ABRUPTO

30.6.06
 


INTENDÊNCIA



Parece, sublinho, parece, que os problemas de migração dos computadores vão ser resolvidos, sem qualquer recurso à ajuda e assistência da HP. A solução veio-me dos leitores do Abrupto que já tinham tido que resolver problemas idênticos, também sem qualquer ajuda da HP, revelando sérias incompatibilidades da instalação original do software feita pelo fabricante. É uma solução trabalhosa e com outro tipo de dificuldades, mas que me parecem (talvez) mais fáceis de resolver. Seja como for, se acabar por ficar com o computador, este será o último HP que compro.

Em breve darei pormenores.
 


EARLY MORNING BLOGS

806 -"I bear a burden that might well try / Men that do all by rule"

Two Songs Of A Fool (I)

A speckled cat and a tame hare
Eat at my hearthstone
And sleep there;
And both look up to me alone
For learning and defence
As I look up to Providence.

I start out of my sleep to think
Some day I may forget
Their food and drink;
Or, the house door left unshut,
The hare may run till it's found
The horn's sweet note and the tooth of the hound.

I bear a burden that might well try
Men that do all by rule,
And what can I
That am a wandering-witted fool
But pray to God that He ease
My great responsibilities?

(William Butler Yeats)

*

Bom dia!

29.6.06
 


A ÚNICA OPOSIÇÃO POSSÍVEL É A LIBERAL



Estamos num desses momentos em que mais é necessária política no espaço público, e o que acontece é o contrário, ela praticamente não existe, obscurecida por uma mistura anestesiante de circo, de conveniências, falsos consensos e maus hábitos do poder. Não havendo crítica nem alternância, gera-se um feito de obscuridade, não havendo ânimo crítico, o espaço público mirra.
Os tempos que vivemos recordam-me, e a memória é uma maldição, de outro tempo recente muito semelhante: os primeiros anos do engenheiro Guterres. Nesses anos de glória, quando o engenheiro apesar de não ter maioria absoluta governava como se a tivesse, era um escândalo suscitar dúvidas, interrogações, críticas ao seu magnífico desempenho. Lembro-me de ter escrito então que me sentia uma espécie de ET quando mesmo os meus mais próximos me diziam que era impossível criticar Guterres. Havia dinheiro por todo o lado, a bolsa dava, a cada pequena esquina uma pequena fortuna, todos estavam felizes.

Hoje sabemos que muitos dos erros trágicos, que se estão a pagar caro uma década depois, foram cometidos nessa altura, quando uma excepcional conjuntura favorável nos dava a última oportunidade de arrancar e a malbaratamos sem resultados. O governo de Guterres é hoje visto como a grande "oportunidade perdida", mas quem o percebeu e disse na altura? Contavam-se pelos dedos de uma só mão os críticos do engenheiro, isolados e ignorados, pelo mesmo "consenso" que hoje considera o seu governo um desastre. É assim e continuará a ser - em Portugal quando um consenso de rebanho, entre elites, políticos e jornalistas, se instala, tem muita força, abafa quase tudo.

Hoje passa-se o mesmo, com a grande diferença que estamos em tempo de vacas magras e o Governo, em vez de nos prometer abundância, promete-nos dificuldades. É interessante verificar que é exactamente esta diferença que alicerça o consenso de hoje, com a mesma força acrítica do consenso do passado. O consenso assenta na ideia de que o país está mal e de que o Governo defronta esses males com coragem, pelo que merece o abater de todos os pendões. Muito pouca gente se pergunta se não era possível não apenas fazer melhor, mas fazer muito diferente e se essa diferença faz, afinal, toda a diferença. Banhados em milhares horas de circo e gladiadores, na anomia generalizada de todos a fazerem a sua vidinha como se nada fosse, e no escapismo, who cares?

Como é que se chegou aqui? Pela combinação da vitória de duas pessoas, Manuela Ferreira Leite e José Sócrates. Num certo sentido, Manuel Ferreira Leite é a grande vencedora política da actualidade. Com a ironia habitual da história, para se ver a sua razão, foi necessária a sua queda e a do governo que se preparava para a afastar do cargo, por pensar que queria mais vida para além do défice. Também o governo que se lhe seguiu queria dar mais folga aos portugueses e descobriu uma "retoma" que nunca houve. Ambos, Durão Barroso e Santana Lopes, com o PSD profundo às palmas, queriam ver-se livre da "antipática" ministra que lhes dava cabo das sondagens. Mas Manuela Ferreira Leite tinha convencido os portugueses a aceitar sacrifícios para pôr a casa em ordem e, como estes desconfiavam das facilidades e da competência que Santana Lopes lhes prometia, foi procurar no outro lado, no PS.

Sócrates apanhou a boleia desta ideia da necessidade de austeridade que o PS e ele próprio tanto tinham criticado. Ele começou a falar a linguagem apropriada ao sentimento da opinião pública que Manuela Ferreira Leite lhe tinha deixado. Como se apercebeu de imediato, isso tinha sucesso e ele conseguiu um consenso legitimador que se estende muito para além do PS. Com condições políticas excepcionais, maioria absoluta de um só partido, fragilidade extrema da oposição e agora um Presidente "cooperador", aproveitou com perfeição o "ar do tempo", revelando o seu estilo desde o primeiro minuto. O seu governo tem feito algumas coisas bem, mas não é o governo que serve para defrontar os problemas com que Portugal se defronta. Esta percepção reforça-se todos os dias e só a acefalia actual do espaço público tem deixado sem discussão medidas sobre medidas, sempre apresentadas, inclusive pela comunicação social, como inevitáveis. Eu, como já vi muitas coisas "inevitáveis" serem evitadas, como por exemplo a Constituição europeia, pouco me conformo com este ambiente de inevitabilidade.

