ABRUPTO

7.2.04


CADERNOS DE CAMUS

Foram actualizados.

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ESTRAGO, ECLIPSE, CINZA, ARDOR CRUEL


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EARLY MORNING BLOGS 133

Ao fim de uma longa, longa viagem que a cada etapa mais longe me punha de casa, deixando-me em muitas outras, retorno. Em homenagem à Fénix Renascida, esta

À fragilidade da vida


Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.

Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse Estio em Vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.

Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, Primavera, Sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.


(Francisco de Vasconcelos)

*

Bom dia, mesmo antes da bela aurora.

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5.2.04


EARLY MORNING BLOGS 132 / WHAT IF A DAWN OF A DOOM OF A DREAM

Não sei se é possível escrever melhor, cada palavra no sítio perfeito, numa certeza de que há beleza na terra (não sei bem para que olhos) e é possível tudo, ou quase nada, "a much of a which of a wind". É por este lado e por mais nenhum.


what if a much of a which of a wind
gives the truth to summer's lie;
bloodies with dizzying leaves the sun
and yanks immortal stars awry?
Blow king to beggar and queen to seem
(blow friend to fiend: blow space to time)
-when skies are hanged and oceans drowned,
the single secret will still be man

what if a keen of a lean wind flays
screaming hills with sleet and snow:
strangles valleys by ropes of things
and stifles forests in white ago?
Blow hope to terror; blow seeing to blind
(blow pity to envy and soul to mind)
-whose hearts are mountains, roots are trees,
it's they shall cry hello to the spring

what if a dawn of a doom of a dream
bites this universe in two,
peels forever out of his grave
and sprinkles nowhere with me and you?
Blow soon to never and never to twice
(blow life to isn't: blow death towas)
-all nothing's only our hugest home;
the most who die, the more we live.


(e.e.cummings)

*

Bom dia!

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SCRITTI VENETI 3

"Because the city is static while we are moving. The tear is proof of that. Because we go and beauty stays. Because we are headed for the future, while beauty is the eternal present. The tear is an attempt to remain, to stay behind, to merge with the city. But that's against the rules. The tear is a throwback, a tribute of the future to the past. Or else it is the result of subtracting the greater from the lesser: beauty from man. The same goes for love, because one's love, too, is greater than oneself."

(Joseph Brodsky, Watermark, cortesia de Maria Teresa Goulão)


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4.2.04


SCRITTTI VENETI 2

Hoje só se pode ver Veneza bem à noite, quando os turistas se retiraram para os seus hotéis da periferia, ou se foram embora nos seus autocarros. Um minuto só, um minuto na noite junto da laguna, quando há lua e tudo parece descansar. E as pedras de mármore picado para não se escorregar, que já viram tudo, que já foram pisadas por todos, descansam sob o peso apenas da humidade, e os sons antigos ainda se podem ouvir por breves instantes. Esse minuto, às primeiras horas da madrugada, antes da bruma, vale uma vida para quem a queira assim oferecer.

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SCRITTTI VENETI

Conta Paul Morand, que viveu em Veneza, que o Gazzetino da cidade publicava os nomes de todos os que caíam à água. Escorregavam e caíam. Byron, no meio de uma aventura amorosa, tomou um banho forçado no dia 18 de Maio de 1819. A carta libertina de Byron em que ele conta como foi fazer de tritão forçado - "I flounced like a Carp, and went dripping like a Triton to my Sea-nymph" - pertence de pleno direito à série das “sensibilidades antigas”. Byron está então a escrever o Don Juan.

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A MINHA RÚSSIA 3

Turgenev, Sketches from a Hunters Album, escritos entre 1854 e 1874. Existe uma versão aqui.
O que me agrada nestes textos dispersos não é aquilo que os tornou célebres: a descrição da condição servil, as condições de vida nos campos russos. São as descrições da natureza que aparecem nos interstícios, a observação próxima de um mundo rural que já não existe , vistos por olhos que já não há, porque já não vêem o que Turgenev via. As árvores, as folhas, o orvalho, os caminhos, os sons, a luz.


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EARLY MORNING BLOGS 131

De onde estou é cedo, de onde me lêem é tarde. A que horas deixa de ser "early morning"?

