no importa, que sobra un rey que os hará cien mil regalos.

»Decís que entregue a las llamas la carta que habéis mandado;
a contener herejías, fuera digna de tal caso;
mas pues razones contiene dignas de los siete sabios,
mejor es para mi archivo que non para el fuego ingrato.

»Y porque guardéis la mía y no la fagáis pedazos,
por ella a lo que pariéredes prometo buen aguinaldo:
si fuere hijo, daréle una espada y un caballo
y cien mil maravedís para ayuda de su gasto;

»si fija, para su dote prometo poner en cambio
desde el día en que naciere de plata cuarenta marcos.
Con esto ceso, señora, y no de estar suplicando
a la Virgen vos ayude en los dolores del parto».

(Anónimo)

*

Bom dia!

19.11.05
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(19 de Novembro)



Para os admiradores da Blue Ball Machine, o Rocketboom de hoje. No mesmo filão há outras coisas bem divertidas: Paris Hilton doesn't change facial expressions, um exemplo para os blogues caçadores de incoerências em tempo real; um Batman: ualuealuealeuale ; um hino para os blogues que trabalham muito para as audiências ; um George Costanza sei lá para quê; e um para os blogues justiceiros. A febre de sábado de manhã vai alta.
 


AR PURO


Alexei Savrasov
 


EARLY MORNING BLOGS 648

Child Of The Romans


The dago shovelman sits by the railroad track
Eating a noon meal of bread and bologna.
A train whirls by, and men and women at tables
Alive with red roses and yellow jonquils,
Eat steaks running with brown gravy,
Strawberries and cream, eclaires and coffee.
The dago shovelman finishes the dry bread and bologna,
Washes it down with a dipper from the water-boy,
And goes back to the second half of a ten-hour day’s work
Keeping the road-bed so the roses and jonquils
Shake hardly at all in the cut glass vases
Standing slender on the tables in the dining cars.


(Carl Sandburg)

*

Bom dia!

18.11.05
 


COM ELES


 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(18 de Novembro) - 2ª série




De um leitor:
"Enquanto por cá andamos (pais, professores e académicos) preocupados por os nossos alunos escreverem em provas escritas recorrendo a linguagem SMS e discutimos o uso de "sitio" em alternativa a site ou wireless em vez de "sem fios" pois há quem não perca tempo e se ajuste aos tempos. Já imaginou os Lusiadas ou Os Maias em linguagem SMS?
Pois agora imagine isto.

(Carlos Brás)
Um fragmento daquilo:
"As principais obras da literatura britânica foram traduzidas para linguagem de SMS, como forma de ajudar os estudantes do Reino Unido a rever a matéria para os exames. O serviço condensa clássicos como «Orgulho e Preconceito» ou as peças de Shakespeare. Frases emblemáticas como o clássico «Ser ou não ser, heis a questão» («To be or not to be, that is the question»), de Hamlet, foram transformados em «2b? Nt2b? ???». Uma tradução que, de acordo com o professor John Sutherland, da Universidade de Londres, demonstra a capacidade dos SMS de apreender os principais pontos de uma história»
*

Os "anéis de Einstein" no Jet Propulsion Laboratory.

*

Recordado por Paulo Almeida:

"The Federal Election Commission today issued an advisory opinion that finds the Fired Up network of blogs qualifies for the 'press exemption' to federal campaign finance laws. The press exemption, as defined by Congress, is meant to assure 'the unfettered right of the newspapers, TV networks, and other media to cover and comment on political campaigns.'
The full ruling is available at the FEC site. A noteworthy passage: '...an entity otherwise eligible for the press exception would not lose its eligibility merely because of a lack of objectivity...'" ( aqui.)
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota TEMAS PRESIDENCIAIS (3ª SÉRIE).
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
ATENÇÃO AOS IDOS DE MARÇO (QUE EM PORTUGAL SÃO EM JANEIRO)




Existe algum perigo de um atentado terrorista em Portugal nos próximos tempos? Existe, claro: na véspera das eleições - como foi o assassinato de Gaspar Castelo Branco em 86, como foi o massacre de Madrid em 2004. Ainda mais que os terroristas podem querer evitar a eleição de Cavaco Silva e ajudar Soares como conseguiram em Madrid levar à derrota o Governo do PP, um bom Governo, como dois dias antes todas as sondagens confirmavam largamente.

A Espanha participou na Guerra do Iraque e nós não? Mentira: a Espanha não participou na Guerra, limitou-se a enviar um barco-hospital que chegou ao Golfo mês e meio depois dos combates terem terminado.

Aznar esteve na cimeira dos Açores com Bush e Blair? Também Durão Barroso. A cimeira não declarou a guerra ao Iraque, tratou da moção no Conselho de Segurança que previa o uso da força contra Saddam e acabou por ser retirada antes da votação. Mas Zapatero fez toda a sua campanha a proclamar que era preciso retirar a Espanha da "fotografia dos Açores"? A mesma da "fotografia dos Açores" e a mesma amálgama alimentaram em Portugal a campanha da Bloco de Esquerda com bom proveito.

Ainda assim, que a Espanha fizera a guerra e e isso justificava o massacre de 192 passageiros civis àquela hora da manhã num comboio suburbano (como se houvesse justificações!) - foi a palavra de ordem dos manifestantes socialistas, convocados por SMS ou alertados pela Cadena Ser e pla CNN espanhola, que cercaram as sedes do PP de Aznar até às primeiras horas do dia da votação. E foi também o que afirmaram nesse dia as televisões portuguesas, a maioria das rádios e dos jornais. Prova que em Portugal é neste momento extremamente fácil criar factos políticos ao sabor dos ventos e das ondas: veja-se o arrastão "informativo" que varreu a praia de Carcavelos este Verão.

Mas Cavaco Silva não apoiou a guerra do Iraque, até considerou que os Estados Unidos se precipitaram e não fizeram o que deviam, previamente, nas Nações Unidas e no campo diplomático? Também o Rei Abdullah não apoiou a guerra do Iraque muito pelo contrário, limitou-se mais tarde a apoiar a reconstrução das forças armadas daquele País, segundo a letra e o espírito das mais recentes decisões do Conselho de Segurança.

Nem os terroristas - que são os únicos responsáveis dos seus actos - precisam de pretextos, ou, melhor dizendo, tudo lhes serve. A França, de Chirac e Villepin, liderou a oposição aos Estados Unidos, desmultiplicou-se em iniciativas anti-americanas, arvorou-se em campeã do mundo muçulmano, foi aplaudida pelas massas populares pró-Saddam, de Rabat a Jacarta. Pois quem duvida que haja dedo islamista nas revoltas dos subúrbios parisienses que alastraram e continuam? O odiado (pela esquerda bem pensante!) Sarkozy, criador do conselho muçulmano de França na sua anterior passagem pelo Governo, acaba de lançar um alerta vermelho: "é real"... o risco de atentados em França nos próximos tempos. Villepin confirma.

E do risco de atentados em Portugal ninguém fala? Desde que os terroristas conseguiram alterar o sentido do voto em Espanha com os atentados de 12 de Fevereiro de 2004, todos estamos expostos. Portugal, em primeiro lugar, que tão parecidos somos com os espanhóis, tão permeáveis a qualquer arrastão informativo, como bem se viu. Nem é preciso um grande atentado: ao menor incidente, a qualquer boca foleira de um canidato, e a comunicação social sai para a rua desembestada.

Ninguém gosta de ser profeta de qualquer desgraça. Mas como diria Almeida Santos "por favor preocupem-se".

(José Teles)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: UMA BIBLIOTECA ROLANTE


(Pedro Filipe da Silva Gaspar)
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(18 de Novembro)



No Público, o artigo de Miguel Sousa Tavares, Desencontros, (sem ligação) que fará correr muita tinta:

"Esta teoria do primado absoluto do "direito à orientação sexual" está-se a tornar uma espécie de ditadura bem-pensante, que funciona por um método "terrorista" de silenciamento dos discordantes: quem não reconhece este sagrado direito constitucional, com todas as suas consequências, só pode ser uma abecerragem, ao estilo do dr. João César das Neves."

a contrapor às notas habitualmente assinadas f. (Fernanda Câncio) no Glória Fácil.

*

No Bloguitica AFINAL NÃO SÃO APENAS OS BLOGUES (I de II) e A OSCILAÇÃO, a viagem asiática dos autores do kottke.org, as notícias portuguesas e brasileiras do Google, que todos os dias faz uma coisa diferente. E por falar no Google vale a pena ver este filme com os diferentes logotipos usados pelo motor de busca, em cima de música de Elvis.

*

Mecanismos da informação: no dia da greve dos professores, a divulgação dos números do absentismo docente. A muito governamental RTP abre com os números do absentismo, dados aliás da forma mais conveniente, para, a seguir, noticiar a greve. É assim que se fazem as coisas.

*

Os leitores do Abrupto estão a enviar sugestões para um nome alternativo a estes LENDO / VENDO... que dê melhor a ideia do stream digital. Algumas sugestões recebidas: “Audio, video, disco - I hear, I see, I learn” (Paulo Almeida); “Correnteza”, “Na correnteza dos media” (José Nunes); "MediaPlaning", “por vezes, tal como o "AquaPlaning", também o "MediaPlaning" pode provocar despistes!" (SBC); "Regato mediático", "Córrego mediático", "O fio de Ariadne", "Leituras no éter" (Leonel Morgado), etc. Vasco Godinho escreve:
"Notas sobre o fluxo electrónico", "Notas sobre o fluxo" ou "Fluxografia" foram as minhas primeiras ideias, mas são um pouco imediatas e nenhuma responde inteiramente ao que procura, e nem sequer têm a elegância que decerto procura. Se toda a gente soubesse quem foi o inventor do ensaio e da escrita-à-medida-do-que-se-pensa-e-se-vê, eu tomaria a liberdade de sugerir que se invocasse algures Montaigne. No fundo, a culpa disto tudo é dele.
 


COISAS SIMPLES


John Pilson, St. Denis (Stairwell and Elevators)
 


EARLY MORNING BLOGS 647

O poema ensina a cair

O poema ensina a cair
sobre vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede

até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face antige o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.

(Luiza Neto Jorge)

*

Bom dia!

17.11.05
 


TEMAS PRESIDENCIAIS (3ª SÉRIE)

UMA CAMPANHA DECLARATIVA


A campanha de Cavaco Silva é diferente de todas as outras. É feita para um candidato cujas características políticas e psicológicas são muito diferentes do habitual na "classe política" portuguesa. É feita em circunstâncias também sui generis: Cavaco Silva parte com patamares de apoio superiores aos dos outros candidatos todos juntos, o que é pouco comum em eleições muito contestadas e personalizadas. Esta última característica aparece pela primeira vez na nossa história eleitoral presidencial. Nem Eanes, nem Soares Carneiro, nem Freitas do Amaral, nem Mário Soares, nem Jorge Sampaio alguma vez estiveram numa situação deste tipo. Ou tinham um favoritismo esmagador, e os outros candidatos estavam apenas a "marcar presença", ou havia uma forte bipolarização com dois candidatos igualados.

Deixo aqui de lado o mérito relativo da mensagem de cada um, minimizando o papel de manifestos e programas, dado que mais do que as palavras é o interlocutor que lhes dá sentido. As mesmas coisas ditas por Cavaco e Soares são muito diferentes e os eleitores sabem disso muito bem, visto que ambos são conhecidos como políticos. Este efeito de conhecimento é um elemento essencial desta campanha. O julgamento do eleitorado parte de um princípio de necessidade: precisa, ou acha que precisa, de uma pessoa com determinadas características e história, e não de outra. Esta é hoje a força de Cavaco e a fragilidade de Soares.

Num mundo em que não houvesse ruído, ou seja no Paraíso ou no Inferno, vale o mesmo, esta escolha seria límpida. Acontece que existe um conjunto de práticas que correspondem ao que se pensa serem (ou deverem ser) as campanhas eleitorais, umas impostas pelas nossas tradições políticas, outras pelo sistema mediático. E estas práticas moldam, durante três meses, a imagem dos candidatos num contexto de sobreexposição que tem todos os riscos ou vantagens, dependendo do tipo de campanha.

Veja-se, por exemplo, como a primeira entrevista presidencial de Cavaco Silva na TVI revelou o melhor e o pior da face mediática de Cavaco, o candidato cuja face mediática cola menos com a sua exposição "pública". Quando vi a entrevista, Cavaco pareceu-me tenso, rígido, um pouco ansioso, mas convincente. Atenho-me à última classificação, a que mais depende da vontade própria, porque admito que as outras surgem contra a vontade do candidato. A tensão de Cavaco prejudica a mensagem, porque há sempre um ruído psicológico de instabilidade e insegurança na tensão. No entanto, como ele só fala de coisas "sérias", acaba por favorecê-lo, gerando um efeito de veracidade. Aquele homem está nervoso porque está preocupado e está preocupado por nós. É muito interessante verificar que, se me pareceu que na entrevista havia rigidez a mais e incomodidade face a algumas perguntas, que Cavaco podia responder de forma simples e de bom senso sem dificuldades, já quando a entrevista é reduzida aos excertos que são transmitidos nos noticiários, estes resultam muito eficazes.

Cavaco é pouco plástico e por isso tende a seguir uma linha pré-estabelecida com muita rigidez e isso, numa entrevista mais longa, prejudica-o. Já em fragmentos, o que é valorizado é o grau de convencimento pessoal, de dedicação às suas causas, que é muito difícil um político dos nossos dias transmitir e ele consegue-o. Por isso, não há frases engraçadas nem soundbites para reproduzir no dia seguinte, como acontece com Soares, que é sempre um must televisivo, mas uma mensagem limpa e convincente de dedicação à causa pública. Cavaco não consegue o mais fácil, mas consegue o mais difícil, como aliás revelam as sondagens que os seus adversários acham que caíram injustamente do céu, sem qualquer razão.

Pela entrevista, percebe-se que o que é essencial na campanha de Cavaco é a sua natureza de campanha declarativa, afirmando determinadas coisas e só essas, e não "conversando" com as outras campanhas. É isso que exaspera Soares, que precisa de interlocutor para o seu tipo de intervenção discursiva, e não o encontra. Como o candidato Cavaco é credível e gera um efeito de confiança, o que diz é muito eficaz. Sofrerá alguma erosão, em particular face ao estilo mais comunicativo de Soares, mas pode ter resultados surpreendentes. Já os tem, porque as sondagens revelam uma excepção, não uma normalidade.


UMA CAMPANHA PROVOCATÓRIA


Mário Soares seria um excelente candidato para o Bloco de Esquerda, ou melhor, para a área do Bloco de Esquerda, e digo-o sem qualquer intenção de minimizar a campanha e o candidato. Tivesse ele sido um candidato com uma lógica exterior aos conflitos internos do PS e centrado nas áreas onde conquistou influência nos últimos anos, que podia não ganhar, como tudo indica que não vai ganhar, mas faria uma campanha muito mais animada e que lhe seria menos penosa.