Pode-se, sobre o governo Sócrates, fazer dois tipos de críticas: ou dizer que faz bem mas faz pouco (que é a linha que de alguma maneira a própria Manuela Ferreira Leite sugeriu no congresso do PSD); ou entender que o que é necessário é fazer de outro modo, muito diferente. Só haverá verdadeira oposição quando se combinarem os dois termos, com preponderância do segundo.

Os não socialistas esquecem-se muitas vezes de que Sócrates é socialista, ou seja, acredita no Estado como protector e corrector social, não concebe vida fora de um jacobinismo económico, social e cultural deslavado e modernizado, que é o socialismo dos dias de hoje. Acrescenta a isso um remake de positivismo cientista, crendo com deslumbramento que as tecnologias mudam a sociedade e não vice-versa, como se percebe no chamado "choque tecnológico", investindo-se em tecnologias de ponta sem se cuidar das literacias necessárias ao seu uso.

O que Sócrates tem feito é defrontar a crise do Estado-providência propondo remédios que atrasam o seu colapso. Não o põe em causa, nem contesta a sua forma, concorda com ele por razões ideológicas. Várias vezes afirmou que essas medidas de austeridade têm como objectivo último garantir a "segurança social" para os portugueses e, com uma oposição que não contesta o essencial da sua atitude, faz o mal e a caramunha, ou seja, governa como governaram Barroso e Lopes e, mesmo aos olhos de muitos opositores do PS, com a vantagem de o fazer melhor do que os seus imediatos antecessores sociais-democratas.

Ora, que eu saiba, não foi Deus que fez o Estado-providência, nem a História chegou ao fim com ele. Foram os homens, numa época, numa circunstância, em determinadas partes do mundo. Resultou, como todas as coisas na sociedade, de uma complexa interacção entre interesses e vontades, entre conflitos sociais e decisões políticas. Adequou-se às sociedades europeias do pós-guerra, geradas pelo Plano Marshall e pela integração europeia e beneficiando das circunstâncias excepcionais de não terem de fazer avultadas despesas militares, porque estavam cobertas pelo guarda-chuva nuclear americano. Só que esse mundo acabou e acabou de vez e poucas dúvidas me sobram de que, mantendo os seus fundamentos iniciais e programáticos, não se fará outra coisa do que gerir nas próximas décadas o empobrecimento e as tensões sociais em Portugal e na Europa, sempre presos nas mesmas políticas de esticar até ao limite o "modelo social", deixando para as gerações futuras uma herança cada vez mais ingerível.

Há alternativas a esta política dos socialistas e elas podem ser socialmente muito mais justas do que as políticas actuais. As medidas de austeridade que o Governo está a tentar implementar, tímidas mas mesmo assim passos de gigante em relação aos governos anteriores, apenas adiam a crise estrutural do Estado-providência e têm custos muito mais gravosos para os mais pobres do que para os ricos. Mais: a seguir-se esta política, a crise tornar-se-á endémica e, com intervalos de pequenos surtos de prosperidade, continuar-se-á a ter de pedir novos sacrifícios e o problema de fundo permanecerá na mesma. Por isso, a prazo, o Estado-providência está condenado, pelas mesmas razões que lhe deram o sucesso. Não sobreviverá nem à globalização nem ao bem-estar adquirido, que não é reproduzível de geração para geração com a composição etária das sociedades ocidentais.

Este é o custo de querer manter sistemas de segurança social universais que não têm outra razão de ser que não seja a ideologia do "modelo social europeu", que os socialistas consideram ser o último reduto do seu "socialismo". A reconfiguração do modelo do nosso Estado devia apenas garantir uma protecção social mínima para quem realmente a exige, limitar a esse mínimo de solidariedade social básica o carácter distributivo dos impostos, assim libertando para cada um a gestão da parte da sua "segurança" que está para além do mínimo garantido e para a economia recursos de que o Estado tem vindo a apropriar-se numa espiral cada vez maior.
O que significa que a única oposição possível é a liberal. Sem este tipo de oposição, não há oposição a não ser a comunista e a do BE, que é uma variante da comunista. Só uma oposição liberal reformista e moderada pode mudar este estado de coisas. O consenso acéfalo dos dias de hoje é favorecido pela inexistência ou debilidade desta oposição.

(No Público de hoje.)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
ANUNCIA-SE, LEGISLA-SE, ...QUANDO SE PUDER FAZ-SE




Hoje, o Diário da República, presenteia-nos com mais um choque tecnológico:

Portaria n.º 657-A/2006 de 29 de Junho - Aprova o Regulamento do Registo Comercial

Preâmbulo:

“O Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, procedeu a uma profunda alteração do Código do Registo Comercial, designadamente com (…) a criação de condições para a plena utilização dos sistemas informáticos e a reformulação de actos e procedimentos internos.

Simultaneamente, procedeu à revogação do Regulamento do Registo Comercial, pelo que se torna necessário aprovar uma nova regulamentação daquele Código, desenvolvendo as novas soluções nele previstas.

Artigo 2.º

Disposições transitórias

1 - Enquanto não se verificar a informatização do serviço de registo, são aplicáveis a este as disposições do Regulamento do Registo Comercial, aprovado pela Portaria n.º 883/89, de 13 de Outubro, que respeitem a livros, fichas e verbetes ou que pressuponham a sua existência.”

Ou seja, a nova lei entrou em vigor, salvo nos seus aspectos principais, em que se aplica a legislação anterior.

Continua-se a fazer tudo como dantes, porque não há condições materiais para implementar a lei. Primeiro anuncia-se e legisla-se. Se e quando se puder, faz-se. Dito, mas não feito. (Estamos a criar condições, dizem no preâmbulo ….)

Valia a pena contabilizar os casos como este. Suspeito que íamos ter uma surpresa.