Mas, ainda assim,

Light Breaks Where No Sun Shines

Light breaks where no sun shines;
Where no sea runs, the waters of the heart
Push in their tides;
And, broken ghosts with glowworms in their heads,
The things of light
File through the flesh where no flesh decks the bones.

A candle in the thighs
Warms youth and seed and burns the seeds of age;
Where no seed stirs,
The fruit of man unwrinkles in the stars,
Bright as a fig;
Where no wax is, the candle shows its hairs.

Dawn breaks behind the eyes;
From poles of skull and toe the windy blood
Slides like a sea;
Nor fenced, nor staked, the gushers of the sky
Spout to the rod
Divining in a smile the oil of tears.

Night in the sockets rounds,
Like some pitch moon, the limit of the globes;
Day lights the bone;
Where no cold is, the skinning gales unpin
The winter's robes;
The film of spring is hanging from the lids.

Light breaks on secret lots,
On tips of thought where thoughts smell in the rain;
When logics die,
The secret of the soil grows through the eye,
And blood jumps in the sun;
Above the waste allotments the dawn halts.


(Dylan Thomas)


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3.2.04


PEQUENAS TRANSCENDÊNCIAS

Trabalhando nos Cadernos de Camus, encontrei esta frase da Queda apropriada para os eventos recentes:

"Observe os seus vizinhos, se calha de haver um falecimento no prédio. Dormiam na sua vida monótona e eis que, por exemplo, morre o porteiro. Despertam imediatamente, atarefam-se, enchem-se de compaixão. Um morto no prelo, e o espectáculo começa, finalmente. Têm necessidade de tragédia, que é que o senhor quer?, é a sua pequena transcendência, é o seu aperitivo."

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CADERNOS DE CAMUS


Novas actualizações.

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EARLY MORNING BLOGS 130

Manhã urbana, ruas de trabalho, "working girls". I know it all.

Working Girls

THE working girls in the morning are going to work--
long lines of them afoot amid the downtown stores
and factories, thousands with little brick-shaped
lunches wrapped in newspapers under their arms.
Each morning as I move through this river of young-
woman life I feel a wonder about where it is all
going, so many with a peach bloom of young years
on them and laughter of red lips and memories in
their eyes of dances the night before and plays and
walks.
Green and gray streams run side by side in a river and
so here are always the others, those who have been
over the way, the women who know each one the
end of life's gamble for her, the meaning and the
clew, the how and the why of the dances and the
arms that passed around their waists and the fingers
that played in their hair.
Faces go by written over: "I know it all, I know where
the bloom and the laughter go and I have memories,"
and the feet of these move slower and they
have wisdom where the others have beauty.
So the green and the gray move in the early morning
on the downtown streets.


(Carl Sandburg)

*

Bom dia! Eu sei que ainda é cedo...

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2.2.04


FUTEBOL, TELEVISÕES, HISTERIA COLECTIVA = VIOLÊNCIA

Estava convencido, e disse-o já na sexta-feira passada, quando se gravou a Quadratura do Círculo, que iriam ocorrer violências diversas nos jogos de futebol do fim-de-semana, consequência do ambiente de histeria colectiva incentivado pelo tratamento televisivo da morte do jogador húngaro. Não é preciso ser nenhum adivinho para saber que a excitação colectiva tem resultados. Estão à vista.

Acrescento a minha perplexidade perante a natural aceitação por todos, autoridades e população, de que um jogo de futebol seja tratado quase como uma operação militar, como aconteceu no Porto-Sporting. É suposto ser um espectáculo desportivo, de paz e amizade, não é?

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DEIXANDO O SANTO PARA TRÁS


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ORGULHO 11 / NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE

Bernardo chegou ao fim do seu tratado. Intitulou-o De Gradibus Superbiae et Humilitatis, e confessa que sabe falar melhor do orgulho do que da humildade:

Peut-être, frère Geoffroy, en voyant que j'ai décrit les degrés de l'orgueil, au lieu de ceux de l'humilité, direz-vous que j'ai fait autre chose que ce que vous attendiez de moi et que je vous avais promis. A cela je répondrai que je ne puis vous enseigner que ce que j'ai appris et qu'il ne me semblait pas qu'il m'appartînt de vous décrire les degrés ascendants, quand je sais beaucoup mieux descendre que monter.