Soares estaria mais próximo do que realmente pensa, e seria mais convincente, pelo menos para uma parte do eleitorado. Um Soares solto, apoiado por uma franja considerável da nossa esquerda mais radical e activista, fazendo uma campanha na base dos seus temas favoritos, o antiamericanismo, a crítica à globalização, o ataque ao "neoliberalismo", em defesa dos "direitos sociais" contra o "economicismo" do Governo, sem receio de confrontar Sócrates, traria um incremento de força e unificaria mais a esquerda do que a actual campanha híbrida e pouco convincente.

O Bloco percebeu isso e hesitou. Fernando Rosas foi ao lançamento de Soares, um gesto politicamente simbólico, e a mandatária da juventude veio do BE. Quando a campanha endurece, vemos uma comunidade de temas em uníssono, com a mandatária da juventude de Soares e Francisco Louçã a usar contra Cavaco, por exemplo, a desgraça do jovem baleado na Ponte 25 de Abril. As sondagens revelam essa fluidez entre Soares e a esquerda radical quando mostram que se o BE não tivesse candidato, seria Soares e não Alegre nem Jerónimo, o verdadeiro receptáculo dos votos radicais.

O que prende Soares numa redoma fechada é que ele se convenceu de que, aparecendo do nada, depois do seu sonoro "basta!", podia reproduzir uma campanha como a de 1985 ou de 1991, num tom unanimista e mobilizador, levando tudo atrás do "animal político" por excelência. Ele ainda não percebeu que nada disso aconteceu, nem vai acontecer, e está penosamente a tentar chegar à segunda volta. Apanhado na sua armadilha, Soares está a fazer uma campanha que Louçã não desdenharia: provocações, picardias, frases assassinas, que são sempre um sucesso comunicacional, mas que o reduzem à situação do candidato menor anti-sistema que pretende crescer apenas no confronto com o maior. Soares faz isso muito bem, porque ele é bom nisso, mas também porque este tipo de campanha encaixa bem no tom habitual da própria comunicação social. Só que este tipo de campanha dificilmente lhe dará o estatuto de um candidato com sentido de Estado e a gravidade política que as pessoas associam à função presidencial.

Soares tenta bipolarizar a todo o custo, mas tem muita dificuldade em usar o armamento pesado que, numa segunda volta, não terá pejo em utilizar. Esse armamento assenta num antifascismo forçado, recorrendo a todas as metáforas dos perigos de Cavaco e do cavaquismo como subversão da democracia. Só que Soares não está na segunda volta e candidatos como Alegre, ao serem o seu contraponto, tiram-lhe o tapete e diminuem-lhe a dramatização. Quando Soares diz que com ele podem dormir descansados, Alegre vem dizer que com Cavaco também podem dormir descansados, quando Soares se gaba da sua superioridade cultural face a Cavaco, a mera existência de Alegre o diminui, onde Soares faz um contínuo de provocações, Alegre aparece como um factor de calma e seriedade.

Vamos ver como evolui o confronto entre a campanha provocatória e a campanha declarativa, porque é no confronto entre ambas que se vai jogar o que parece ainda em aberto na campanha eleitoral: se Cavaco ganha à primeira volta, e, se houver uma segunda volta, se é Soares ou Alegre que passarão.

(Hoje no Público.)

*
Lido o seu artigo sobre as campanhas de Cavaco e de Soares, concordando na generalidade com o que diz e em absoluto no que se refere a Cavaco, gostaria no entanto, de deixar uma interpretação diferente da atitude de Mário Soares.

Tenho para mim que este é o verdadeiro Soares, contraditório prisioneiro entre princípios e carácter. Não simpatizando com a pessoa, acredito firmemente na sinceridade e boa fé dos seus princípios e da sua capacidade mobilizadora. Contudo, creio que os princípios públicos de Soares se circunscrevem a uma esfera política, em grande parte literária, teórica e essencialmente abstracta. No plano das suas relações pessoais, Soares aparenta agir regulado por motivos de decisão e acção muito diferentes e menos agradáveis que apenas a sua dimensão pessoal revela, nunca a sua dimensão pública. Foram estes diferentes motivos de acção que determinaram, entre outras, as ruturas com Manuel Alegre, em parte, com Salgado Zenha, a sua reacção após a derrota no Parlamento Europeu e, quanto a mim, a actual candidatura.

Soares vai perder estas eleições pela simples e comezinha razão de que, talvez pela primeira vez na vida, ele concorre a algo não por convicção política profunda, mas por razões de carácter. A quase total ausência de conteudo político relevante da sua campanha e a concentração quase exclusiva e hostil na pessoa de Cavaco, mais do que na campanha, vêm demonstrar, creio, este ponto de vista. Suporá talvez que já tudo lhe é permitido e esta suposição é uma questão de carácter.

(Fernando Calado Lopes)
*
«...quando Soares se gaba da sua superioridade cultural face a Cavaco, a mera existência de Alegre o diminui, onde Soares faz um contínuo de provocações, Alegre aparece como um factor de calma e seriedade...»

A lógica desta sua frase parece-me muito correcta.

A verdade isenta, parece-me, é que Manuel Alegre terá arriscado candidatar-se numa perspectiva ofendida, sem dúvida com um tom tranquilo e com um tom que toca a muitos, mas que também não toca a generalidade de um País em crise e desesperado e que está urgentemente precisado de um salvador supra-dotado. Não sei se Alegre, como Cavaco Silva, interpreta esse papel. Sinceramente, creio que Manuel Alegre, como símbolo de esquerda e provavelmente como um bom Presidente da República (porque tem um perfil melhor que os outros), tem o problema de ter a credibilidade que lhe falta; ou seja, nunca ter errado porque nunca esteve em sítio nenhum (ao contrário dos outros).

Manuel Alegre surge como uma espécie de pássaro ganhador da consciência de toda a gente, mas não tem a fibra que estamos habituados a ver nas pessoas aparentemente dotadas para o governo do País e terá o azar de não ser tempo para brincadeiras e frases genéricas de combate. O que nós precisávamos todos era de um Presidente fundador de qualquer coisa nova, e se bem que Manuel Alegre crie essa expectativa, também não possui o estatuto exemplar para uma coisa dessas. A não ser que por uma recusa visceral a Cavaco as eleições dêem por esse lado inventor. Seria engraçado que no fundo do poço os portugueses arriscassem o tudo ou nada.

Apesar de ter toda a minha simpatia (e apesar de eu gostar que ele ganhasse como elemento traído e vítima da máquina partidária que ninguém, no fundo, percebe -- numa espécie orinetação para o futuro), à situação de Manuel Alegre falta qualquer coisa que ninguém pode explicar ou arriscar inteiramente sem ser por um "vamos a isto, caramba!". Se calhar é isso que nos falta a todos. Se calhar é este o desafio que, se for devidamente identificado, pode dar numa boa campanha -- mas para isso era necessário que os meios de comunicação social não perdessem tempo com o espectáculo estranho que Soares inventou contra o candidato essencial e automático que é Cavaco Silva. Digo estranho porque Soares optou por uma campanha que sabe que não vence, e portanto há aqui um fenómeno que ninguém entende e nos anda a ocupar todos. Mas num plano de banda-desenhada que mimetiza a verdade e, pior, aquilo que realmente precisamos.


Não fosse este pormenor de Soares ter aparecido sabe-se lá porquê, teríamos umas presidenciais "à antiga", entre a direita pragmática e a esquerda fundadora. Se calhar, já ninguém pensa entre um lado e outro sem avaliar a validade das pessoas em si, e depois o excesso de informação-espectáculo (não da baixa-política, como se pretende fazer passar normalmente) está a baralhar o essencial do problema e a turvar a questão que se nos apresenta: a de decidir entre o prático Cavaco e o potencial Alegre. São dois termos muito claros que confundem qualquer simpatia.

(Vasco Godinho)
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(17 de Novembro)



Sugestões para mudar o nome ao LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA? Qualquer coisa como em inglês Stream, fio, fluxo, para cobrir o contínuo digital (e ainda analógico, cada vez menos) que faz estas notas?

*
Mais um novo Google, o Google Base e o Google Print chama-se agora Google Book Search.

*

Um saudável antídoto à mania acusatória, zangada, apressada e superficial, infelizmente típica de alguns blogues, na nota "Atirar pedras ao ar na Ota" no Adufe. Cito:

"Obviamente, nem todos os bloggers que exigiram os estudos que agora "começam" a ser publicados são especialistas, logo não são os críticos mais competentes para apreciar a informação. Terão seguramente a sua palavra a dizer e é do interesse de todos que os argumentos sejam suficientemente fortes e claros que permitam convencer a maioria da bondade das decisões, mas o fundamental era/é que estes mesmos estudos fossem divulgados para que todos, incluindo técnicos especializados alheios à realização dos estudos, os podessem avaliar e comentar. A lógica de facto consumado sem justificações foi em si um erro crasso nesta matéria que tem andado literalmente ao sabor dos caprichos de cada ministro da tutela."

*

Quando, muitas vezes, alguns jornalistas fazem, irritados, a pergunta retórica de quando é que "protegeram" Soares, uma das respostas está dada hoje. Soares entrou numa campanha quase de insulto pessoal, fazendo a psicanálise do seu adversário, a quem chama "complexado", ou melhor ainda, dizendo que é "complexado com ele próprio". Todo o discurso de Soares é de uma insuportável jactância e arrogância pessoal, política, mas também cultural e social. Não é muito distinto do ataque que o Independente em tempos fez a Macário Correia por ser filho de pobres. Soares não é um analista, não é um comentador, é um candidato a Presidente da República, a dita "mais alta magistratura da nação". Ora ainda não vi um único editorial de protesto contra quem está claramente a baixar o nível da campanha, editorial a que não escaparia qualquer outra personagem da política se não fosse Soares. Ou então terá o seu editorial crítico quando se encontrar qualquer coisa que permita um exercício salomónico, que, como é costume, protege o principal prevaricador. É verdade que Soares não tem tido boa imprensa ao contrário de Cavaco, mas a sua campanha também tem sido tão má que não espanta. Mas continua a beneficiar de uma enorme complacência.

*

E nos jornais vê-se também como um dos grandes méritos da discreta campanha de Alegre tem a ver com o que disse acima. Alegre fala de igual para igual com Soares, e não lhe reconhece um átomo da superioridade que Soares pensa que tem. Pode por isso responder com elegância ao "mau gosto" de Soares, como fez a propósito do boletim clínico que este anda a prometer exibir.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: A PEDRA DE PANDORA



Mais uma pedra que conhecemos melhor. A primeira mulher. A de todas as qualidades. A que trazia a caixa com o mal. Agora vemos que não é uma caixa é uma pedra. Será que se pode abrir? Será que a Esperança continua no fundo da caixa, a única a não fugir?
 


AR PURO


Richard Estes, Urban Landscapes II, Allied Chemical
 


EARLY MORNING BLOGS 646

La Grenouille qui se veut faire aussi grosse que le Boeuf

Une Grenouille vit un boeuf
Qui lui sembla de belle taille.
Elle qui n'était pas grosse en tout comme un oeuf
Envieuse s'étend, et s'enfle, et se travaille
Pour égaler l'animal en grosseur,
Disant : Regardez bien, ma soeur ;
Est-ce assez ? dites-moi ; n'y suis-je point encore ?
- Nenni. - M'y voici donc ? - Point du tout. - M'y voilà ?
- Vous n'en approchez point. La chétive pécore
S'enfla si bien qu'elle creva.
Le monde est plein de gens qui ne sont pas plus sages :
Tout Bourgeois veut bâtir comme les grands Seigneurs,
Tout petit Prince a des Ambassadeurs,
Tout Marquis veut avoir des Pages.

(Jean de La Fontaine)

*

Bom dia!

16.11.05
 


INTENDÊNCIA

Em actualização os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
SOBRE O "ALMOCREVE DAS PETAS", VERSÃO EM PAPEL



Lendo, como sempre o “abrupto”, encontrei uma referência ao “Almocreve das Petas”. É interessante lembrar que a primeira referência bibliográfica a este nome é do André Brun, em A malta das trincheiras (guerra de 14/18). O nome era aplicado às notícias oficiais do Estado-Maior, sobre o andamento da guerra. Passou, quase de imediato, a aplicar-se aos rumores e panfletos que circulavam entre a nossa tropa. Tinha também o simpático “nickname” de “Daskpeten Almokreven”!

É um livro de leitura obrigatória, de um humor excepcional, onde se podem encontrar pérolas como a da origem do vocábulo “cavar”, aplicado a “fugir”; e muitos outros; e onde se podem encontrar elementos preciosos para a compreensão (sociológica) do nosso Povo. Estou a citar de memória, pois há anos que não releio o autor da Maluquinha de Arroios. E cuja obra recomendo vivamente a todos.

Quem não perceber o Brun de antes da guerra (de 38/45), então – como diria o Vasco Pulido Valente – é porque não percebe nada do que se passa hoje em Portugal.

Ontem, como hoje, «o Mundo está perigoso…»

(Luis Rodrigues)
 


DE REGRESSO

daqui. E está diferente!!!

15.11.05
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(15 de Novembro)



Mais um "google", Google Analytics.

*

Padrões: dois blogues sobre comunicação social, o INDÚSTRIAS CULTURAIS e o Jornalismo e Comunicação são actualizados regularmente pela manhã. Blogues kantianos, seguros. O Almocreve das Petas costumava ser o mais regular blogue nocturno, sinal de bons e clássicos vícios antigos, mas está um pouco errático.

O número de blogues nocturnos (nos Frescos) está a diminuir. Sinal de uma crise do umbiguismo? Não sei. O umbigo tende a falar mais à noite, a irritação, a quezília, a mesquinhez, a inveja mais de dia. Terá o Diabo dado ritmos circadianos aos blogues?

*

Um bom artigo de Teresa de Sousa, "Más notícias", no Público (sem ligações):

"Se a União Europeia vier a ser responsabilizada pelo fracasso das negociações para a liberalização do comércio mundial - graças à teimosia cega de alguns dos seus membros no que respeita preservação da PAC -, a sua credibilidade internacional ficará reduzida a pó."

Ainda estou para saber se o pagamento dos conteúdos no Público compensa a perda de influência real do jornal no debate público. É que, para um jornal que se pretende de referência, a circulação dos seus artigos na rede é um multiplicador natural de influência, e a influência (nas elites em particular) está no centro da "referência".

*
Partilho da sua dúvida em relação ao pagamento de conteúdos do Público: será que o actual pagamento "compensa a perda de influência real do jornal no debate público"? A minha dúvida está inclinada para uma resposta, que penso será também a sua - parece-me que o Público tem perdido influência no debate. E, de facto, perder influência é ir deixando de ser referência...

Tenho para mim que, se fizessemos uma análise quantitativa ao número de citações de artigos, na Internet, o Público seria, até há pouco tempo, o jornal mais citado. Basta ver o mundo dos blogs "de referência": o seu Abrupto, o Causa Nossa, entre muitos outros, que continham citações quase diárias, e que se têm reduzido agora - passando a surgir citações de outros jornais, como o DN e JN, entre outros.