(RM)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM MONTREAL, CANADÁ


(Ricardo Prata)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 29 de Junho de 2006


Continuam as palavras a revelar as posições. No noticiário da RTP1 sobre a manifestação da FRETILIN em Dili, várias interessantes distinções entre "nós" e "eles", inscritas na escolha das palavras. A favor de Xanana e contra o Governo são os "timorenses", a favor do Governo são "os apoiantes da FRETILIN". De um lado os "jovens", do outro os "manifestantes". Uns são contados para sugerir que são poucos e finitos; outros, nunca são contados para serem os "timorenses", a nação, o povo.
 


INTENDÊNCIA



O caminho para a devolução à origem (a FNAC) do HP Pavilion Dual core continua a passo acelerado. Pelo meio, ficam muitas horas de trabalho perdidas. A assistência da HP após uma longa navegação entre "prima 1 e "prima 2", remete-me para outro número de telefone. No segundo número, um técnico informa-me que é "normal" que não se possa instalar o Windows XP Professional, sobre o Home de origem, devido á configuração especial do software feita na fábrica. Excelente! Depois quando lhe digo que o computador bloqueia sempre que acede à Internet em banda larga, apesar de fazer a ligação, - que o seu irmão HP mais velho ao lado faz na perfeição -, diz que nunca soube da existência desse problema e que deve ser um problema com o modem da Telepac, o mesmo modem que deve existir em milhares de casas. Excelente! O computador liga, não liga? Liga, com alguma dificuldade depois dos bloqueios, mas liga. O software arranca normalmente, não arranca? Arranca, depois de ser reconfigurado de raiz n vezes. O computador liga à Internet não liga? Liga, e funciona entre trinta segundos e um minuto antes de bloquear exigindo ser desligado. Então o problema não é com a HP.

PS. - Agradeço aos meus amigos leitores que me aconselham... a mudar para um Macintosh.
 


EARLY MORNING BLOGS

805 -
"La vieille crut qu'on la méprisait, et grommela quelques menaces entre ses dents."


Il était une fois un Roi et une Reine, qui étaient si fâchés de n'avoir point d'enfants, si fâchés qu'on ne saurait dire. Ils allèrent à toutes les eaux du monde; voeux, pèlerinages, menues dévotions, tout fut mis en oeuvre, et rien n'y faisait. Enfin pourtant la Reine devint grosse, et accoucha d'une fille: on fit un beau Baptême; on donna pour Marraines à la petite Princesse toutes les Fées qu'on pût trouver dans le Pays (il s'en trouva sept), afin que chacune d'elles lui faisant un don, comme c'était la coutume des Fées en ce temps-là, la Princesse eût par ce moyen toutes les perfections imaginables. Après les cérémonies du Baptême toute la compagnie revint au Palais du Roi, où il y avait un grand festin pour les Fées. On mit devant chacune d'elles un couvert magnifique, avec un étui d'or massif, où il y avait une cuiller, une fourchette, et un couteau de fin or, garni de diamants et de rubis. Mais comme chacun prenait sa place à table, on vit entrer une vieille Fée qu'on n'avait point priée parce qu'il y avait plus de cinquante ans qu'elle n'était sortie d'une Tour et qu'on la croyait morte, ou enchantée. Le Roi lui fit donner un couvert, mais il n'y eut pas moyen de lui donner un étui d'or massif, comme aux autres, parce que l'on n'en avait fait faire que sept pour les sept Fées. La vieille crut qu'on la méprisait, et grommela quelques menaces entre ses dents.

(Charles Perrault, La belle au bois dormant)

*

Bom dia!

28.6.06
 


COISAS SIMPLES



Jean-Léon Gérôme, Les pigeons
 


INTENDÊNCIA



Continuo enredado na tarefa, que devia ser simples e se torna cada vez mais complicada, de mudar de um computador para outro, ambos da mesma marca, HP. O meu primeiro encontro com a assistência técnica da HP foi prometedor: tudo o que funciona mal é, pelos vistos, suposto funcionar mal e eu devo resignar-me a essa realidade. Para um computador de topo de gama, é meio caminho andado para ser devolvido à procedência. Vamos ver se consigo evitar o outro meio do caminho, pelos meus meios. Darei notícias para prevenir os incautos.
 


EARLY MORNING BLOGS

804 - IT SURE WAS PLEASANT TO SPEND A DAY IN THE COUNTRY

Farm Implements and Rutabagas in a Landscape

The first of the undecoded messages read: "Popeye sits
in thunder,
Unthought of. From that shoebox of an apartment,
From livid curtain's hue, a tangram emerges: a country."
Meanwhile the Sea Hag was relaxing on a green couch: "How
pleasant
To spend one's vacation en la casa de Popeye," she
scratched
Her cleft chin's solitary hair. She remembered spinach

And was going to ask Wimpy if he had bought any spinach.
"M'love," he intercepted, "the plains are decked out
in thunder
Today, and it shall be as you wish." He scratched
The part of his head under his hat. The apartment
Seemed to grow smaller. "But what if no pleasant
Inspiration plunge us now to the stars? For this is my
country."

Suddenly they remembered how it was cheaper in the country.
Wimpy was thoughtfully cutting open a number 2 can of spinach
When the door opened and Swee'pea crept in. "How pleasant!"
But Swee'pea looked morose. A note was pinned to his bib.
"Thunder
And tears are unavailing," it read. "Henceforth shall
Popeye's apartment
Be but remembered space, toxic or salubrious, whole or
scratched."