Na sua cela, Bernardo está agitado. Chegou ao fim do seu texto, mas não sabe como acabá-lo. Deve orar ou pedir a Deus um milagre salvífico, ou descansar pelo dever cumprido de açoitar os pecadores? Como é que se confrontam os pecadores que têm a voz do pecado, que assumem a identidade do pecado, que têm uma forma tão própria de pecado que este se lhes entranha no corpo todo, aqueles para quem pecar é um “orgulho”?

Ele acredita pouco na sua redenção, embora saiba que o tempo os tornará amargos e desesperados. Todos os espelhos lhes mostrarão o tempo, todos os relógios tocarão cada vez mais alto. Todas as palavras soarão a falso se repetidas. O iníquo repetirá tudo, repetirá mil vezes tudo, num esforço intenso de esquecer o que disse a Deus, o que prometeu a Deus, mas a língua saberá cada vez mais a areia e ele sente as palavras a caírem de velhas. Uma maldição antiga o persegue: de cada vez que olha para uma árvore, uma folha cai para recusar o seu olhar.

Talvez o tempo os ensine, o passar dos dias, a diferença entre o convívio com as vozes “ligeiras” e a alegria pura dos Momentos. Mas Lúcifer distribuirá as águas do esquecimento com abundância e as distracções são muitas.

Bernardo escreve então dois capítulos totalmente confusos. Percebe-se que ele quer rigor e impiedade, mas que a sombra da Virgem lhe pede caridade. Pede orações e desaconselha orações, revela a surpresa de Deus, actuando ao acaso e onde menos era previsto, salvando uns e poupando outros. Colecciona citações da Bíblia sem grande nexo. A Virgem lembra-lhe que ele ainda tem um pequeno fio de ferro na mão. Bernardo acaba então o seu tratado, sem verdadeiro fim, mas com a convicção que não falará mais disso. Ponto.

En effet, si en allant à Rome vous rencontrez un homme qui en revient et que vous lui demandiez la route qui y mène, pourra-t-il vous en enseigner une meilleure que celle par laquelle il en vient? En vous disant par quels châteaux, quelles villas, quelles villes, quels fleuves et quelles montagnes il a passé, il vous indique en même temps le chemin qu'il a parcouru et celui que vous devez suivre à votre tour, en sorte que vous devrez, en allant à Rome, passer par les mêmes endroits qu'il a traversés pour en venir. Ainsi, peut-être, dans mes degrés descendants trouverez-vous les degrés ascendants que vous reconnaîtrez en les gravissant, beaucoup mieux dans votre coeur que dans mon écrit. “

Assim seja.

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OLHAR PARA OS MEUS SÍTIOS HOJE, AGORA

Como se lá estivesse:

aqui
e aqui
e aqui
e aqui










Todas as imagens são de há uma hora.

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ORGULHO 10 / NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE

Bernardo continua. Descoberta a sua “falsidade”, que faz o “curioso”? Revolta-se. O que é que ele pode fazer para se continuar a ver ao espelho? Revoltar-se, essa última ilusão do espírito, tão ao gosto do futuro, como Bernardo bem sabe:

Si celui qui en est arrivé là n'est pas touché de la grâce de Dieu (or ceux qui sont dans cet état en sont bien difficilement touchés), de façon à sa soumettre en silence au jugement que tout le monde porte de lui, il ne tarde point à devenir effronté et impudent, et à tomber par la rébellion, d'autant plus fâcheusement au dixième degré de l'orgueil, qu'il y tombe d'une manière tout à fait désespérée. Alors celui qui s'était contenté dans son arrogance de mépriser ses frères en secret, se mettant en révolte ouverte, méprise son supérieur même.

A convicção do pecado mostra-se então em todo o esplendor. O orgulhoso já não peca apenas, defende activamente a liberdade de pecar. Como dizem os Provérbios:

Quando o pecador caiu no fundo do abismo do pecado, ele despreza tudo”.