Eu próprio tenho um exemplo concreto. Sou dinamizador de um fórum de discussão (uma mailing list, que dá origem a um blog ), com notícias que normalmente retiro da minha leitura diária do jornal Público. Ora, desde que as ligações para a página passaram a estar apenas disponíveis para assinantes, o debate tem-se ressentido - nota-se uma clara diminuição. Hoje em dia, porque gosto muito de ler o Público, tenho continuado a "recortar" as notícias deste jornal, mas é provável que no futuro comece a escolher hiper-ligações doutros jornais, de forma a procurar fomentar o debate.

(Fernando Ramos)
 


COISAS COMPLICADAS


Hiroshi Sugimoto, Stanley Theater
 


EARLY MORNING BLOGS 645

Mélange adultère de tout

En Amerique, professeur;
En Angleterre, journaliste;
C'est à grands pas et en sueur
Que vous suivrez à peine ma piste.
En Yorkshire, conferencier;
A Londres, un peu banquier,
Vous me paierez bien la tête.
C'est à Paris que je me coiffe
Casque noir de jemenfoutiste.
En Allemagne, philosophe
Surexcité par Emporheben
Au grand air de Bergsteigleben;
J'erre toujours de-ci de-là
A divers coups de tra la la
De Damas jusqu'à Omaha.
Je celebrai mon jour de fête
Dans une oasis d'Afrique
Vêtu d'une peau de girafe.

On montrera mon cénotaphe
Aux côtes brûlantes de Mozambique.

(T. S. Eliot)

*

Bom dia!

14.11.05
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: QUEM FOI EDUARDO MOREIRA?

Por gentileza de Ana Claúdia Vicente, publica-se aqui a biografia que fez de Eduardo Moreira na sua dissertação de mestrado A Introdução do Escutismo em Portugal. 1911-1942.

Eduardo Henriques Moreira (1886 - 1980)

Natural da cidade de Lisboa, foi discípulo do professor Erasmo Braga. Fez estudos teológicos e históricos. Tornou-se pastor da Igreja Evangélica Presbiteriana em 1913; encetou profissionalmente, dois anos depois, carreira na função pública. Desde o primeiro momento esteve envolvido na criação da Associação dos Escoteiros de Portugal (AEP), fundada em Setembro de 1913. Foi Secretário-Geral da AEP até 1922, e Comissário da Zona do Porto até 1926, onde deu início ao “Dia do Gaiato” (1923).
Em 1917, foi aceite pelo ministro de Guerra, Norton de Matos, como capelão evangélico do Corpo Expedicionário Português, missão que não chegou a cumprir devido ao golpe sidonista. Em 1920 foi eleito vereador do município de Lisboa, e no ano seguinte exerceu as funções de Vice-Presidente do Senado Camarário. Nessa altura foi aprovada, por proposta sua, a restauração da bandeira da cidade, e iniciados estudos toponímicos sobre a capital. Após ter desempenhado funções de secretário ministerial do Coronel António Maria Baptista, cessou em 1922 toda a sua participação política e carreira na função pública, dedicando-se exclusivamente à vida religiosa.

Professor no Seminário Evangélico e historiador do fenómeno protestante português (pertenceu ao Instituto Histórico do Minho e de Coimbra), preparou em 1928 uma colectânea de leis que respeitavam aos evangélicos portugueses; foi poeta e periodista. Tomou a cargo a fundação de vários órgãos de comunicação protestantes, nomeadamente a revista Triângulo Vermelho, da Associação Cristã da Mocidade, sendo Secretário-Geral desta associação de 1922 a 1928. Primeiro Secretário da Aliança Evangélica Portuguesa (1922-25), assumiu a presidência da instituição pelo menos até 1948. Representou Portugal em inúmeras reuniões internacionais, entre as quais os congressos pedagógicos protestantes de Nimes (França), em 1922 e Poertschach (Áustria), em 1924; o Congresso Evangélico Espanhol de Barcelona, 1929; ou o Congresso Mundial das Escolas Dominicais (Brasil), em 1932. Na qualidade de procurador das missões evangélicas em África, visitou durante o ano 1934 cinquenta estações missionárias em Cabo Verde, Angola e Moçambique. Aderiu à Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, tendo sido ordenado (primeiras ordens) em Outubro de 1947, pelo arcebispo Armagh, primaz da Irlanda. Com o bispo protestante Santos Figueiredo, participou na revisão da versão seiscentista da Bíblia, da autoria de João Ferreira de Almeida. Colaborou na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, editada nessa mesma década, bem como na publicação de vários artigos na imprensa (n’ O Século, entre outros), sobretudo de divulgação económica.

(Ana Cláudia Vicente)
 


HORA PIMBA 5
OU O REFRIGÉRIO DOS AFECTOS PELAS EXCITAÇÕES CULTURAIS
(OU VICE-VERSA)
(Continuação)

O Simões não percebe o Nuno : o rapaz do Nietzsche achava o vinho um "vício porco", mas apreciava "alguma companhia feminina que lhe animava um pouco as artes". O que é que lhe tinha dado? Trabalhava? O Nuno era um pequeno intelectual:
. O Simões, que tinha saído da loja para passsar pelo Centro Republicano, e não encontrara ninguém de feição, tinha-se resignado à conversa com o "selvagem do Nuno". O que é que o Nuno lia?. Estranho.

E de repente lembrou-se:.
(Continua)
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(14 de Novembro)




Miserável o aproveitamento que Louçã e Joana Amaral Dias (mesma tradição, mesmos métodos) estão a fazer da desgraça do jovem baleado na ponte 25 de Abril. Tão miserável como aqueles que atacavam Mário Soares de ser responsável pelos suicídios de trabalhadores com salários em atraso. Aqui está um verdadeiro exemplo de como enterrar a campanha na lama.

*

O que está por cima sobrepõe-se ao que está por baixo, é a lei temporal dos blogues. A propósito do que está por baixo, vale a pena ler Roger Sandall, "Tribal Yearnings. The enemies of the open society today" no The Culture Cult.

*

Tenham medo, tenham muito medo da série de ideias ultra-politicamente correctas do pomposamente chamado Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas (eu a pensar que num mundo "multicultural" não havia "minorias étnicas"), expostas no estilo da Raposinha do Aquilino, "com muita treta", no Programa "Diga lá Excelência" e reproduzidas no Público de hoje. Aqui vai uma pobre amostra do discurso cheio de certezas do Alto-Comissário:

Só nós:
"A Europa está a viver um tempo triste em que se está a fechar numa concha, erguendo muros e barreiras à sua volta. A opinião pública espanhola era das poucas que se mantinham abertas, agora restamos praticamente só nós, os portugueses."
Onde estão "talheres" coloquem coisas como o estado de direito, a democracia, valores civilizacionais como a igualdade das mulheres e dos homens, repúdio da violência "cultural" (excisão do clitoris, etc.):
"Quando eu convido alguém para almoçar comigo não é normal que eu exija que todos comam com talheres?

Não é obrigatório. Eu acho possível sentar à mesma mesa pessoas com registos culturais, históricos e religiosos completamente diferentes.

Com pratos diferentes, instrumentos diferentes?

Exactamente. Em contexto global, é isso mesmo que temos que fazer. O grande perigo que corremos é querer que toda a humanidade se sente à nossa mesa comendo com os nossos talheres e com a nossa culinária."
Preconceitos:
"Vamos então a um caso concreto. Defende escolas só para algumas comunidades imigrantes, com currículos especiais?

Não, a interculturalidade não é isso. Isso são versões suaves de multiculturalismo, versões de segregação, de separação de diferentes comunidades.

Mas parece que a escola portuguesa não interessa muito aos filhos dos imigrantes...

É um preconceito.

O insucesso escolar nestas comunidades é um preconceito?

Mas o insucesso escolar não tem que ver com o interesse na escola portuguesa. Temos todos a ganhar com a aceitação da diversidade. De ver a realidade a partir do ponto de vista do outro."
As certezas enfatuadas e o tom dogmático eram tão evidentes que até os jornalistas habitualmente calmos estavam irritados.
 


COISAS SIMPLES


Norman Rockwell, The Connoisseur, 1962
 


EARLY MORNING BLOGS 644

Segredo

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.

(Carlos Drummond de Andrade)

*

Bom dia!

13.11.05
 


HORA PIMBA 4
OU O REFRIGÉRIO DOS AFECTOS PELAS EXCITAÇÕES CULTURAIS
(OU VICE-VERSA)
(Continuação)

Estava o nosso jovem a ler Nietzsche como um verdadeiro pluralista

quando o Simões o interrompe.

E lá subiu para a mansarda do Nuno (era em Alfama), o "da alma sincera", com a "mesa cheia de brochuras", um guarda-chuva, o catre mal feito, a luz do petróleo.

(Continua)
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O FIM DAS ESPÉCIES.
   


HORA PIMBA 3
OU O REFRIGÉRIO DOS AFECTOS PELAS EXCITAÇÕES CULTURAIS
(OU VICE-VERSA)


De Eduardo Moreira, Duas Revoluções. História Verosímil da Actualidade, Lisboa, Livraria Evangelica, 1925

O jovem que "não vê claro no meio da confusão das doutrinas":



O "nosso amigo" estava a ler Nietzsche, em francês(é uma história "verosímil"), e quer fazer a "instrução contraditória" do cristianismo.



(Continua)
 


HORA PIMBA 2
OU O REFRIGÉRIO DOS AFECTOS PELAS EXCITAÇÕES CULTURAIS
(OU VICE-VERSA)




O artista olha para o quadro e diz: "Outra vez comigo, querida fugitiva. Agora tenho duas: a inspirada e a real, a que amo...Existe a terceira que não virá..."

Virá, virá, está atrás do sr. Costa:



Conclusão: "a partir de então, Xavier Costa compreeendeu o que faltava à sua arte: o toque maravilhoso do amor..."

(Continua na Hora Pimba 3)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
IDOSA ATACADA POR UM CÃO NO PRIME TIME



(...) Envio-lhe outra reliquia. Daquelas que apenas por acaso e por ter a máquina fotográfica na mão tive o discernimento de captar o momento. Quantos me terão escapado?

(Carlos Brás)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O FIM DAS ESPÉCIES

"Manuais escolares do estado do Kansas vão poder por em causa a teoria da evolução" - Público.

Há uns anos atrás, não teria acreditado, se me tivessem dito que estas seriam notícias de 10 de Novembro de 2005. Teria pensado em ficção de má qualidade, em devaneios irrealistas sobre a decadência ocidental, em cenários desviantes, marginais, em baterias mal apontadas... (Artur Furtado)

Um Portugal que não se vê todos os dias atravessa neste momento Lisboa

Fora de Fátima, claro. Mas Fátima é um ecossistema. (JPP)

Abrupto


Porque visito regularmente o Abrupto a leitura dos post atrás transcritos suscitaram-me os comentários seguintes:

A forma desinformada como muitas vezes se retrata a sociedade norte-americana leva a uma generalizada convicção na Europa que os norte-americanos são geralmente pouco esclarecidos

Vem isto a propósito das notícias que, de vez em quando, aparecem na nossa Imprensa e que, propositadamente ou não, sublinham alguns aspectos aparentemente ininteligíveis do comportamento da sociedade norte-americana. Um dos mais batidos é a questão à volta do evolucionismo versus criacionismo.

Não pretendo divagar sobre o assunto que, aliás, não é susceptível de discussão científica, mas apenas referir o seguinte:

1 – Cerca de 50% dos norte-americanos está consciente que a espécie humana é resultado de um processo de evolução natural, tendo os desenvolvimentos científicos mais recentes concluído que existe uma similaridade genética da ordem dos 98,4% entre humanos e chimpanzés. O próprio Darwin, certamente, se espantaria com tão elevado grau de proximidade.

2 – Darwin, contudo, ficaria não menos espantado se soubesse que, passados 146 anos sobre a publicação da “Origem das Espécies”, cerca de 50% dos norte-americanos e uma percentagem idêntica de europeus ainda, intransigentemente, rejeita a sua teoria. Em Portugal, quantos? Não sabemos, mas a avaliar pelo que se vê à nossa volta, o número é seguramente muito superior.

3 – A principal razão pela qual o assunto é objecto de discussão, tão badalada, nos Estados Unidos decorre do facto da política tradicional de decisão dos conteúdos de ensino serem votados ao nível dos “town councils” e dos “local school boards”, encorajando uma larga variedade de opiniões que, naturalmente, tendem a competir entre si no sentido de ganhar influência e poder de decisão. Esta descentralização extrema não se faz sentir apenas ao nível do ensino e decorre do modo com os Estados Unidos se formaram.

4 – Tendo sido rejeitadas pelo Supremo Tribunal de Justiça diversas tentativas de validar o Criacionismo como Ciência, os adeptos do Criacionismo (e existem diversos ramos com diferentes perspectivas e diferentes nomes) evoluíram para uma plataforma que consiste grosso modo em afirmarem-se utilizando como contra-argumentos alguns aspectos científicos da teoria que ainda se encontram por confirmar.

5 – Em resumo: O criacionismo não é ensinado nas escolas norte americanas como ciência (por não ser legalmente consentido, enquanto tal) mas em algumas escolas de alguns Estados, o criacionismo é indicado como uma proposta que tem os seus defensores.

Não penso que venha grande mal ao mundo por isso. Uma vantagem da controvérsia pode e está, aliás, a promover o avanço da confirmação da teoria da evolução natural.

E por cá? Quantos é que se preocupam com isto?
E já agora: Quantos se preocupam com o fim das espécies?

(Rui Fonseca)

*
O que está em causa com a polémica à volta da introdução do conceito de "Intelligent Design" no programa da disciplina de Ciências (Science, na terminologia commun nos US) de algumas escolas públicas Americanas, é uma questão bem menos inocente do que o simples desejo motivado pela especulação intelectual, que deverá, sim, ter lugar na classe de Filosofia.

É sim o sinal de uma persistente corrente de opinião, religiosamente motivada que, derrotada no Supremo Tribunal, encontrou na caracterizção da do conceito da criação como um acto de "intelligent design", o subterfúgio para o fundamentalismo religioso que a move. É a mesma corrente que substitui as orações no início da actividade escolar por um momento de "silêncio e reflecção" e que conduz energicamente uma agenda socio-comportamental que, se implementada, transformaria os US, provavelmente, de forma irremediável. Portanto, quando RF escreve - "Não penso que venha grande mal ao mundo por isso. Uma vantagem da controvérsia pode e está, aliás, a promover o avanço da confirmação da teoria da evolução natural" - está a evidenciar uma grande dose de ingenuidade ou cinismo.

A discussão sobre o criacionismo ou "intelligent design" não deve ter lugar nas classes de Science, onde o método científico e a experimentação são ensinados. E, enquanto princípio, (não como hipótese), religiosamente motivado, não deve ter lugar na escola pública. Esta opinião é quase unânime na comunidade científica e merece largo concenso na sociedade americana. E se o exemplo recente do Kansas mereceu referência no jornal Público, é pena que idêntica nota não tenha merecido a cidade de Dover na Pensilvânia que, em eleição na passada terça feira, votou democraticamente fora do School Board todos os representantes que advogavam a introdução do coceito no curricula do respectivo distrito escolar.