Olive came hurtling through the window; its geraniums scratched
Her long thigh. "I have news!" she gasped. "Popeye, forced as
you know to flee the country
One musty gusty evening, by the schemes of his wizened,
duplicate father, jealous of the apartment
And all that it contains, myself and spinach
In particular, heaves bolts of loving thunder
At his own astonished becoming, rupturing the pleasant

Arpeggio of our years. No more shall pleasant
Rays of the sun refresh your sense of growing old, nor the
scratched
Tree-trunks and mossy foliage, only immaculate darkness and
thunder."
She grabbed Swee'pea. "I'm taking the brat to the country."
"But you can't do that--he hasn't even finished his spinach,"
Urged the Sea Hag, looking fearfully around at the apartment.

But Olive was already out of earshot. Now the apartment
Succumbed to a strange new hush. "Actually it's quite pleasant
Here," thought the Sea Hag. "If this is all we need fear from
spinach
Then I don't mind so much. Perhaps we could invite Alice the Goon
over"--she scratched
One dug pensively--"but Wimpy is such a country
Bumpkin, always burping like that." Minute at first, the thunder

Soon filled the apartment. It was domestic thunder,
The color of spinach. Popeye chuckled and scratched
His balls: it sure was pleasant to spend a day in the country.

(John Ashbery)

*

Bom dia!

27.6.06
 


CORREIO / INTENDÊNCIA

Uma mudança de computador, com as habituais complicações, tem afectado o correio mais do que ele já estava com um infinito e irrecuperável atraso nas respostas. As minhas desculpas.
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 27 de Junho de 2006


Os defensores do nosso omnipresente Estado devem estar contentes: conforme declarações do Secretário de Estado do Desporto à TSF uma das coisas de que cuida com desvelo o nosso Governo é escolher (neste caso manter) o selecionador nacional do futebol. É certamente uma questão de Estado...

26.6.06
 


COISAS DA SÁBADO: A FRAGMENTAÇÃO DE ESPANHA

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Existe uma velha máxima da nossa política externa que considera sempre positivas as dificuldades do poder central de Castela face às suas periferias bascas, catalãs e galegas. Qualquer reforço da unidade do estado espanhol é visto como perigoso para Portugal, a única “região” que ficaria de fora da pulsão centralizadora de Madrid e do seu olhar capcioso para um Portugal independente. Desde 1640 agradecemos à Catalunha o puro facto desta existir e assim nos ajudar também a existir. De Espanha, como todos sabemos, não vem nem bom vento, nem bom casamento.

Sei tudo isto e … no entanto, não deixo de ver com preocupação a tendência para a fragmentação do estado espanhol que deu a semana passada outro passo com a aprovação referendária do novo estatuto da Catalunha. É um caminho perigoso, trilhado por Zapatero também no País Basco, abrindo as portas à negociação com a ETA terrorista. É daquelas coisas que hoje parecem pacíficas e benignas, mas que começam a revelar um caminho sem retorno para a independência da Catalunha e do Pais Basco, sob o olhar apaziguador, mas bem pouco espanhol, de Zapatero. Não será nos dias mais próximos, mas língua, impostos, polícias, órgãos de comunicação regionais e proximidades a outros lugares centrais que não Madrid, darão à Espanha dias quentes e isso não é bom para Portugal.

*
Lembro-me de ter lido no Abrupto, aquando duma visita a Budapeste,o seguinte comentário: "A descentração étnica, linguística, cultural e religiosa significa toda uma «história» por resolver (por exemplo, a importante população que fala húngaro e que ficou na Roménia, como se vê no mapa [...])" (Abrupto, 15.5.06) Tenho dificuldade em compreender a posição do Abrupto: por um lado, a aprovação referendária do novo estatuto da Catalunha é considerada "um caminho perigoso", por outro lado, os conflictos étnicos latentes na longínqua Transilvania representam "uma história por resolver". Tentar resolver essa história não seria um caminho perigoso ? Por quê ? Só porque a Espanha está mais perto ? Só porque eventuais "dias quentes" na Hungria e na Roménia não chegariam a ter influência em Portugal ?

(Cristian Barbarosie)

*

Não posso deixar de considerar o seu texto uma manifestação de conservadorismo, no mau sentido do termo. Um medo de mudar nem que seja para se sair de uma situação de injustiça, neste caso a opressão secular de várias nações por um estado imperialista administrativa, culturalmente, etc. Dá-lhe medo que se cumpra um dos princípios consagrado pelas Nações

Unidas, o direito à autodeterminação dos povos. E parece ser um sentimento tão forte e irracional que lhe chega para tirar a conclusão ilógica de que essa independência é prejudicial a um terceiro país, neste caso a nós, Portugal; a conclusão absurda de que quanto maior e mais forte for o vizinho de um pequeno país, melhor será para este último. Isto já não se trata de um julgamento de valor, do direito à autodeterminação dos povos, mas um julgamento de conveniência prática que a ser verdadeira teria levado durante a história a todos os pequenos países desejarem que os seus vizinhos fossem grandes e poderosos.

(Henrique Oliveira)