Perdeu as referências, o norte, a pedra. Antes, tinha na sua vida uma barra de ferro que o atravessava, que lhe dava consistência moral, que não o deixava afastar-se da visão divina. Pagava essa barra com as suas penitências, mas tinha uma direcção e uma paz. Os medos humanos dissipavam-se à volta da barra.

Agora, o mundo é feito de gelatina, um gigantesco bordel atrás do qual está uma dança macabra. Tudo agora se resume às pequenas trocas da vaidade, a exercícios de massagem do ego. O orgulhoso despreza agora o que o mantinha de pé. Conta a sua história a todos, e enaltece o valor da sua rebelião. Os demónios dão vozes a todos para lhe responderem que sim, que grande valor tem a rebelião do “curioso”. Ele sente-se bem à mesa da confusão das vozes, sem perceber em que coro já canta. Entrou no último grau do orgulho: o hábito de pecar.

Bernardo escreve o julgamento, próximo de fechar o seu tratado:

"Mais lorsque, par un terrible jugement de Dieu, les premiers crimes ont été suivis de i'impunité, on revient volontiers à ce qui a e procuré du plaisir et plus on y revient, plus on y trouve d'attrait. A mesure que la concupiscence se réveille, la raison s'endort et les chaînes de l'habitude se resserrent. Le malheureux est entraîné dans l'abîme du péché et livré à la tyrannie de ses vices; emporté par le torrent de ses désirs charnels, il oublie sa raison et la crainte de Dieu, et finit, l'insensé! par dire dans son coeur : « Il n'y a pas de Dieu (Psalm. XIII, 1)."


(Em seguida, quase a conclusão)

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EARLY MORNING BLOGS 129

Há manhãs assim , em que se saí assim da noite, invictus. Bernardo não gostaria.

Out of the night that covers me,
Black as the pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbow'd.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.


(William Ernest Henley)


*

Bom dia!

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VER A NOITE

Clouds

Down the blue night the unending columns press
In noiseless tumult, break and wave and flow,
Now tread the far South, or lift rounds of snow
Up to the white moon's hidden loveliness.
Some pause in their grave wandering comradeless,
And turn with profound gesture vague and slow,
As who would pray good for the world, but know
Their benediction empty as they bless.

They say that the Dead die not, but remain
Near to the rich heirs of their grief and mirth.
I think they ride the calm mid-heaven, as these,
In wise majestic melancholy train,
And watch the moon, and the still-raging seas,
And men, coming and going on the earth.


(Rupert Brooke)

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1.2.04


INTERESSANTE…

António Vitorino é dos poucos políticos portugueses que é entrevistado quase sem contraditório, mas sim de forma reverencial pelos jornalistas (parto do princípio de que Marcelo não dá entrevistas na TVI...). Ele pode expor o que quiser, controlar todos os temas e ouvir dos jornalistas elogios rasgados em plena entrevista. Não é novo, já é habitual, mas não deixa de ser interessante…

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RAÍZES


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O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Muitos leitores me escreveram sobre a nota “Masturbação da dor”, apoiando-a ou criticando-a. Se tivesse tido alguma possibilidade de publicar esses comentários imediatamente a seguir - não pude por falta de tempo - , tê-lo-ia feito. Agora parece-me excessivo voltar ao tema. No entanto, se algum dos leitores que me enviaram opiniões substantivas entender que o deva fazer, faça o favor de me informar.

Essas opiniões revelariam a diversidade de posições dos leitores do Abrupto, acompanhando as linhas do incipiente debate nacional. Digo incipiente porque, se nos blogues a questão foi discutida, já o foi menos nos outros media, em particular na própria televisão. Muitas vezes caímos no erro de pensar que, pelo facto de se discutir um assunto na blogosfera, o mesmo se passa lá fora. Não é o caso.

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ORGULHO 9 / NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE

Na noite, Bernardo mostrou aos anjos o que já tinha escrito. Os anjos corrigiram uma frase:

Faz parte da sua infinita plasticidade [do orgulho] fazer de conta que sofria, que hesitava, quando já tinha em si a direcção do pecado.

Não é a “direcção do pecado”, é a convicção do pecado. O pecado convence. O “curioso” já fala com outra voz, já não é dele o que diz. Dentro dele só há ecos, vozes, sussurros, amabilidades, conveniências, usos, lixo da superficialidade, etiquetas da "ligeireza de espírito". Já tudo voa baixo.