Para os interessados na discussão, sugiro um salto ao programa "This Week", com George Stephanopoulos, transmitido esta manhã (o atalho para o programa de hoje deve estar disponível amanhã), onde a questão foi debatida com Sam Donaldson, Cokie Roberts e George Will.

(Arnaldo J Costeira, AJC, Houston, Texas)
 


A HORA PIMBA

Um dos efeitos disto... é acabar nisto, nestas maravilhas clássicas. Ler alguns blogues portugueses também tem o mesmo efeito e não é tão divertido.



Dois clássicos. O de Jorge Martins tem um hino magnífico para o Bloco de Esquerda, os "Pobres e os Ricos". O de Quim Gouveia é pré-gripe das aves, mas tudo se esquece ao ouvir o "Viagra p'ra Mulher".



O dueto Irene Passsos / Nelo Junqueira, acompanhado à concertina por Quim Gonçalves, ainda não me convenceu a ouvir o disco "Quadras Picantes", pelo que fica só a capa para a amostra. Quanto ao "Mãe Querida 2" estamos perante um verdadeiro Diamante do Amor, como se diria no século XVIII, neste caso materno-infantil. Há a Ágata, a "sobrinha da D. Ágata", a Romana, a Ruth Marlene e o José Malhoa, e nenhuma mãe sai indiferente deste disco. E nenhum filho/a, presumo. Depois não se admirem se as criancinhas se divertem a queimar carros.

 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(13 de Novembro)



Todo o mundo cá dentro. Sinal dos semáforos de Hong Kong, para quem tem saudades. O pequeno almoço dos Googlers. Conversas de rua em Nova Iorque:

Hispanic man #1: Fucking wind. It's fucking cold up here, Holmes.
Hispanic man #2: People complain about New York too much, man. Remember how we had them killer bees...
(--120th between 1st & Pleasant Overheard by: Patrick Stegall)

Ah! e ainda há isto...

 


APRENDENDO COM DOSTOIEVSKY:
"DÁ-LHES PÃO SE QUERES QUE ELES SEJAM VIRTUOSOS"




"O sentido, se não o texto da primeira pergunta [das tentações do deserto], é o seguinte:

- «Queres apresentar-te ao mundo com as mãos vazias, anunciando aos homens uma liberdade, que a sua loucura e a sua maldade naturais não lhes permite compreender; uma liberdade espantosa - pois que, para o homem e para a sociedade, nunca houve nada tão espantoso como a liberdade - quando, afinal, se convertesses em pão todas estas pedras nuas, espalhadas à tua volta, verias a Humanidade correr atrás de ti, como um rebanho, agradecida, submissa, receosa apenas de que a tua mão suspendesse o gesto taumaturgo e os pães se tornassem a volver em pedras.»

Mas tu não quiseste privar o homem da liberdade e repeliste a tentação; horrorizava-te a ideia de comprar com pão a obediência da Humanidade, e respondeste que «nem só de pão vive o homem», sem saber que o espírito da terra, exigindo o pão da terra, havia de levantar-se contra ti, combater-te e vencer-te, e que todos haveriam de segui-lo, gritando «Deus deu-nos o fogo celeste!» Os séculos passarão e a Humanidade proclamará, pela boca dos seus sábios, que não há crime e que, por conseguinte, não há pecado: o que há é apenas famintos: «Dá-lhes pão se queres que sejam virtuosos.»

Será esta a divisa dos que se levantarão contra ti, esse será o lema que inscreverão nas suas bandeiras; e o teu templo será destruído, e em seu lugar erigir-se-á uma nova Torre de Babel, que não será mais firme do que a primeira; quando, afinal, poderias ter poupado ao homem o esforço da sua construção e mil anos de sofrimento.

Depois, ao cabo de mil anos de trabalho e dor, voltarão para nós, buscar-nos-ão nos subterrâneos, nas catacumbas, onde nos havíamos escondido - fugindo ainda às perseguições, ao martírio, - e hão-de gritar-nos: «Pão! Aqueles que nos haviam prometido o fogo do céu não no-lo deram!» E nós, então, acabaremos a sua Babel, dando-lhes a única coisa de que terão necessidade. E fá-lo-emos em teu nome.
"

[Fala do Grande Inquisidor a Cristo, depois de o reconhecer e mandar prender, durante uma sua visita à Humanidade em Contos de Tostoi, Dostoievski, Gogol, Surguchov, Tasin, Korolenko e Garin, Lisboa, Ulmeiro, 2000, por gentileza de S.]
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
FÉ OU CULTURA? OU FÉ E CULTURA? OU OUTRA COISA?



O Peixe da Eucaristia nas Catacumbas de S. Calisto

Hoje, com os acontecimentos recentes em França, com a procissão em Lisboa que ontem encheu avenidas, uma ideia não me tem saído da cabeça. Quando era mais nova e andava em grupos de jovens católicos lembro-me de, um dia, um padre com algum zelo missionário dizer que a religião, (neste caso o cristianismo católico) era uma questão de fé e não uma questão cultural. Claro que esta frase deve ter sido dita num contexto específico, mas mesmo assim ela nunca me deixou confortável e nunca consegui concordar com ela. Se é inegável que a religião é uma questão individual de fé, ou de não fé, ela acaba por extravasar claramente esse domínio íntimo da forma como cada indivíduo vive a sua fé para se afirmar como uma forma de cultura e uma base civilizacional inescapável. Foi assim ao longo dos séculos e assim continuará a ser.

Talvez a nossa especificidade europeia actual seja a tentativa de esquecimento e negação dessa base cultural e civilizacional que nos é dada pela religião, através de conceitos modernos, alguns saídos daquele acontecimento único que mudou a Europa e cuja história completa e isenta ainda está por fazer, que é a Revolução Francesa, tipo liberdade, igualdade, laicismo e de outros conceitos mais actuais saídos do boom pós guerra, da descolonização, da guerra do Vietname e marginalmente do espírito Maio de 68, tipo liberdade de expressão, minorias, autodeterminação dos povos, perdão de dívida, multiculturalismo. Não quero questionar o valor ou não de tais conceitos, quero somente frisar o aspecto de que a sua valorização permitiu o esquecimento e a desvalorização de outros que sustentaram a nossa Europa durante séculos. Como diz JPP no Público desta semana: "uma Europa em cujo espelho a antiga Europa greco-latina e judaico-cristã, a única que há, não se reconhece", e "o modo como se está a ser complacente com os tumultos franceses mostra que onde devíamos ter orgulho passamos a ter vergonha, e passamos a ter culpa".

As avenidas de Lisboa cheias de pessoas que participaram activamente ou que meramente assistiram à Procissão em Lisboa, mostra talvez que, afinal a religião não é só uma questão do foro íntimo da fé: é também talvez e ainda, apesar de tudo, uma forma de cultura. Nossa muito nossa. E o catolicismo do Sul, porque mais fadado para manifestações exteriores do que o protestantismo do Norte, de vez em quando ainda nos surpreende pela sua imensa força.

É difícil não querer ver o que realmente está em causa, muito para além da "sociologia" e do "estado social", nos tumultos em França.

(J.)
*

O que eu vi, na procissão de ontem, (e vi pouco, e vi pela televisão), para além da multidão que não me impressiona, foram pessoas (mulheres) do povo, com mais de sessenta anos a chorar e a suplicar: Ajuda o meu filho! Dá-me saúde nas pernas! Faz-me ver, dá-me a vista! Não estou a ridicularizar nem a diminuir, nem a generalizar, não eram milhares de pessoas nesta atitude. Mas foram as que a televisão me mostrou.

Fé? Cultura? Fé e cultura? Outros mais habilitados do que eu para essa complexa discussão podem tê-la (e têm-na). No entanto, e era isso que vinha dizer, tem mais a ver com civilização do que com cultura propriamente dita. Mas o que não há dúvida nenhuma é que as religiões estão na matriz das civilizações e isso é que, paradoxalmente, é um dos principais catalizadores de conflitos (e nem estou a falar de conflitos actuais).

(RM)
 


COISAS COMPLICADAS


Edward Hopper, The Lonely House
 


EARLY MORNING BLOGS 643

Soneto Fiel

Vocábulos de sílica, aspereza,
chuva nas dunas, tojos, animais
caçados entre névoas matinais,
a beleza que têm se é beleza.

O trabalho da plaina portuguesa,
as ondas de madeira artesanais
deixando o seu fulgor nos areais,
a solidão coalhada sobre a mesa.

As sílabas de cedro, de papel,
a espuma vegetal, o selo de água,
caindo-me nas mãos desde o início.

O abat-jour,o seu luar fiel,
insinuando sem amor nem mágoa
a noite que cercou o meu ofício.

(Carlos de Oliveira)

*

Bom dia!

12.11.05
 


UM PORTUGAL QUE NÃO SE VÊ TODOS OS DIAS 3

Fora de Fátima, claro. Mas Fátima é um ecossistema.
 


UM PORTUGAL QUE NÃO SE VÊ TODOS OS DIAS 2

Um Portugal “orgânico” que responde a velhas palavras. Uma voz que enumera nomes antigos:

Rainha dos Patriarcas
Rainha dos Confessores
Rainha do Santíssimo Rosário
Rainha da Paz
Mãe do Céu

Falando para que mundo? Patriarcas? Confessores? Rosário?

Uma cruz de néon, um Cristo que parece bizantino, escuteiros, muitas crianças, milhares de pessoas por detrás de uma estátua de uma mulher jovem e bela, com um manto branco, de mãos postas. Dois mil anos de cultura europeia, mas nem por isso menos estranho. Realmente estranho. Já não temos um espelho fácil para nos vermos.

*

Falando para que mundo? Patriarcas? Confessores? Rosário?

E acredite (...) era tudo tão simples. Desconfio que não encontra ninuém que lhe explique as lágrimas na intimidade daqueles momentos.

Consoladora dos aflitos,
Auxílio dos cristãos

(Isabel G.)
*

Não percebi o seu post sobre a procissão ontem em Lisboa. Estranho? Porquê? O que eu vi ontem foi uma manifestação feita por um conjunto enorme de pessoas que têm, pelo menos, uma coisa em comum: a devoção por Nossa Senhora. Como ouvi várias vezes ontem, «o “Tuga” tem destas coisas». E é verdade. Haja coragem para reconhecer que muito poucas coisas para além da Igreja Católica movimentam tanta gente.

Não é estranho. É bonito. E ao mesmo tempo comovente.

(Rui Esperança)

*
Agustina Bessa Luís num do seus últimos romances, numa daquelas frases perturbadoras que nos fazem parar a leitura, dizia que o sec. XXI vai ser o século do misticismo. Há vinte anos tínhamos todas as certezas e agora não temos nenhuma.
Será isso?

A minha Mãe há uns tempos disse-me: quando tu eras pequeno, quando a vida era mais doce... Não estaremos todos tomados por uma amargura procurando, por uma via ou outra, o remédio que a adoce? O Mundo perdeu o Espírito? Ou será apenas ausência de Reflexão numa Sociedade em que nos querem dar tudo pronto?

(Miguel Geraldes Cardoso)
 


UM PORTUGAL QUE NÃO SE VÊ TODOS OS DIAS

atravessa neste momento Lisboa.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A JOANA TEVE APENAS AZAR

E se Cristo morresse hoje? Será que a TV o entrevistava em directo?
Talvez, se fosse em horário nobre.
O jogo das emoções é o mesmo.
A morte da Joana tem mais interesse televisivo do que a sua vida.Stop.
A morte da Joana é apenas um mero episódio da vida dela.
A morte da Joana era um facto pré-anunciado.
E ninguém reagiu, nem tribunais, nem Institutos daqui e de acolá.
A nossa distância ao Burkina Faso é uma mera questão televisiva.
Todos os anos cerca de 17 000 crianças ficam orfãs de pai.Ou porque o pai não quer ou por decisão dos tribunais que empurram estas crianças para a orfandade.Legal, racional, sem espinhas para a sociedade. Mandatos de captura em branco.Perdem a herança do pai e de tudo o que está a jusante e a montante do mesmo.
Quem nos protege dos nossos protectores?
A vida da Joana é muito mais televisiva.
A Joana teve apenas azar

(Fernando Sequeira)
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 22
 


INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO com a publicação da nota introdutória do III Volume da minha biografia política de Cunhal.

Actualizadas as notas O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIA DO ARMISTÍCIO e O RETORNO DA VIOLÊNCIA POLÍTICA DISFARÇADA DE "REVOLTA SOCIAL".
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A FORTALEZA EUROPA

Quais são os Continentes que rodeiam a Europa? Pergunta de fácil resposta, logo aqui ao pé está Africa e depois da Europa de Leste fica a Ásia e a Pérsia… Os Europeus fundamentalmente desde o Sec. 15 que não tiveram pejo em sair dos seus respectivos países e confortavelmente (na maioria dos casos) instalarem-se nos países de outros continentes à época menos desenvolvidos.

Mais de quinhentos anos volvidos, algumas antigas ex-colónias são hoje verdadeiras potencias em franco desenvolvimento (Índia, Africa do Sul, Brasil, Tailândia), no entanto, a grande maioria dos países Africanos e alguns do Leste Europeu ainda se encontram em verdadeiro estado de subdesenvolvimento e precariedade social. É esta diferença de desenvolvimento e de condições de vida que leva a que milhares de pessoas oriundas do Magrebe, da Africa Central e do Médio Oriente a tentem agora a sua sorte na Europa. A questão que se levanta é: Apesar de, conscientemente, sabermos que esses povos nos receberam à mais de quinhentos anos e que de lá trouxemos fortunas e riquezas, pode a Europa receber hoje tanta gente oriunda desses (e de outros) locais?

A França, país de sólidos princípios de igualdade e fraternidade recebeu-os aos milhares mas também, Alemanha, Espanha e até Portugal constam da rota da imigração, agora a Europa social está em crise… não há emprego para ninguém, no entanto a situação dos não Europeus é mais grave ainda, pois não se encontram ainda instalados nem têm as condições mínimas de conforto. A Utopia tem um preço, nem a Europa é um inesgotável Éden, nem é uma inexpugnável fortaleza, algures no meio andará a verdade das coisas. Quanto mais realistas formos e quanto mais nos aproximarmos da verdade dos factos, melhor poderemos compreender o que motiva a prática destes actos desesperados e talvez até inconsequentes, para já, tal como já sucedeu no “Projecto para uma Constituição Europeia”, há que parar para reflectir.

(Pedro Betâmio de Almeida)
 


COISAS SIMPLES


Alex Katz, Grey light
 


EARLY MORNING BLOGS 642

Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

(Mário Cesariny)

*

Bom dia!

11.11.05
 


DAQUI A DIAS


estará cá fora.
 