*

Já em tempos tinha tomado a liberdade de lhe escrever focando o problema que constituía a ausência de qualquer debate estratégico (pelo menos público), em Portugal, sobre a questão das nacionalidades e autonomias de Espanha (e da Península, já agora). Infelizmente, penso o assunto tem sido quase sempre tratado como uma mera questão interna de Espanha e da luta contra o terrorismo da ETA e, mesmo assim, de um modo demasiado emocional: à direita, a sua ala mais radical é quem tem liderado o debate, decalcando as suas posições, de forma imediatista, das posições dos sectores mais conservadores, e também mais emocionais, do PP de Espanha, influenciados pela "Associação de Vítimas da ETA"; à esquerda, demasiado ausente na análise, a emoção ainda remete para a associação da unidade do estado espanhol ao império castelhano, à ditadura franquista e à monarquia do início do século XX. Tudo isto influenciado, por um lado, por uma certa frustração latente no centro-direita em Portugal pelos fracassos dos governos Barroso e Santana Lopes, tentando cavalgar os indiscutíveis sucessos do PP de Espanha durante o governo Aznar; por outro, pelo peso que o pensamento republicano tradicional e as memórias da guerra civil ainda têm em alguns sectores da esquerda e pela associação que sempre se fez das burguesia basca e catalã ao desenvolvimento e ao "progressismo". Em ambos os casos, a ausência de qualquer visão estratégica para Portugal está infelizmente ausente, esquecendo-se que a luta pela unidade/fragmentação da península tem sido uma constante em toda a sua história e que muito pouco distingue um português de um castelhano (muito menos de um galego). Muito menos, certamente, do que o que distingue um basco de um castelhano ou de um catalão... Filho de um madrileno, embora sem sangue espanhol mas com fortes ligações culturais e sentimentais a Espanha, devo ter sido dos poucos portugueses que não foi educado no "ódio a Castela". Por isso, sempre acompanhei a questão das nacionalidades e autonomias peninsulares com um interesse redobrado, mais tarde ainda mais acentuado por contactos profissionais e por um dos meus filhos ter feito parte do seu curso na Universidade Politécnica da Catalunha e uma filha viver e trabalhar actualmente em Madrid. Devo dizer, do ponto de vista estratégico para Portugal, que tenho tudo menos certezas, sendo bem necessário lançar a discussão ignorando o "politicamente correcto" e as emoções. Tenho, contudo, uma certeza: a necessidade de tornar obrigatório o ensino do castelhano na escola portuguesa como segunda língua estrangeira. Sem "ódio a Castela" e sem medo de "perder a pátria" - e antes que se acorde tarde como aconteceu com o Inglês. Quanto a Espanha, o caminho das "nacionalidades" trilhado por Zapatero parece-me inelutável, e só a História dirá até onde. Até porque a direita espanhola não me parece alguma vez ter tido para a questão uma estratégia sustentável, que, com maior ou menor grau de centralismo, fosse muito para além, no limite, da "España Una, Grande Y Libre".

(João Cilia)
 


COISAS DA SÁBADO: XADREZ



Nestas alturas de futebolite aguda, volto ao xadrez. Ouço os berros habituais ao longe, muito ao longe, com o “intelectualismo livresco” deste pobre autor que cometeu o crime de lesa-pátria de não saber quem era o Quaresma… Pois eu respondo aos berros anti-livrescos com o xadrez, venham cá pedir meças, num jogo onde nada se esconde, tudo se vê e não é possível fazer batota. Em poucos jogos é mais evidente o carácter, a psicologia do jogador, a sua agressividade ou calma, a sua racionalidade ou criatividade, a sua teimosia ou ousadia. Mas cuidado, porque o xadrez é, num certo sentido, o mais violento dos jogos. No tabuleiro, o que se passa é uma batalha e quem lá está são soldados, cavaleiros, oficiais, fortalezas e uma tenebrosa rainha, O rei é o penhor da soberania mas, por si, pode pouco.

Está lá tudo, no silêncio, naquela aparente suspensão do mundo que torna os jogadores de xadrez figuras míticas, travando uma batalha épica, isolados no meio de um mundo que lhes passa ao lado. Introspectivo e sem a grande teatralização do espectáculo moderno de massas, o xadrez é ainda um dos pináculos das virtudes da inteligência matemática, posicional, territorial, táctica e estratégica.

Valia a pena haver mais xadrez e muito menos futebol. Por um átomo do que estão a gastar no futebol, estado e privados, podiam colocar centenas de escolas a jogar xadrez, milhares de jovens e crianças a pensar com a cabeça e não com os pés. Fica o país melhor? Fica, fica. Não faz mal nenhum usar os neurónios.

*

Sem colocar em causa o ponto capital do seu artigo "Xadrez", devo dizer que não concordo consigo quando defende que o desporto a que o mesmo se refere é "um jogo onde nada se esconde, tudo se vê e não é possível fazer batota." De facto, já no tempo da União Soviética, Bobby Fisher - histórico jogador norte-americano - se queixava de que os soviéticos combinavam resultados entre si, de forma a terem maior disponibilidade mental para o derrotar. Tal facto levou-o mesmo a afirmar, em 1963, que não voltaria a participar em
torneios da FIDE.

Por outro lado, o "doping" também existe no xadrez. A título meramente indicativo chamaria atenção para o artigo "O 'doping' inteligente para jogadores de xadrez" publicado no Diário de Notícias a vinte e quatro de Janeiro do presente ano.

(Frederico dos Santos Silva)

*

Então V. acredita que estas pobres gentes, mesmo 36 anos depois de Abril, iriam promover o jogo nacional dos patifes dos bolchevistas? E ainda por cima um jogo que estimula o intelecto? Claro que concordo consigo e que me aflijo com um país que vai desbaratando alegrementeo o bem mais precioso de qualquer sociedade: a INSTRUÇÃO.

(José Manuel Calazans)

*

Tem razão quando refere que seria mais útil colocar xadrez nas escolas e daí, gastar efectivamente dinheiro nas escolas (a isso chama-se investimento, não?). Mas sabe, isso é pouco mediático, não dá o show do qual o nosso ministro revela dependência, não é imediato. Moldar uma sociedade leva muito tempo, é um trabalho “silencioso” feito nas escolas, e com efeitos para outros tantos mais anos. O continuar a apostar na bola é continuar a adiar o trabalho dos neurónios (como disse). Como fica bem o povo entretido com a bola; assim não pensa! Esta estratégia qual muleta de regimes passados autoritários, continua preocupantemente actual. Parece-me que afinal, desde que partimos do 25 de Abril, o nosso percurso tem sido um círculo, que está prestes, prestes a fechar-se. Se é que me faço entender.