Os anjos à noite visitavam-no porque Bernardo era fiel. Então corrigiu a frase e deu mais um passo no conhecimento do “curioso” que revela agora a sua face. E continou a escrever:

"Quelle confusion pour l'orgueilleux, quand sa supercherie est découverte, la paix de son âme et sa gloire amoindrie, sans que sa faute soit effacée pour cela? Il finit par être reconnu de tous et jugé par tous, et l’indignation est d'autant plus violente, alors qu'on découvre en même temps la fausseté de tout ce qu'on avait pensé d'abord de lui. "

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CADERNOS DE CAMUS

Serão actualizados em breve.

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BIBLIOFILIA 10







Para os interessados em biografias, na arte da biografia, nos métodos da biografia: vale a pena lerem Michael Holroyd, Works on Paper. The Craft of Biography and Autobiography, Londres, Abacus, 2002. A ler, o ensaio sobre Katherine Mansfield, entre outros.

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ORGULHO 8 / NOTAS SOBRE AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE

Bernardo tem agora pressa de acabar. Já tudo voa baixo. O corvo pousou no chão, não na árvore. Os presságios acumulam-se. Ontem, ao fim da tarde, um grupo de pássaros começou de repente a cantar sem nexo, quebrando o silêncio. Bernardo pensou que a sua voz era a das almas perdidas no Inferno. Pensou na Virgem para afastar o mal. Pensou: para que faço eu isto, se não vale a pena? O demónio terá sempre melhor colheita, os tempos estão para a “ligeireza do espírito”. Olhou outra vez para fora, para a neve, com o mesmo olhar com que, anos mais tarde, escolheu o vale da amargura, o Vallée d'Absinthe, para construir, com os seus onze companheiros, a sua abadia.

Recomeçou. Encheu-se da crueldade de Deus, para além do cansaço, da febre e da doença, e continuou a falar do orgulho. Bernardo sabia que o orgulho era , por assim dizer, “dialéctico”. Faz parte da sua infinita plasticidade fazer de conta que sofria, que hesitava, quando já tinha em si a direcção do pecado. Escreveu:

"Il y a des personnes qui, lorsqu'elles s’entendent reprocher des choses par trop manifestes, comprennent que, si elles entreprennent de se justifier, elles ne réussissent point à se faire croire, ont recours à un moyen plus subtil de se tirer d'affaire, et répondent par un aveu plein de fourberie de leur faute: « Il en est en effet, est-il écrit, qui s'humilient malicieusement et dont le fond du coeur est plein de tromperie (Eccli., XIX, 23). » Ils baissent les yeux, courbent la tête et font briller, s'ils le peuvent, une ou deux larmes ; leur voix est étouffée par les soupirs et leurs paroles sont entrecoupées par les sanglots”

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LA VERGUENZA ERA SOLO ARTESANAL


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EARLY MORNING BLOGS 128

Hoje o poema escapa ao tema matinal, talvez porque a bruma está mais densa e viver dentro de uma nuvem dá outros olhos. Hoje temos Mário Benedetti, o mesmo que escreveu noutro poema esta confissão:

me jode confesarlo
porque lo cierto es que hoy en día
pocos
quieren ser tango
la natural tendencia
es a ser rumba o mambo o chachachá
o merengue o bolero o tal vez casino


e que, num sentido não muito distante, escreveu este:

Windows 98

Antes del fax del modem y el e-mail
la vergüenza era sólo artesanal
la mecha se encendía con un fósforo
y uno escribía cartas como bulas

antes los besos iban a tu boca
hoy abedecen a una tecla send
mi corazón se acurruca en su sofware
y el mouse sale a buscar el disparate

cuando me enamoraba de una venus
mis sentimientos no eran informáticos
pero ahora debo perdir permiso
hasta para escribir con el news gothic

te urjo amor que cambies de formato
prefiero recibirte en times new roman
más nada es comparable a aquel desnudo
que era tu signo en tiempos de la remigton


(Mário Benedetti)

*

Bom dia!

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© José Pacheco Pereira
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