O POÇO

Construir um poço é um trabalho hegeliano, cheio de futuro, feito pela dialéctica, teleológico. Depois, trabalha a negação da negação, ou seja, o tempo. O poço é muito antigo, enorme, profundo, escavado directamente na rocha calcária, mais um abismo do que um poço se não fosse o seu formato de círculo perfeito. Que campos regaria? Não sei, desapareceram cercados por casas, por ruas. Em 1945, com as esperanças do pós-guerra, foi-lhe feita um cobertura de cimento armado, rudimentar, cobrindo o seu enorme arco e deixando sobre a terra uma pequena abertura, um poço que parecia um tanque de lavar, com um guincho para tirar água.

Com o tempo, a negação de novo, a cobertura foi sendo tapada por terra e ninguém sabia da dimensão do poço, a não ser pelo humilde tanque. Raízes estriaram as paredes procurando sempre cada vez mais fundo a água. O poço deixou de ser preciso, os ferros enferrujaram, o balde substituído por um regador que se desfez nas suas partes de ferro. Terra, ervas, silvas taparam quase tudo. Um dia, metade foi abaixo fazendo o abismo comunicar com as partes superiores do mundo. A ordem quebrou-se.

Para a repor tentou-se evitar que o que sobrava, uma laje ferida, perigosa, caísse para dentro. Impossível. A máquina azul que veio ficou com um dilema: ou se agarrava aos fragmentos superiores e corria o risco de mergulhar atrás deles, se o seu peso fosse o bastante para levar tudo atrás, ou tentava parti-los de forma ordenada. O poço mandou mais e à mais pequena tentativa caiu tudo dentro. A máquina não chegou a prender-se, felizmente, bastou tocar nas velhas paredes e foi tudo por ali abaixo. A terra tem este modo peculiar de nos engolir.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: FICÇÃO DE MÁ QUALIDADE


"
Depuis 0 heure, mercredi 9 novembre, l'état d'urgence s'applique donc en France" - Le Monde.


"
Manuais escolares do estado do Kansas vão poder por em causa a teoria da evolução" - Público.

Há uns anos atrás, não teria acreditado, se me tivessem dito que estas seriam notícias de 10 de Novembro de 2005. Teria pensado em ficção de má qualidade, em devaneios irrealistas sobre a decadência ocidental, em cenários desviantes, marginais, em baterias mal apontadas...

(Artur Furtado)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIA DO ARMISTÍCIO



Hoje é dia 11 de Novembro. Um pouco por toda a Europa e em vários países do resto do mundo celebra-se o Dia do Armistício. Celebra-se o fim da Grande Guerra e homenageia-se os que nela morreram. Tanto quanto sei, em Portugal não se fala sequer disso. E, no entanto, também nós lá estivemos. Também morreram portugueses nos campos da Flandres. E ninguém sequer lembra o que este dia representa. Apesar de novo, já me habituei a este tipo de coisas em Portugal. Gostava era de saber porque é que é assim.

Lembro-me de ouvir a minha avó dizer, quando se falava na Grande Guerra, que o seu pai tinha estado "na França" nessa altura. Não sei se o meu bisavó esteve ou não a combater na França, e a memória da minha avó (já falecida) não permitia tirar conclusões definitivas. Será que em Portugal se pode obter os nomes dos que foram enviados para combater? Essa informação existe de todo?

Acho triste não se falar deste dia em Portugal. Sei que no Reino Unido é um dia de grande significado. Basta sintonizar a BBC e ver os apresentadores com as papoilas vermelhas da Flandres ao peito. Acho que numa altura em que a Europa enfrenta crises de maturidade é apropriado que se lembre a guerra que acabou com a sua inocência.

(Jorge Pereira)

Uma vez que "lançou" o meu e-mail (...) talvez não sem importe de colocar este poema como forma de lembrar os mortos da Grande Guerra, incluindo os nossos. Trata-se do poema "In Flanders fields" do médico canadiano John McCrae, que morreu em França.

In Flanders fields the poppies blow
Between the crosses, row on row,
That mark our place; and in the sky
The larks, still bravely singing, fly,
Scarce heard amid the guns below.
We are the Dead. Short days ago
We lived, felt dawn, saw sunset glow,
Loved, and were loved, and now we lie,

In Flanders fields.
Take up our quarrel with the foe:
To you from failing hands we throw
The torch; be yours to hold it high.
If ye break faith with us who die
We shall not sleep, though poppies grow
In Flanders fields.


*

A msg de Jorge Pereira (DIA DO ARMISTÍCIO), sugere-me uma outra observação sobre a memória colectiva. Que, no caso, até se reporta bastante à sua área de investigação (e de vivência...), e bem demonstra o apagamento presente de um passado que naturalmente nos conformou e cuja relevãncia não soubemos, afinal, reter:
Por alturas do PREC, numa vila do Alentejo Litoral, falando com gente operária/artesã (sapateiros, carpinteiros, gentes assim) de geração anterior (que então teria 45/70 anos, para os meus 20), era comum dizerem-me terem lido Vitor Hugo, Zola, Kropotkin, tudo amalgamado numa literatura/pedagogia revolucionária que teria sido usual (?) no seu meio social e profissional e na sua juventude, isto é, lá para os anos de 30/40/50. Mas acrescentavam mais: que essa literatura vinha desde os tempos de outra geração - a que imediatamente os antecedera, ou seja, a que fora coetânea da Grande Guerra e da Revolução Russa.

Daí, dava-se o caso, pelo que me transmitiam, que aquelas leituras e influências tinham vindo de França trazidas pelos soldados portugueses expedicionários.
E mais, ocorreria uma junção «sócio-cultural» entre a influência daqueles soldados e das suas experiências «franco-socialistas» e a influência que, pela altura, exercia a Revolução Russa, de tudo resultando uma geração operária (ou, talvez melhor, dos artesãos locais) que, no meio local, na Vila, veio a ficar conhecida como a d' «os camaradinhas», gente que ainda em 1974 era conhecida de toda a sociedade local, a qual teria desempenhado com algum vigor oposição ao Estado Novo e era o contraponto, no mundo do trabalho, aos homens «da Legião».
Como é bom de ver (e aqui volto à msg «DIA DO ARMISTÍCIO»), a transmissão da memória - que a historieta que relato demonstra que se manteve naturalmnete até, pelo menos, aos anos 70, até às transformações sociais que vivemos nas nossas vidas - deixou de se efectuar. Com que custos e perdas de valores sociais?

(António Marques)
*
Diz o leitor Jorge Pereira, e com razão, que em Portugal ninguém se lembra de comemorar o armistício da Grande Guerra. E dos mortos na Flandres.

E eu acrescentaria: e poucos sabem que em África, em Moçambique e em Angola, onde os portugueses defrontaram os alemães do Tanganica e da Namíbia (então colónias deles), morreram tantos portugeses (2500, sem contar os “indígenas”) como em França (2400)! De facto, proporcionalmente à população nacional das épocas, morreram quase tantos portugueses então, nessa intervenção militar de 2,5 anos que visava garantir o direito português ao seu quinhão colonial, como na própria Guerra colonial (8300, incluindo os “indígenas”?)!

(Pinto de Sá)
*
Ja' que os mortos aliados da Grande Guerra se estão a manifestar no seu blogue, sugiro que conceda algumas linhas ao Wilfred Owen, morto uma semana antes do Armisticio.

THE NEXT WAR

War's a joke for me and you,
While we know such dreams are true.
SIEGFRIED SASSOON

Out there, we've walked quite friendly up to Death;
Sat down and eaten with him, cool and bland, -
Pardoned his spilling mess-tins in our hand.
We've sniffed the green thick odour of his breath, - Our eyes wept, but our courage didn't writhe.
He's spat at us with bullets and he's coughed
Shrapnel. We chorused when he sang aloft; We whistled while he shaved us with his scythe.

Oh, Death was never enemy of ours!
We laughed at him, we leagued with him, old chum.
No soldier's paid to kick against his powers.
We laughed, knowing that better men would come, And greater wars; when each proud fighter brags He wars on Death - for lives; not men - for flags.

Muito melhor ainda do que as evocações de poetas mortos, seria a comemoração da inteligência que resta. A minha recomendação seria a leitura do clássico Témoins, essai d'analyse et de critique des souvenirs de combattants édités en français de 1915 à 1918 de Jean Norton Cru, publicado pela primeira vez em 1929. Melhor exposição da grande mentira (Dulce et decorum est pro patria mori) de que falava o Owen, bem como das legiões de pequenos mentirosos, não conheço.

(A.S.M.)
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: SATURNIANO TRIO


Dione, Tetis e Pandora dançando no vazio, no silêncio, no frio.
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(11 de Novembro)



Nunca, jamais , em tempo algum, vão a este sítio . Depois queixem-se. O Rocketboom foi lá e viu-se o resultado.

*

Rocketboom vai longe, vai, vai.

*

Na blogosfera um dos objectivos de Mário Soares foi conseguido: a discussão está bipolarizada entre Soares e Cavaco. Alegre, Louçã e Jerónimo não existem no debate, o que é significativo e premonitório.

*

A maioria dos jornalistas não consegue falar dos blogues a não ser de uma forma defensiva e reservada. A maioria dos defeitos que lhes assacam, já sabemos que não existe nos jornais... Mas uma coisa eu tenho nos blogues que não encontro nos jornais, e, quando encontro, não encontro melhor do que nos blogues - informações, comentários e transcrições sobre eventos, debates, conferências, colóquios que alargam o espaço público de informação. Disse informação, não opinião. Também há muita inforopinião, como quase tudo nos jornais, com a vantagem de se perceber o que é e não estar disfarçada de notícia. Posso seguir, por exemplo, o debate de ontem sobre blogues na Almedina a partir da Engrenagem, do Indústrias Culturais, e haverá hoje certamente mais.

*

Pergunta que precisa de ser respondida: "Isto é para os blogues ou para a confusão?", no ContraFactos & Argumentos. Só faltava mais esta, uma entidade reguladora para os blogues, com uma composição política (tenho aliás sobre esta Entidade as mesmas enormes reservas que tive sobre a Alta-Autoridade). A única regulação que os blogues precisam é a da lei comum, adaptada minimalisticamente sempre que for necessário às características do meio.

*

Sobre a RTP Memória, de um leitor :
Uma das ‘rubricas’ deste canal é uma sequência de excertos de telejornais de datas várias, interessante, aliás, justapondo reportagens políticas, culturais, desportivas, de importância diversa. Há no entanto uma diferença na forma de apresentação, entre as imagens de antes e depois de 25 de Abril de 1974.

As do ‘depois’, são integralmente apresentadas. As do ‘antes’, sem o som original. De início, desatento, não reparei, até reconhecer uma melodia, sempre a mesma. Os telejornais do ‘antes’ estão narcotizados numa longínqua música ‘ambiente’, algo nostálgica, que não destoa da data das imagens. Por gostar da ‘pequena história’, seria delicioso saber do meandro desta decisão editorial. Mas já basta a ironia da coisa.

(Luís Abel Ferreira)
 


EARLY MORNING BLOGS 641

Escolha

Entre vento e navalha escolho o vento
entre verde e vermelho aquele azul
que até na morte servirá de espelho
ao vento que por dentro me deslumbra

Entre ventre e cipreste escolho o Sol
Entre as mãos que se dão a que se oculta
Entre o que nunca soube o que já sobra
Entre a relva um milímetro de bruma.

(David Mourão Ferreira)

*

Bom dia!

10.11.05
 


O RETORNO DA VIOLÊNCIA POLÍTICA DISFARÇADA DE "REVOLTA SOCIAL"



(No Público de hoje)


Se se pensa que está consolidada nas democracias a condenação da violência como instrumento político, pensa-se mal. Desde que os movimentos radicais da extrema-esquerda e extrema-direita, que defendiam a violência "revolucionária", perderam influência e se desintegraram nos anos 80, com o fim do surto terrorista que das Brigadas Vermelhas italianas, às FP portuguesas, atravessou toda a Europa, que parecia haver um consenso político de intransigência quanto ao uso da violência nos sistemas democráticos. O caso da ETA e do IRA eram excepções que confirmavam a regra de que em democracia a violência estava de todo excluída.

Mas desenganemo-nos. Bastou surgir uma nova violência, com novos actores e novas causas, ocupando, mesmo que ilusoriamente, o local e a memória dessa violência radical do passado, para se verificar que importantes sectores políticos da nossa sociedade democrática mostram uma enorme complacência com a sua utilização como instrumento político. Nos sectores tradicionalmente da "esquerda", e numa "direita" complexada e temerosa, volta de novo a haver um caldo cultural para que a violência política surja como aceitável, como "justificada".

O mecanismo fundamental de aceitação da violência nos nossos dias é uma espécie de sociologia de pacotilha, mais herdeira do marxismo do que parece, que explica a "revolta dos jovens" (bem-aventurado eufemismo) pelas condições sociais da sua vida. É uma "explicação" que tem muito de voluntarismo político e pouco de ciência, embora, como também acontecia com o marxismo no passado, pretenda fornecer uma inevitabilidade causal. Antes, os proletários deveriam fazer a revolução violenta porque eram explorados e a sua "mais-valia" apropriada pelos capitalistas, agora os jovens revoltam-se porque não têm "esperança no futuro" e são marginalizados. Em ambos os casos há sempre uma explicação social útil, que ilude o adquirido político do pensamento democrático, dissolvendo-o nas mesmas perigosas ideias sobre a "justificação" da violência pela causalidade social.

De novo, aqui se está num terreno de dupla ilusão: nem a "revolta" é tão "social" como parece, e inclui dimensões criminais, de vandalismo juvenil, de "mentalidade", que não são redutíveis à economia, como são deliberadamente minimizadas as motivações de ordem cultural, religiosa e civilizacional, bastante mais importantes do que parecem. É evidente que há factores "sociais" que explicam o que se passa, mas não é por aqui que se vai longe. Há desemprego, guetização, marginalidade, exclusão e racismo, mas há também outras causas de que se evita falar, tão "sociais" como as anteriores, como seja o efeito em populações deprimidas da intensa subsidiação do providencialismo do Estado, gerando expectativas artificiais e um direito permanente de reivindicação, cada vez mais incomportável numa Europa em declínio, da recusa do trabalho por uma "vida de rua" sem controlo, nem "patrão", de discriminações sexuais de origem cultural e religiosa que têm a ver com a ideia patrimonial da mulher muçulmana pelos homens da sua família. O urbanismo dos HLM é culpabilizado, mas cada uma das cités que agora se inflama - e pouco sabemos, porque ninguém nos quer dizer, se é significativo o número de "jovens" envolvido - é um verdadeiro paraíso comparado com os bidonvilles onde os emigrantes portugueses viveram.

Que a explicação "social" circulante é um passe-partout simplista, torna-se evidente quanto ela se centra na condenação da acção policial, na recusa da criminalização dos actos de destruição e violência, na ênfase na culpabilização do Estado, do Governo e dos políticos, na sucessão até ao infinito das desculpas para o que acontece, como se fosse inevitável que acontecesse. Abra-se um jornal, ouça-se uma rádio ou uma televisão, assista-se a um debate e é desculpa sobre desculpa, tudo isto culminando com a conclusão que os "jovens" têm razão em "revoltar-se". Ora isto tem mais a ver com a política do que com a sociologia.