(Sofia Ávila da Silveira)
 


RETRATOS DO TRABALHO



P. S. Kroyer, Três Pescadores
 


EARLY MORNING BLOGS

803 - THE BOND OF THE SEA

The Nellie, a cruising yawl, swung to her anchor without a flutter of the sails, and was at rest. The flood had made, the wind was nearly calm, and being bound down the river, the only thing for it was to come to and wait for the turn of the tide.

The sea-reach of the Thames stretched before us like the beginning of an interminable waterway. In the offing the sea and the sky were welded together without a joint, and in the luminous space the tanned sails of the barges drifting up with the tide seemed to stand still in red clusters of canvas sharply peaked, with gleams of varnished sprits. A haze rested on the low shores that ran out to sea in vanishing flatness. The air was dark above Gravesend, and farther back still seemed condensed into a mournful gloom, brooding motionless over the biggest, and the greatest, town on earth.

The Director of Companies was our captain and our host. We four affectionately watched his back as he stood in the bows looking to seaward. On the whole river there was nothing that looked half so nautical. He resembled a pilot, which to a seaman is trustworthiness personified. It was difficult to realize his work was not out there in the luminous estuary, but behind him, within the brooding gloom.

Between us there was, as I have already said somewhere, the bond of the sea.

(Joseph Conrad, Heart of Darkness)

*

Bom dia!

25.6.06
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 25 de Junho de 2006


Solidariedade na Futebolândia: estamos sempre muito preocupados com Timor, muito solidários, mas é só depois do futebol. Hoje, que há notícias importantes sobre Timor, em todos os noticiários dos canais de televisão, esperaram vinte minutos (na Sic a mais rápida), para aparecer. Antes disso havia a não-notícia: o espectáculo da bola antes da bola. É assim, prioridades. E a televisão pública deu o exemplo, continuou com o futebol já a SIC dava notícias.
 


EARLY MORNING BLOGS

802 - "O HOMEM SÓ É SUPERIORMENTE FELIZ QUANDO É SUPERIORMENTE CIVILIZADO"

Ora nesse tempo Jacinto concebera uma idéia... Este Príncipe concebera a idéia de que o “homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado”. E pôr homem civilizado o meu camarada entendia aquele que, robustecendo a sua força pensante com todas as noções adquiridas desde Aristóteles, e multiplicando a potência corporal dos seus órgãos com todos os mecanismos inventados desde Terâmenes, criador da roda, se torna um magnífico Adão, quase onipotente, quase onisciente, e apto portanto a recolher dentro duma sociedade, e nos limites do Progresso (tal) como ele se comportava em 1875) todos os gozos e todos os proveitos que resultam de Saber e Poder... Pelo menos assim Jacinto formulava copiosamente a sua idéia, quando conversávamos de fins e destinos humanos, sorvendo bocks poeirentos, sob o toldo das cervejarias filosóficas, no Boulevard Saint-Michel.

Este conceito de Jacinto impressionara os nossos camaradas de cenáculo, que tendo surgido para a vida intelectual, de 1866 a 1875, entre a batalha de Sadova e a batalha de Sedan e ouvindo constantemente, desde então, aos técnicos e aos filósofos, que fora a Espingarda-de-agulha que vencera em Sadova e fora o Mestre-de-escola quem vencera em Sedan, estavam largamente preparados a acreditar que a felicidade dos indivíduos, como a das nações, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da Mecânica e da erudição. Um desses moços mesmo, o nosso inventivo Jorge Carlande, reduzira a teoria de Jacinto, para lhe facilitar a circulação e lhe condensar o brilho, a uma forma algébrica:

Suma ciência X Suma potência= Suma felicidade

E durante dias, do Odeon à Sorbona, foi louvada pela mocidade positiva a Equação Metafísica de Jacinto.

Para Jacinto, porém, o seu conceito não era meramente metafísico e lançado pelo gozo elegante de exercer a razão especulativa: - mas constituía uma regra, toda de realidade e de utilidade, determinando a conduta, modalizando a vida. E já a esse tempo, em concordância com o seu preceito – ele se surtira da Pequena Enciclopédia dos Conhecimentos Universais em setenta e cinco volumes e instalara, sobre os telhados do 202, num mirante envidraçado, um telescópio. Justamente com esse telescópio me tornou ele palpável a sua idéia, numa noite de Agosto, de mole e dormente calor. Nos céus remotos lampejavam relâmpagos lânguidos. Pela Avenida dos Campos Elísios, os fiacres rolavam para as frescuras do Bosque, lentos, abertos, cansados, transbordando de vestidos claros.

- Aqui tens tu, Zé Fernandes (começou Jacinto, encostado à janela do mirante), a teoria que me governa, bem comprovada.


(Eça de Queirós)

*

Bom dia!

24.6.06
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 24 de Junho de 2006


O primeiro retrato, a nossa fragilidade na pedra, por uma mão (ou duas, ou três) com 27.000 anos. Não mudamos nada.

Cave art, France

*

Ribeira no S. JoãoA RTP1 ontem transmitiu em directo o "S. João" do Porto. Mas para poder ter programa, o S. João da televisão não é o S. João do Porto. A televisão transmitiu uma festa organizada para ela própria e o fogo de artifício, mas nem uma coisa nem outra são o S. João do Porto.