É por isso que nenhuma desta mecânica explicativa se usaria se os tumultos tivessem origem em grupos racistas da extrema-direita, ou de grupos neonazis. Aí, o que se ouviria de imediato era o apelo à repressão, a criminalização ideológica, a exigência de acções punitivas drásticas. Ora, tanto quanto eu saiba, a proliferação de grupos neonazis, na Alemanha de leste, por exemplo, também traduz a mesma "falta de esperança" de uma juventude que tem elevadas taxas de desemprego. Só que aí ninguém avança ou aceita explicações "sociais", e ai de quem minimizasse qualquer violência desses "jovens" que nunca teriam direito a este tratamento tão simpático, mesmo quando também são jovens...

Outra variante da desculpa "social" para a violência é o factor identitário, a crise da segunda geração entre dois mundos culturais muito diferentes. Só que também muito voto para Le Pen e muito da violência racista alemã traduz igualmente a crise de identidade dos nacionais, quase sempre mais velhos e encurralados, face a um mundo que lhes parece estrangeiro, agressivo e hostil.

O que está em jogo não é o pastiche sociológico carregado de culpa que nos querem vender, num daqueles sobressaltos de unanimismo explicativo, a que estamos a assistir cada vez mais desde a guerra do Iraque, feito de pouco pluralismo, simplismos brutais e ideologia dominante do politicamente correcto. O que está em jogo é o primado do Estado de direito - contam-se pelos dedos de uma mão as pessoas que tiveram a coragem de falar das leis - e, com ele, as nossas liberdades e direitos adquiridos. Sim, são as nossas liberdades e a nossa democracia que ardem nos arredores das cidades francesas, não é Sarkozy, que, se fosse demitido, seria o melhor atestado da fragilidade do Estado francês e a receita para muitos mais tumultos em que ninguém teria mão. A oposição socialista em França e a cizânia dentro da maioria andam aqui a brincar com o fogo.

A minha geração namorou o suficiente com a violência política para a conhecer bem. Tinha as melhores das razões para esse namoro, havia um Estado ditatorial que conduzia uma guerra iníqua. Mas, como muitas vezes acontece, há uma mistura entre as melhores das razões e as piores das ideias, e há que reconhecer que o impulso terrorista que levou aos crimes das Brigadas Vermelhas também existia por cá. Se o 25 de Abril não se tivesse dado em 1974, vários grupos da extrema-esquerda portuguesa teriam caminhado para o terrorismo político que se prolongaria mesmo em democracia. Felizmente, a alegria e a força da liberdade reconquistada varreu tudo e todos e essa mesma geração tornou-se um pilar da democracia portuguesa, a que trouxe outras experiências de vida e luta.

Por isso, podemos perceber bem o que se está a passar na Europa. Os "jovens" são de facto os filhos dos imigrantes, cuja demografia salva e condena a Europa ao mesmo tempo, salva-a da extinção demográfica e condena-a a ser uma Europa em cujo espelho a antiga Europa greco-latina e judaico-cristã, a única que há, não se reconhece. Este dilema não está apenas a fazer arder os carros, está também a incendiar a democracia política com ideias que lhe são alheias e hostis.

Este dilema só pode ser superado com intransigência na defesa da lei e do direito e na proclamação, sem dúvidas, de que não é legítima em qualquer circunstância, insisto, em qualquer circunstância, o uso da violência para obter objectivos políticos quando se vive em liberdade. Este é um adquirido de muitos anos de luta, que custou muito sacrifício e muito sangue, mas é das coisas em que a Europa deve ter orgulho e não culpa. O modo como se está a ser complacente com os tumultos franceses mostra que onde devíamos ter orgulho passamos a ter vergonha, e passamos a ter culpa.

Estamos velhos e com medo, este é o estado da Europa.

*
Pensar sobre os acontecimentos em França requer desde logo a enunciação clara de uma prevenção: enveredar pelo discurso exprobatório e fazer comparações temerárias sobre a violência urbana não é prudente e indicia a useira e vezeira a preguiça do pensamento (o menosprezo apriorístico das interpretações da "pseudo-sociologia" não é atitude avisada, embora seja uma atitude que, entre nós, tenha um longuíssimo passado mas uma curtíssima história.). Recusar a explicação ou, melhor, recusar alguns conceitos que, tentativa e lacunarmente, concedem inteligibilidade aos acontecimentos é inaceitável do ponto de vista racional e é uma recusa risível do pensamento crítico (o que nos faz, também, recordar algumas reacções ao 11 de Setembro).

Em estupor, muitos descobrem agora que a Vieille France já não existe e apressam-se a apresentar agora uma versão Mad Max dos acontecimentos - distópica e apocalíptica. Outros, culpam o Welfare State e, perante o sofrimento social pandémico, pregam a self help e o fim do garantismo social do estado, visto como bloqueio inercial ao desenvolvimento económico. A "mão esquerda do estado" - , os "trabalhadores sociais" dos ministérios ditos despesistas (professores, polícias, assistentes sociais, médicos de família) - sabiam que o sofrimento social era pungente e a explosão social eminente, enquanto a "mão direita" - responsáveis do ministérios da economia e finanças, da banca ( a "alta nobreza de estado") - prosseguia a política consabida de estrito autismo e equilibrismo financeiro .

O recalcamento do sofrimento social retorna sempre. Não raras vezes, de forma conflitual e agónica. Recusar pensar este sofrimento é remetê-lo à invisibilidade, suplantando-o com o fulgor mediático das suas terríveis consequências.
Quem tem medo da sociologia?

(D.)
*
Sobre um post no Abrupto, de 7.11.05, gostaria de perguntar o seguinte:

- Quanto é que essa "enorme rede de subsídios e financiamentos estatais"
pesa realmente no orçamento de estado francês?

- Quanto é que "a enorme quantidade de pessoas que trabalha nestes programas, associações, ONGs" pesa no mesmo orçamento?

- Do conjunto de subsídios atribuídos na França, qual é a percentagem entregue às empresas e qual é a percentagem entregue a pessoas ou projectos sociais? (e, já agora, o mesmo para os EUA, porque ouvi lá dizer que os custos das ajudas a pessoas necessitadas é uma parte ínfima das ajudas estatais para as empresas)

Não escondo que este post me chocou pelo modo como desprestigia o sistema social europeu, que considero fundamental. Vivi alguns anos nos EUA, e vi algo completamente diferente desse "modo americano que vive acima de tudo do dinamismo da sociedade que lhes dá oportunidades de emprego e ascensão social". Vi um quadro de leis laborais tão incipiente (ou desconhecido?) que permitia fenómenos próximos da escravatura; imigrantes ilegais a viver em caves insalubres; acesso a um ensino com um mínimo de qualidade apenas para quem tem os meios para o pagar; escolas públicas com detectores de metais à porta; uma enorme mobilidade social para baixo (no espaço de semanas pode-se passar de classe média para homeless).

Também achei interessante o comentário sobre a fuga de cérebros. O estado social europeu garante ensino praticamente gratuito e até dá bolsas de estudo para os melhores irem para o estrangeiro aprender mais. Vi como isso se passa nos EUA: o pessoal chega, trabalha vários anos sem grandes custos para o laboratório que os recebe, e no fim o laboratório oferece propostas irrecusáveis aos que considera realmente bons. O "descontentamento destes cérebros em relação ao funcionamento da sociedade e ao sistema de impostos" é um caso de morder na mão que dá de comer - sem o estado social, a maior parte deles nunca teria tido a possibilidade de passar por uma universidade estrangeira, ou sequer estudar.

(Helena Araújo)
*
(...) a propósito deste seu artigo sobre a violência gostaria de lhe contrapor o seguinte:

Que embora concorde totalmente consigo existem culpados. Tanto à esquerda como à direita nunca lhes incomodou a exploração que foram alvo estes emigrantes. Uns com subsídios adiaram o inevitável os outros não tiveram a coragem para alterar as coisas. Porque se uns dão pão para não serem incomodados os outros não se incomodam e usam a sua supremacia económico-social para esmagar o próximo.

(Carlos Brás)
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: PÓ E LUZ



Nós que nascemos do pó, e voltamos ao pó, respeitamos pouco o pó. Até a palavra, olhando bem para ela, é um pouco ridícula. Em latim é melhor, pulvis como nas campas; em inglês também, dust, powder é bem melhor que pó. Mas olhando estas montanhas de pó a palavrinha pequena ganha outra dimensão. Como em tudo, está no olhar. Há quem veja grande, e há quem sempre veja pequenino, baixinho, rente aos ácaros. Verdade seja que Deus dá por ela de todos.
 


INTENDÊNCIA

Em actualização as notas e bibliografias dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(10 de Novembro)




Cada vez melhor o Rocketboom.

*

Diferenças, recenseamento. No La République des Livres

"Puisque tout s’enseigne, pourquoi n’apprendrait-on pas à écrire des textes, voire des livres ? Pas une université américaine digne de ce nom qui n’ait son workshop of creative writing. Raymond Carver, Philip Roth, Jay MacInerney, John Irving, William Styron, EL Doctorow, Richard Ford, Joyce Carol Oates et d’autres y ont étudié avant d’y enseigner à leur tour. Rien de tel en France où l’idée fait encore hurler. On n'en voit que l'aspect négatif : le risque de standardisation de l'écriture et d'uniformisation du goût littéraire. "

*

No Bicho Carpinteiro um esconjuro de Medeiros Ferreira: "É mesmo o único candidato [Soares] no terreno. Os mais novos devem estar a poupar-se. A ver se aguentam."

No Ritual da Celebração dos Exorcismos vem explicado que "esconjuro" é "uma forma imperativa usada pelo exorcista para que Satanás deixe o possesso."

*


No BoingBoing este SuperChe da família do SuperMario e a pergunta: "This t-shirt mashes up the canonical Che Guevara image with Mario -- sure, Che helped liberate Cuba and Bolivia, but what did he ever do to save Mushroom Princesses?"

*

No Overheard in the Office, uma nova categoria "Friday brain": "Worker: Crap. It's Wednesday afternoon and I already have Friday brain."
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: NAUTICAL SLANG

Quando abro um dicionário para procurar uma palavra acabo sempre por ser levada a muitas outras (ao ponto de às vezes me esquecer o que me levou a abrir o dicionário). No Shorter Oxford English Dictionary - que é, de resto, o meu dicionário favorito, e um modelo exemplar daquilo que um bom dicionário deve ser - encontrei, por mero acaso, a seguinte expressão:

Portuguese parliament Nautical slang a discussion in which many speak at once and few listen; a hubbub.

A fama da Assembleia da República chega longe!

(Madalena Ferreira Åhman)
 


COISAS COMPLICADAS


Edward Ruscha, Etc.
 


EARLY MORNING BLOGS 641

Gato


Que fazes por aqui, ó gato?
Que ambiguidade vens explorar?
Senhor de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pêlo, frio no olhar!

De que obscura força és a morada?
Qual o crime de que foste testemunha?
Que deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?
Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
quem somos nós, teus donos ou teus servos?


(Alexandre O’Neill)

*

Bom dia!

9.11.05
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 21
 


DE REGRESSO

de mais uma corrida, mais uma viagem, mais uns livros, mais uns jornais, mais uns papéis. Como um selvagem caçador-recolector.

7.11.05
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 20
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(7 de Novembro)



Notícias do MyLifeBits um dos mais interessantes projectos de investigação da Microsoft e que um dia chegará a uma "janela" junto de si. O MyLifeBits, sobre o qual já escrevi vários textos, é uma espécie de backup da vida toda. Gordon Bell, o seu principal animador, anda há já vários anos a registar a sua vida em bits. Como se vê pelo gráfico junto, uma vida inteira não ocupa muito espaço num disco duro:




*

Num artigo de hoje do Libération , que se queixa de que o “Estado abandonou os bairros sociais (as “Cités”)”, percebem-se três coisas:

a enorme rede de subsídios e financiamentos estatais típicos do “modelo social europeu”. O artigo cita a crise das acções de alfabetização, financiamentos do Fasild (antigo Fundo de Acção Social), acções de prevenção com adolescentes, programa de empregos-jovem, acções com mulheres, associações subsidiadas (o exemplo é uma intitulada Sable d’Or Mediterranée) que fazem acções de inserção, acolhimento dos recém emigrados, acesso à cultura, teatro de adultos, iniciação ao cinema, vários projectos artísticos e culturais, etc., etc.;

a enorme quantidade de pessoas que trabalha nestes programas, associações, ONGs, que são elas próprias um grupo de pressão para o aumento dos subsídios e o alargamento dos apoios estatais, e que, não é por acaso, aparecem nesta crise como as principais vozes “justificando” a “revolta dos jovens”;

e, por último, o enorme contraste entre o modo europeu de “receber” e integrar os emigrantes envolvendo-os em subsídios e apoios, centrado no estado e no orçamento, hoje naturalmente em crise; e o modo americano que vive acima de tudo do dinamismo da sociedade que lhes dá oportunidades de emprego e ascensão social.

*
A propósito da nota sobre o artigo do "Libération", e do peso do "modelo social europeu" que se sente, gostaria de acrescentar um facto de que pouco se fala: é que a França, tal como Portugal, também atravessa um momento de "fuga de cérebros": jovens com formação académica superior que, descontentes com o tipo de sociedade, emprego, impostos, vão à procura de melhores oportunidades de realização profissional e de criação de riqueza, nomeadamente em Inglaterra, EUA, Canadá, Suissa. Pelos vistos já não são só os jovens de 2ª geração de origem africana e magrebina que andam descontentes: têm é formas diversas de o manifestar.

(J.)
 


AR PURO


James B. Abbott, Winter Dune
 


EARLY MORNING BLOGS 640

A City Winter 5


I plunge deep within this frozen lake
whose mirrored fastnesses fill up my heart,
where tears drift from frivolity to art
all white and slobbering, and by mistake
are the sky. I'm no whale to cruise apart
in fields impassive of my stench, my sake,
my sign to crushing seas that fall like fake
pillars to crash! to sow as wake my heart

and don't be niggardly. The snow drifts low
and yet neglects to cover me, and I
dance just ahead to keep my heart in sight.
How like a queen, to seek with jealous eye
the face that flees you, hidden city, white
swan. There's no art to free me, blinded so


(Frank O'Hara)

*

Bom dia!

6.11.05
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 19
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA 2 (Actualizado) de ontem.
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA
(6 de Novembro)




Sobre os comentadores anónimos e os seus comentários divirtam-se no Rocketboom... (Ou vão lá hoje, ou só no arquivo.)

O Sol brilhando como o milho no chão da eira, no Astronomy Picture of the Day. (Ou vão lá hoje, ou só no arquivo.)
 


AR PURO


Ansel Adams, Sunrise Mt. Tom, Sierra, NV
 


EARLY MORNING BLOGS 639

A vazia sandália de S. Francisco


A gratidão da macieira e a amnésia do gato
nunca pautaram o curso dos meus dias.
“Fiquem onde estão!”,
foi a minha ordem para a macieira e para o gato,
ainda bem exteriores ao meu fraco por eles.

Salvei-os (e salvei-me!) de uma fábula
cuja moral necessariamente devia ser eu, o parlante
amigo de macieiras e conhecido de gatos.

Dá um certo desconforto malbaratar assim amigos
em dois reinos da natureza.
Mas também dá liberdade.

Há uma gente que desponta do outro lado do vale.
Está a correr para cá.
São os meus semelhantes.
Com eles vou desentender-me (mais que certo!),
mas a ideia que deles faço
é ainda um laço.

Repousem em paz as macieiras e os gatos.

(Alexandre O’Neill)

*

Bom dia!

4.11.05
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA 2
(Actualizado)




De novo, o noticiário das 13 horas da RTP1 transformou-se numa versão "noticiosa" de um panfleto do Bloco de esquerda, a propósito dos incidentes de Paris. De novo, é pena que o texto das notícias não esteja disponível em linha, para que todos possam julgar. Já não basta o modo como se tratou o Katrina, nunca rectificando as informações falsas que foram dadas, coisa que todos pediram (e bem) para ser feito com o "arrastão", mas que ninguém exige quanto ao Katrina. Agora é uma "interpretação" do que acontece em Paris inteiramente conducente à justificação da violência. Preto no branco, uma justificação da violência, que nada tem a ver com notícias ou com jornalismo, mas com um digest de pseudo-sociologia politizada e grosseira. Por que razão é que eu tenho como contribuinte que pagar os exercícios de propaganda política de um grupo de senhores jornalistas que são maus profissionais e que nos querem apascentar?

Os que estão sempre a pedir exemplos concretos e que depois nunca os querem discutir, têm aqui um exemplo mais que preciso - noticiário das 13 horas da RTP1. Coloquem-no no papel para lermos com distanciação e vejam lá se o que resulta é jornalismo ou é opinião política disfarçada de notícias.

*

Aqui vai a transcrição da peça do Jornal da Tarde de ontem acerca dos distúrbios de Paris. A gravação vídeo desse programa está integralmente disponível aqui (tocável com o Real Player)

(João Fraga)
"O ataque pelo ataque. A violência pela violência. Um dos alvos da última noite foi um infantário. «Porquê um infantário? Porquê um carro, porquê uma escola? Não há resposta. É a violência cega» (depoimento de um cidadão)

É a resposta de uma juventude que se sente marginalizada, discriminada, remetida para guetos de cimento e, muitas vezes, tratada de forma diferente só por uma questão de preconceito rácico.

«Quando vemos os automobilistas que são interpelados, se virmos a cor de pele, podemos fazer certas perguntas... A cor de pele, a idade, também...» (depoimento de uma cidadã politicamente engagé)

Pergunta-se, também, como foi possível, por exemplo, entrar numa mesquita numa altura tão sensível como esta. Samir (?) é uma peça nos meios muçulmanos e considera que esse foi um tiro no pé por parte das autoridades. O episódio incendiou ainda mais os ânimos. Trouxe para o terreno o factor religioso, mesmo que mal interpretado. Assim, noite após noite, grupos de jovens vêm para a rua e desafiam a Polícia quase cara a cara. Nunca são mais do que dez a quinze elementos por bando, e escapam facilmente por labirintos que conhecem como ninguém. Um agente comentava mesmo que chegam a divertir-se com a atrapalhação policial. Os prejuízos, esses vão se agravando. Mais de 300 carros queimados. O medo instalado. «Podemos recear que a propagação deste tipo de reacção intolerável chegue a outras cidades.» (depoimento de um responsável político não identificado na reportagem)

Dijon, na região de Burgundy, Sudeste da França, viveu também horas de verdadeiras loucura. E os cidadãos exigem do governo uma resposta eficaz.

«Vamos destacar, a partir de agora, duas mil pessoas para reforçar a segurança nos nossos bairros. Aplicaremos a lei, senhoras e senhores senadores, em toda a parte» (declarações de um político, uma vez mais não identificado na reportagem, no Senado)

Os franceses percebem a tolerância zero, mas sabem que o problema não se resolve apenas com a repressão. Por isso, Governo e municípios apostam, no imediato, no diálogo com os líderes das comunidades imigrantes."
(Sublinhados meus nas frases que considero inadmíssíveis numa notícia e que induzem o telespectador a favor de uma opinião preconcebida.)

*

Reparei apenas agora na transcrição: "Dijon na região de Burgundy" (que o locutor lê com sotaque francês). Burgundy é o nome inglês da Borgonha (Bourgogne), o que também mostra a negligência com que tudo isto é feito e a real ignorância de quem o faz. Deve ter utilizado uma fonte em inglês e nada sabe da França.

*

Contráriamente a JPP creio que o que mais sobressai nos noticiários das várias estações de TV em Portugal não é tanto o alinhamento político ou ideológico (embora este também exista), mas sobretudo a preguiça intelectual e a ignorância dos redactores. Na maior parte dos casos as notícias limitam-se a transcrever o conteúdo dos noticiários internacionais. Muitas vezes mal (como mostra a nota de JPP sobre a referência à região "Burgundy").

O noticiário da SIC abria hoje com a notícia sobre mais uma noite de incidentes retomando a alegoria da "escumalha". Curiosamente algumas horas antes no canal 5 da TV francesa ficava-se a saber através de algumas testemunhas oculares que as afirmações do ministro tinham sido retiradas do contexto (na realidade o ministro respondia a uma interpelação duma habitante que reclamava contra a impunidade de que beneficiava a "escumalha"). Embora fazendo eco dos protestos da oposição contra o ministro do Interior (Sarkozy) o noticiário da SIC ignorou a luta intestina que atravessa o governo (e o partido de Jacques Chirac) e que tem como principais protagonistas Sarkozy e o actual primeiro ministro (Villepin).

(Carlos Oliveira, Luxemburgo)
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: POLÍTICA NOS CÉUS



Nos arredores de Saturno não há esquerda nem direita, há os de cima (Tetis) e os de baixo (Dione).

Um fã da luta de classes: "... é o que chega, os de cima são da direita, os de baixo, os da esquerda."

Simplicius: "... há um pequeno problema..."

O fã da dita: "qual problema, qual quê. Os de baixo vão-se revoltar e deitar os de cima para baixo e subir para cima."

Simplicius: " ... há dois pequenos problemas..."


O fã: "diz já quais são, já me estás a irritar e os de baixo quando se irritam fazem estragos..."

Simplicius: " ... há três pequenos problemas..."

O fã: [impróprio num blogue bem educado]

Simplicius: "O primeiro é que não vais gostar da resposta, o segundo vem em Hegel e é o da "negação da negação", e o terceiro é que de vez em quando Dione fica em cima, e Tetis em baixo, porque a sociedade dos arredores de Saturno é muito bem ordenada, segue as leis de Kepler e não as da luta de classes..."

O fã: "... e eu sou um revolucionário, não quero saber das leis..."
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota A ESPANTOSA COMPLACÊNCIA.
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA



Há pequenas coisas que revelam tudo. Uma é o que se inclui ou não, em que secção do jornal, em particular o que se deixa para a política, agora intitulada no Diário de Notícias e no Público como "nacional", e o que se coloca fora dela, em mais pacíficas secções como "Media" ou "Sociedade".

O problema não é só de cá e espelha as background assumptions dos jornalistas, que na Europa tendem a uniformizar-se pelo politicamente correcto (ah! sim, o politicamente correcto existe mesmo e está de boa saúde...) No Libération de hoje está um bom exemplo, com a inclusão do noticiário sobre os casseurs de Paris na secção "sociedade". Então o que fez essa parte da "sociedade" francesa ontem à noite: "Quelque 400 voitures brûlées, un dépôt de bus incendié, les voyageurs d'un RER dépouillés… " Os "voyageurs d'un RER" são eles próprios gente pobre e de vida difícil, mas foram roubados pelos "jovens em revolta" e não contam como excluídos porque trabalham duramente, não pegam fogo aos carros e querem ordem nas ruas . Este é o caldo de cultura a que Le Pen vai buscar votos.

Sobre isto um duro e certeiro editorial de José Manuel Fernandes (que não está em linha...) contrasta com um típico produto do politicamente correcto, neste caso das piores ideias da esquerda, de Eduardo Dâmaso no Diário de Notícias. Nele não há uma única nota de distanciação face às violências,poupando os "jovens marginalizados pela crise económica e por uma sociedade em crise de valores" a qualquer censura (se fossem membros de uma claque de futebol ou neo-nazis teriam certamente outro tratamento), que sobrou, como é evidente, para Sarkozy:

"A única resposta que Sarkozy consegue dar é a da repressão pura. Nada conseguirá, como nunca nenhum antes dele conseguiu. Nada se consegue neste campo estigmatizando o protesto e instrumentalizando a polícia. Nada se consegue desinvestindo na integração social ou entregando-o apenas à velha lógica misericordiosa da piedade católica."

Assino por baixo do que escreve José Manuel Fernandes:

"Na mesma noite em que dois jovens morreram electrocutados em circunstâncias que permanecem nebulosas (mas de que logo se responsabilizou a polícia), um homem de 50 anos era morto ao pontapé por delinquentes perante a passividade de dezenas de pessoas. O presidente da câmara local entendeu dever acorrer ao funeral dos jovens, mas ignorou o da vítima do banditismo. Este gesto contém uma clara mensagem política que valoriza a suspeição, não provada, sobre um eventual exagero da polícia, e desvaloriza o vandalismo mais bárbaro.

O imenso falhanço da "integração" reside exactamente nestes tipo de equívocos, nesta total confusão de valores. Se se aceita e justifica os que vivem desafiando a lei, acaba-se no caos. E se não se promovem os valores da tolerância e do trabalho, acaba-se na segregação. Pior só acrescentando um clima político inquinado, como aquele que a França vive."

Acrescentaria à "crise de valores" a que José Manuel Fernandes atribui (na sequência de teses que têm sido muito divulgadas por João Carlos Espada), uma importância central e que não é o meu cup of tea, um outro elemento mais terra à terra, o papel do islamismo radical como factor de diferenciação cultural e civilizacional, que o "multiculturalismo" dominante impede de combater.
 


COISAS COMPLICADAS


Helena Almeida, Seduzir
 


EARLY MORNING BLOGS 638

SIRVENTÊS

Do que sabia nulha rén non sei,
polo mundo, que vej’assi andar;
e, quand’i cuido, ei log’a cuidar,
per boa fé, o que nunca cuidei:
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.

Aqueste mundo, par Deus, non é tal
qual eu vi outro, non á gran sazon;
e por aquesto, no meu coraçon,
aquel desej’e este quero mal,
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.

E non receo mia morte poren,
e, Deus lo sabe, queria morrer,
ca non vejo de que aja prazer
nen sei amigo de que diga ben:
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.

E, se me a min Deus quisess’atender,
per boa fé, a pouca razon,
eu post’avia no meu coraçon
de nunca já mais neun ben fazer,
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.

E non daria ren por viver i
en este mundo mais do que vivi.

(Pero Gomez Barroso)

*

Bom dia!

3.11.05
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 18
 


TEMAS PRESIDENCIAIS (2ª SÉRIE)



(No Público.)

Deriva presidencialista
- A existência de uma "deriva presidencialista" da "direita" é o mais presente fantasma desta campanha. Criado por Vital Moreira, que aparece como um dos principais ideólogos desta campanha de Soares (juntamente com Medeiros Ferreira e Mário Mesquita, nenhum um típico socialista), tem sido por ele alimentado com desvelo. Vital passa todo o tempo a denunciar uma "deriva presidencialista", que encontra essencialmente em dois autores que pouco têm a ver com a campanha de Cavaco (artigos de Rui Machete e uma entrevista de Nuno Morais Sarmento, aliás de natureza bem diferente), e depois, referindo-se ao que ele próprio escreve e aos seus ecos, pergunta: "Mas por que razão se está agora a discutir pela primeira vez os poderes do Presidente?" E responde, fazendo o mal e a caramunha, porque a "direita" tem um plano conspirativo para a presidência Cavaco. Assim não adianta discutir, porque o mero facto de se citar que o candidato Cavaco nada disse que justificasse tal "deriva", bem pelo contrário, já é contribuir para a discussão, cuja mera existência alimenta a suspeita de Vital Moreira. É um círculo vicioso, à volta de um fantasma.

Deriva presidencialista 2 - Claro que há uma vaga forma humana no fantasma da "deriva", mas essa está nos olhos dos que a vêem: percebe-se medo, não de qualquer deriva presidencialista, mas de uma presidência forte, legitimada por um resultado eleitoral inequívoco, que se fará sobre a quebra da hegemonia socialista, e, no caso de Soares, de uma fracção de socialistas, sobre uma parte do establishment nacional onde dominam, quase incontestáveis, há mais de duas décadas. Mas isso é do domínio do político, dos efeitos políticos inevitáveis pela forma como foi lançada a candidatura Soares e pouco tem a ver com os poderes presidenciais. A polémica da "deriva presidencial" preenche o desejo imaginário de esconjurar esta realidade, de não querer perceber que os tempos mudaram.

A melhor frase da campanha vinda do lado de Soares - Se eu raciocinasse como Vital Moreira faz a propósito da "deriva presidencialista", encontraria na frase insuspeita de Mário Mesquita - Cavaco despertará o "pior" de Sócrates e Soares o "melhor" - uma interessante demonstração de como é de Soares que virá a instabilidade política para o Governo e não de Cavaco. Porque o que Mesquita está a dizer, preto no branco, é que Cavaco ajudará Sócrates a prosseguir uma política de austeridade, com medidas difíceis, e que Soares o "moderará".

Comissões de honra - Entre Soares e Cavaco há mais de mil nomes nas comissões de honra, o retrato da elite portuguesa, os financeiros, os empresários, o alto funcionalismo, os embaixadores, os militares de alta patente na reforma, os gestores públicos, os advogados de negócios, os responsáveis pelas fundações, os "patrões" universitários, da medicina, da investigação, os pequenos, médios e grandes intelectuais, as "figuras da cultura", os desportistas, por aí adiante. A comparação que tem sido feita entre ambas vai no sentido de contrastar o apoio dos meios económicos a Cavaco e dos meios da cultura a Soares. Admitamos que assim é, embora seja já bastante menos evidente a hegemonia absoluta que Soares tinha nesses meios, perdendo para Alegre e Cavaco.

O que é politicamente mais interessante é a efectiva redução do espaço político de Soares ao centro e no centro-esquerda. O MASP III é mais socialista, quase nada social-democrata, e as candidaturas de Alegre e Louçã impediram-no de ser mais esquerdista, O que as sondagens revelam mostra-o as muitas centenas de nomes da comissão de honra de Mário Soares: um acantonamento da influência.

Político profissional -- É a mais estéril das polémicas, mas menos fastasmática do que a da "deriva presidencialista". De facto, há elementos do discurso de Cavaco que abrem caminho para uma ambiguidade sobre o carácter da acção política em democracia. É a percepção dessa ambiguidade que levou Mário Soares a dar as melhores das suas respostas na apresentação do seu manifesto de candidatura (a resposta sobre a negação do "suprapartidarismo" e sobre a entrega ou não entrega do cartão de militante). Aqui há de facto um choque entre duas culturas políticas, que reproduz em parte o choque com o "eanismo".