O S. João do Porto não se presta a passar na televisão, é uma festa única, absoluta e democrática como nada neste país. Na noite de S. João o Porto sai à rua, para estar na rua e andar na rua. Atrás daquelas festas para a televisão milhares e milhares de pessoas estão pura e simplesmente a andar pelas ruas e a bater na cabeça umas das outras com um alho-porro (cada vez menos) e com uns abomináveis martelos de plástico, que cada vez parecem ser maiores. Em quase todas as casas, ricas e pobres, depois do jantar, as famílias juntas, ou os jovens para um lado e os mais velhos para outro, fecham a casa e vêm para a rua. No S. João do Porto não há lugares centrais, não é uma festa dos bairros populares, é uma festa que se estende por toda a cidade, embora as Fontaínhas e a Ribeira fossem pólos de atracção. Mas eram apenas sítios onde havia alguma coisa mais do que a rua, nas Fontainhas uns carrosséis e farturas e na Ribeira uns bailes. Na Ribeira havia um baile, que penso único nos anos da ditadura, em que homens dançavam com homens e onde pontificava o célebre "Carlinhos da Sé". Os populares da Ribeira impediam qualquer provocação ou incidente, considerando que aquela noite era de todos e da liberdade de todos. Era a noite em que se podia fazer tudo e não havia polícia nas ruas. (Antes do 25 de Abril era também uma noite aproveitada para distribuir panfletos, a que a PIDE estava cada vez mais vigilante embora evitasse dar nas vistas porque com a multidão nada era seguro…).

O ambiente democrático da rua, em que ninguém se livrava de levar com o alho na cabeça, e onde completos desconhecidos trocavam cumprimentos e piropos, revelava o carácter muito especial da única cidade verdadeiramente “burguesa” do país. Trabalhava duro durante o ano e depois tinha a sua Saturnalia, que tomava tão a sério como o trabalho. No Porto, não havia (e não há) essa coisa de “bairros populares” versus “avenidas novas”, nem nobres marialvas e fadistas que depois dos touros vão para as “casas de tabuinhas” conviver com apaches e severas, isto para usar os nomes antigos e poupar os ouvidos sensíveis. No Porto todos, menos os “ingleses” que nunca se viam, estavam na rua. Ora isso não cabe na televisão, só num IMAX e mesmo assim transborda.

Já há uns anos que lá não estou no S. João. Espero que tudo continue assim. Espero.

 


EARLY MORNING BLOGS

801 - CALL ME ISHMAEL

Call me Ishmael. Some years ago- never mind how long precisely- having little or no money in my purse, and nothing particular to interest me on shore, I thought I would sail about a little and see the watery part of the world. It is a way I have of driving off the spleen and regulating the circulation. Whenever I find myself growing grim about the mouth; whenever it is a damp, drizzly November in my soul; whenever I find myself involuntarily pausing before coffin warehouses, and bringing up the rear of every funeral I meet; and especially whenever my hypos get such an upper hand of me, that it requires a strong moral principle to prevent me from deliberately stepping into the street, and methodically knocking people's hats off- then, I account it high time to get to sea as soon as I can. This is my substitute for pistol and ball. With a philosophical flourish Cato throws himself upon his sword; I quietly take to the ship. There is nothing surprising in this. If they but knew it, almost all men in their degree, some time or other, cherish very nearly the same feelings towards the ocean with me.

(Herman Melville)

*

Bom dia!

23.6.06
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 23 de Junho de 2006 (2ª série)


Scary news: Confirmado primeiro caso de transmissão de gripe das aves entre seres humanos.
 


800 EARLY MORNING E OUTRAS EFEMÉRIDES



O primeiro da série era assim:

4.7.03

10:20 (JPP)

VALE A PENA : EARLY MORNING BLOGS


O Comprometido Espectador acrescenta novos elementos sobre a situação italiana por quem a conhece em primeira mão. E propõe um “Ver outra vez” a acrescentar ao “Ler outra vez” . Primeira menção : o Pinóquio de Disney
ou seja era o que é hoje o LENDO / VENDO / OUVINDO, uma revista de blogues. Depois tombou o "VALE A PENA" e ficou apenas o EARLY MORNING BLOGS, ambos sem negrito. A maioria dos blogues citados nos primeiros cinquenta EARLY MORNINGs já desapareceram, embora nalguns casos os seus autores tenham aberto outros, fechados de novo e aberto uma terceira vaga.

A blogosfera era então muito diferente e estava a mudar muito depressa. O grande surto dos blogues era contemporâneo desta nota. Vinha de ser mais pequena, estava a democratizar-se. Era polémica, mas ainda era amável. Estava a tornar-se ácida tão rapidamente quanto se estava a democratizar. Nos EARLY MORNING BLOGs tentou acompanhar-se essas mudanças dando origem àquilo que se veio a chamar "metabloguismo". Recorde-se para a memória que o meta-bloguismo foi recebido com muita hostilidade, em particular pelos autores de blogues pioneiros. Exemplos de metabloguismo nos primeiros cinquenta EARLY MORNING BLOGs:
5 de Julho de 2003: EARLY MORNING BLOGS 2: O mundo continua lá fora e quanto mais vozes se ouvirem melhor. Eu sou um liberal, acredito na lei dos grandes números, na “mão invisível”. Há virtudes na cacofonia, cada voz a menos empobrece.

15 de Julho de 2003: EARLY MORNING BLOGS 9

Quando se lê um número suficiente de blogues e, esforçando-me por sair da rede mais densa do mainstream, – aquele círculo de blogues que estão intensamente “linkados” uns com os outros e tem uma massa crítica suficiente para impor temáticas e aparecer como a face da blogosfera fora dela – apercebem-se as tendências e apercebe-se, acima de tudo, a enorme revolução do meio em Portugal nos últimos meses. Por isso é que o meta-bloguismo é natural, é uma reacção de auto-compreensão e auto-definição compreensível em tempos de tumulto.

Várias coisas aconteceram ao mesmo tempo como é habitual numa revolução. Cito Lenine, já que os nossos amigos à esquerda tem grande pudor em o fazer, - e permito mais umas brincadeiras humorísticas comigo inteiramente previsíveis - porque a frase aplica-se bem ao momento actual da blogosfera :

“Só quando os "de baixo" não querem e os "de cima" não podem continuar vivendo à moda antiga é que a revolução pode triunfar.”