Político profissional 2 - Se entendermos que um "político profissional" significa que se dedica à política uma intervenção continuada, tendo-se ou não cargos, Soares e Cavaco são ambos "políticos profissionais". Se se entende que ser "político profissional" é fazer política com uma dedicação "profissional" e não amadora, Soares e Cavaco são ambos "profissionais". Ambos manejam os instrumentos simbólicos e de poder da política, com destreza. Ambos utilizam mecanismos de convencimento específicos da política, ambos recorrem a profissionais de técnicas modernas como o marketing e a publicidade, a organização de eventos, especialistas de imagem, mostrando em plenitude o seu profissionalismo.

Se se entende que ser "político profissional" é ter como "profissão" a política e nada mais, Soares é mais um "político profissional" do que Cavaco. O papel da profissão em Cavaco é maior do que em Soares, e pode com mais facilidade entrar e sair da política activa, tanto mais que não tem o envolvimento partidário de Soares.

Registe-se que, de todos, no seu envolvimento com a política, só Louçã rivaliza com Soares, seguindo-se Jerónimo de Sousa (cuja profissão é ser funcionário de um partido) e Alegre, que "ganha" mais como escritor do que como político. Se fizermos esta hierarquia, percebemos que é o envolvimento no quotidiano partidário, mais do que o exercício de cargos políticos, que faz a diferença de Cavaco. Cavaco parece menos comprometido com a política "profissional", porque as suas rupturas com a acção política o afastam dos cargos e do partido.

Linhas de ataque (Cavaco contra Soares) 3 - A linha de ataque de Cavaco é não haver linha de ataque. Esta linha de ataque é favorecida pelo facto de Mário Soares ter apresentado como explicações genéticas da sua candidatura o "impedir o passeio na avenida" de Cavaco, nesta ou noutra variante, o que tornou a sua candidatura muito redutora.

Linhas de ataque (Cavaco contra Soares e vice-versa) 4 - Esta linha de ataque resulta enquanto as questões permanecerem fantasmáticas - como é o caso da "deriva presidencialista" - ou ficarem circunscritas ao universo interno da agenda das outras candidaturas. Mas a questão das reformas recebidas por Cavaco é um exemplo de linhas de ataque (de Soares) mais eficazes, porque se situam no universo interior da própria candidatura e da sua imagem, que nunca sofreu o desgaste do ataque populista e demagógico.

Soares já tem todos os anticorpos a esse tipo de ataques, Cavaco não tem e confia na sua robustez, na sua imagem de homem impoluto e honesto, que não beneficia da actividade política para proveito próprio. Mas à falha de outras questões, haverá sempre a tentação de mergulhar Cavaco no mesmo caldo de cultura de suspeições e desprestígio em que está o grosso da política portuguesa. Isso fará resvalar a campanha para um terreno feio, mas o desespero é mau conselheiro.

Manuel Alegre - Posso estar enganado, mas tenho muita dificuldade em raciocinar como sendo Manuel Alegre o outro pólo da bipolarização presidencial. É verdade que as sondagens lhe dão marginalmente esse papel; no entanto, se elas forem tomadas à letra, então terá que se concluir que o que acontece é que não há mesmo pólo nenhum, porque estão todos tão abaixo dos números de Cavaco, que não há verdadeira bipolarização. Por muitas razões, de que exponho apenas algumas, penso que é o confronto Cavaco-Soares o confronto central destas eleições e que só esse pode impedir Cavaco de passar à segunda volta. Se ele não se verificar, não me parece que haja segunda volta.

O apoio do PS a Mário Soares pode ser renitente e forçado, mas, mesmo assim, será um factor decisivo a favorecer Soares versus Alegre. Depois virá a política, a história e a afectividade, em particular a negativa, a antipatia entre os dois. Ambos têm uma história conflitual comum, que é relevante para a contenda presidencial, em particular a experiência do segundo mandato de Soares. Por fim, os dois, Cavaco e Soares, são o verdadeiro contraditório, afastados pela mundividência, gostos, vida, irritações, feitio. Como tudo isto é bem conhecido dos portugueses, favorecerá na primeira volta a bipolarização Cavaco-Soares, marginalizando Alegre. Vamos ver.

(Continuaremos com outras questões: partidos políticos e candidaturas presidenciais, "suprapartidarismo", "eanismo" e "cavaquismo", Portas, PSD e PS, etc.)
 


A ESPANTOSA COMPLACÊNCIA



Basta haver um ar de revolta social contra o “sistema”, um ar de “multiculturalismo” revolucionário dos “deserdados da terra” contra os ricos (os que têm carro, os pequenos lojistas, os stands de automóveis, os pequenos comércios), para a velha complacência face à violência vir ao de cima. Fossem neo-nazis os autores dos tumultos e a pátria e a civilização ficavam em perigo, mas como são jovens muçulmanos da banlieue, já podem partir tudo. Não são vândalos, são “jovens" reagindo à “violência policial”, são “vítimas” do desemprego e do racismo dos franceses, justificados na sua "revolta", e têm que ser tratados com luvas verbais e delicadeza politicamente correcta. Os maus são as forças da ordem, os governantes, os polícias, os bombeiros e todos os que mostram uma curiosidade indevida pelos seus bairros de território libertado.

No fundo, não é novidade nenhuma. Há muitos anos que é assim, que estas questões são tratadas com imensa vénia, não vão os “jovens” zangarem-se e vingarem-se. A culpa é nossa, não é?

*

Os media europeus sao horríveis. Absolutamente horríveis, quem ouvir ou ler um noticiário europeu fica com a impressão que os policias sao uns malandros, que perseguiram dois pobres inocentes desgraçados e que os encostaram aos cabos eléctricos e os mataram propositadamente…

Estas são as mesmas pessoas que culpam Bush pelo atentados em Londres, que culparam Aznar e Bush pelos atentados em Madrid, que querem que os EUA negoceiem com Bin Laden (Soares e outros), são pessoas que passeiam as suas opiniões de “peace and love” mas que não oferecem alternativa quando algo de errado acontece. Para eles a pobreza desculpa tudo, as pessoas sao pobres por isso organizam-se em gangs, pegam em armas, roubam, saqueiam, destroem, cometem actos de terrorismo, etc. Não tem outra alternativa, são desgraçados, descriminados, e tem de cometer crimes para sobreviver. Mas então e as pessoas que são pobres e que trabalham honestamente para que os seus filhos possam estudar e ter um futuro melhor? E os portugueses em Franca e noutros locais do mundo que abrem pequenos restaurantes, que trabalham na construção civil que comem o pão que o diabo amassou para que os seus filhos tenham um futuro melhor? Alguém os ve cometer crimes? Será’ que porque alguém faz parte de uma minoria isso e’ um bilhete directo para a violência e roubo?

Revolta-me isto que eu gosto de chamar a “cultura do pobrezinho e do desgraçadinho”. E’ revoltante! As regras de sociedade sao para cumprir, e sao para cumprir por todos, minorias inclusive’.

(Carlos Carvalho, Ottawa, Canadá)
*


... também na banlieue há poesia.
(S.)
*

«A culpa é nossa, não é?»

Claro! E o jornalista da RTP não se esqueceu de rematar a reportagem no local com uma patacoada em que a ideia era: «As forças policiais também são acusadas dos distúrbios por aparecerem ostensivamente».

(C. Medina Ribeiro)
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Acabei de ver o noticiário das 24h na SIC Notícias, onde o jornalista chamava aos vandalizadores "manifestantes". O que é espantoso é que um acontecimento destes, que se prolonga há mais de uma semana num dos maiores centros da Europa, não mereça sequer que um jornalista se desloque ao local. Estamos a 2h30 da notícia e temos que aturar um "locutor" sentado numa redacção em Carnaxide a comentar as imagens que passam da TF1, da BBC ou da France Press.
Já não falo na péssima análise jornalistica, tão influenciada pela complacência sociológica, o que me repugna neste jornalismo é que uma pessoa que pretende transmitir uma notícia já nem sequer se desloca ao local para saber esta coisa simples: o que se passa? Porquê? E isto passa-se aqui no "centro", como confiar nestes profissionais para transmitir o que quer que seja sobre o Iraque, o Afeganistão ou os EUA?

(João Lopes)
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Parece-me que num caso ou no outro há excessos. Não podemos partilhar de extremos que, por um lado culpabilizam a polícia e, por outro lado, culpabilizam aqueles jovens. Se há necessidade de um culpado, de algo ou alguém que assume todas as culpas, tem que se procurar na História da Argélia, Tunísia, Marrocos, tem que se procurar na fúria da construção das cidades nos arredores de Paris nos anos 70, para eliminar os chamados "Bidons-ville" que também existiram na cidade das luzes. Cometem-se sempre erros. Alguém alguma vez visitou os subúrbios de Paris? as tais "Banlieues", como são referidas ( e bem! posto que não têm nada que ver com os nossos subúrbios.)..La Courneuve...Blanc-Mesnil... Aulnay-sous-Bois... Clichy-sous-Bois... Montfermeil. Não vejo televisão, recuso essas imagens de que todos falam. Desejo um olhar que seja apenas meu, um olhar que não esteja contaminado, o que é praticamente impossível, posto que quer queiramos, quer não, estamos sempre submetidos às imagens divulgadas pelas televisões que fazem parte do mobiliário estetizante de todos os cafés e restaurantes, pela imprensa, etc., presumo que são quase as mesmas. Apesar de ter sido privilegiada e ter sempre vivido em Paris, quer na prestigiada "Rive Gauche", quer na mais popular Goutte D'or, conheci os subúrbios de Paris e de outras cidades francesas de passagem, assim como alguns dos seus habitantes, e acreditem que não é um sitio onde se pode viver, não é um sítio onde se deseja viver. São sítio chamados "cités", cidades? Não me parece serem estas as cidadesdesejadas.... assemelham-se mais a guetos, dormitórios, capoeiras construídas para amontoar os menos integrados, os mais pobres, os que não pertencem ao modelo dos 3 Bs, aqueles que não são nem Belos, nem Brancos, nem Bons...

Quanto à comparação entre estes jovens muçulmanos, nascidos em França, e os portugueses, temos que ter em conta que a vida social e a postura dos portugueses em França é muito diferente da dos muçulmanos. Não podemos comparar. Em primeiro lugar porque os portugueses imigrantes, ou filhos de imigrantes com a nacionalidade francesa ocupam espaços físicos e sociais específicos e depois, porque a diferença está definitivamente marcada na pele, na cor da pele, nos cabelos, na linguagem que desenvolveram nas mesmas "cités", na História de ambos os povos e no que motivou a sua migração . Por outro lado, se os políticos franceses têm esta postura é porque desejam acalmar uma situação previsível, que têm vindo a degradar-se desde Dezembro 2004. A única solução imediata, mas não permanente, é fazer exactamente o que estão a fazer.

Dizer que há por um lado os maus e por outro lado os bons, "os coitadinhos", não me parece ser a melhor forma de perceber o profundo mau estar social que tem vindo a instalar-se em França (e em vias de acontecer noutros países). Este mau estar é o espelho dos espaços construídos para os homens sem serem à imagem dos homens. Parece-me que isto levanta uma questão de dignidade. Haverá dignidade possível para todos neste mundo?

(Ana da Palma)
 


BIBLIOFILIA: LUTA DE CLASSES

 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA



Uma análise "automática" da imprensa, imediatamente antes e durante o período eleitoral de Fevereiro de 2005, feita pela Cyberlex "uma empresa editora que se dedica à Gestão da Informação e do Conhecimento e à Gestão Electrónica de Documentos e Pastas".

*
Democracia por editorial, uma nota sensata no Retórica e Persuasão.

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A entrevista de Mário Soares à TVI foi muito interessante, porque revela o melhor e o pior de Soares. O melhor é a naturalidade, com os ódios à flor da pele, o movimento todo de uma pessoa sem censura, que impulsionado pelo que realmente pensa, chama a Sócrates o "anti-Guterres", trata Cavaco de ignorante e preparava-se para continuar a fazer aquilo que faz muito bem, a contar histórias. Foi pena que a entrevista terminasse no momento em que Soares ia por si dentro, pelas suas memórias, pelos seus gostos e antipatias. Soares não pode hoje ser entrevistado a correr, precisa de tempo, e nele o tempo gasto vale a pena. Não há muitos políticos assim, a falar próximo do que pensam. Expondo-se.

O reverso é o que Soares pensa, a sua agressividade de castelão que vê o rendeiro comprar as terras que teve que vender porque esbanjou os seus bens, a sua superioridade cultural face aos parvenus que não sabem comer à mesa, ou distinguir Pomar de uma Menez (aqui engana-se porque Cavaco tem um belo quadro da Menez) um quase direito natural a ser superior, a mandar, a classificar o mundo, que, tenho insistido nisso, é tipicamente uma marca social. Na sua vida turbulenta e corajosa, ele ficou sempre o menino bem e mimado, que entende ter um direito natural a mandar, que trata Portugal e os portugueses como se lhe pertencessem. O drama que o atravessa nestes dias é perceber que, afinal, já não são dele, são doutro. E, humanamente, responde sendo agressivo e subindo a parada e perdendo ainda mais o "ar do tempo" que já não compreende.
 


EARLY MORNING BLOGS 637

Nevoeiro


A cidade caía
casa a casa
do céu sobre as colinas,
construída de cima para baixo
por chuvas e neblinas,
encontrava
a outra cidade que subia
do chão com o luar
das janelas acesas
e no ar
o choque as destruía
silenciosamente,
de modo que se via
apenas a cidade inexistente.


(Carlos de Oliveira)

*

Bom dia!

2.11.05
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: LIVROS, BIBLIOTECAS



É a biblioteca do Trinity, em Dublin, na Irlanda, país que gosta de ser visitado e referido como algo a comparar. E sem duvida que é. Limpa, asseada, e bonita, merece uma visita quanto mais não seja pelo book of Kells.

Manuel Santos



Diogo Lopes, um alfarrabista de Lisboa
 


COMUNICAÇÃO SOCIAL E CANDIDATURAS



Cavaco tem sido beneficiado por um melhor tratamento comunicacional, mas tem feito por isso. Soares tem-se exposto demasiado nas suas fragilidades, mas, mesmo assim, beneficia de velhos silêncios e cumplicidades. O que joga hoje mais contra Soares, é infelizmente uma velha pecha da nossa comunicação social: gosta de estar com quem ganha e tende a diminuir quem está na mó de baixo. Antes, Soares beneficiou deste factor, hoje é prejudicado por ele.

1.11.05
 


COISAS SIMPLES


Peter Henry Emerson, Gathering Water Lilies, 1885
 


EARLY MORNING BLOGS 636

A Mão no Arado



Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã

Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente


(Ruy Belo)

*

Bom dia!

© José Pacheco Pereira
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