O que se está a dar é a democratização da blogosfera com a entrada de muita gente no duplo sentido: novos blogues e novos leitores. Por outro lado, a exposição exterior dos blogues introduziu diferentes critérios de avaliação que não coincidiam com os dominantes no seu interior.

Este efeito acabou com a blogosfera cosy , fortemente estratificada entre blogues a quem ninguém ligava nenhuma e blogues que através de um permanente diálogo, do auto-elogio, de um espírito de elite que ultrapassava claramente qualquer barreira ideológica, se apresentavam como primus inter pares. A distinção esquerda - direita era menos importante do que a distinção entre os amigos e os desconhecidos, entre “nós, os bons” e eles a turba ignara de mau gosto. A lista de “blogues de serviço público” no Blogo era o retrato desse mundo fechado que explodiu.

Era também natural que a maioria das pessoas se conhecessem umas às outras e fossem amigos. Quando, num meio de comunicação qualquer, todos se conhecem, ou todos tem a mesma idade, ou todos tem a mesma formação, ou todos lêem os mesmos livros, ou frequentam todos os mesmos restaurantes, é porque esse meio está na infância.

Tudo isto gera muitas tensões e uma certa irritação era inevitável (“os "de cima" não podem continuar vivendo à moda antiga”). Nalguns blogues mais antigos há uma clara evolução do blogue-optimismo para o blogue-cepticismo, que nada justifica, porque só um cego é que pensa que a blogosfera está pior porque não é um clube de vinte amigos. É natural que tenham vontade de migrar e para isso, por razões psicológicas, desvalorizam o que deixam para trás.

Um dos aspectos mais saudáveis da democratização da blogosfera é que hoje é mais difícil “competir” (tomem a palavra com a latitude que quiserem), ter influência, já há muitas vozes qualificadas, muito saber em muitas áreas, uma diversificação temática, de opiniões e de escritas, que a capacidade para se afirmar já não depende do elogio mútuo, mas de se ter ou não uma voz própria e persistência. Este último factor é o que mais falta na blogosfera, onde um mês é um século e se chega a conclusões taxativas lendo cinco ou seis blogues de um dia para o outro.

Eu sou liberal no sentido antigo, prezo a chuva e o mau tempo, a fúria e a calma das discussões, e gosto de ouvir muitas vozes diferentes. Como já disse e repito, na blogosfera, a “mão invisível” está dentro da cacofonia e para exercer o seu efeito positivo é suposto ser mesmo “invisível”. A blogosfera portuguesa passou de ter uma mão “visível” para ter uma “invisível” e foi, em primeiro lugar, o número que provocou esse efeito. Mais gente, mais vozes, tudo mais árduo. Esta é a revolução.


19 de Julho: EARLY MORNING BLOGS 12

Nos blogues …

… as pessoas zangam-se muito, são muito piegas, são malcriadas, são gentis, são espertas, são espertinhas, são parvas, copiam, fazem de conta que não copiam, irritam-se, reconciliam-se, cuidam muito da sua identidade, dão-se todas aos estranhos, representam, representam-se, são azedas, são poucas vezes alegres, são tristes, são tristonhas, são fúteis, são totalmente fúteis, têm interesse, têm interesses, têm egos gigantescos, têm egos pequeninos, têm que “dizer-qualquer-coisismo” , deixam cair muitos nomes, deixam cair muitos livros, parece que lêem muito, lêem muito, não lêem quase nada, nunca vêem televisão, tem graça, são engraçadinhas, têm tribos, têm fúrias, têm territórios, estão sozinhas, estão tanto mais sozinhas quanto mais acompanhadas, têm alguns pais, começam a ter filhos, têm maridos, não têm amantes, têm “o que escrevo é para ti”, têm “o que escrevo é só para ti”, têm “o que escrevo é só para ti”, mas é só para mim , ou para o outro(a), não têm muita paciência, têm pressa de chegar a algum lado, têm a esperança de chegar a qualquer lado, estão convictos que não vão chegar a lado nenhum, têm quereres, têm birras, são meli-melo, são assim …

… porque se calhar é assim na vida toda.

Como os blogues não têm editor, a vida aparece sem ser editada.
Engano, puro engano. Funciona aqui um gigantesco editor, o monstro que está dentro.

19 de Julho EARLY MORNING BLOGS 13

Eu sou um adepto do meta-bloguismo, embora pense que o excesso do dito levaria a uma esterilidade completa. O meu meta-bloguismo vem de não conseguir usar um meio sem me esforçar por o perceber. Num primeiro tempo, este olhar “tira” liberdade, condiciona, “prende” e por isso o meta-bloguismo gera sempre um certo mal-estar. Mas há um segundo olhar, que se calhar também vem com o primeiro, que acaba por nos dar uma ainda maior liberdade. Eu sou da escola de quem pensa que conhecer liberta. Não há provavelmente maior ilusão nos últimos duzentos anos, do que achar que as “luzes” alumiam, mas eu prefiro um mundo em que se proceda (eu disse proceda e não acredite) segundo essa ilusão.

28 de Julho: EARLY MORNING BLOGS 19

Matérias que não entram nos blogues: pobreza, desemprego, levar os filhos à escola às oito da manhã, cozinhar (sem ser por prazer), trabalhos domésticos, trabalho de um modo geral com excepção de algum trabalho intelectual, doenças, quase todas as formas de escassez. Lugares que não entram: locais de trabalho fora de universidades, escolas, firmas de informática, telecomunicações, e jornais, nove décimos de Portugal e muito mais ainda.

Pelo contrário, os caminhos do Magnólia à FNAC do Chiado, do Lux ao Algarve ou ao Alentejo, estão tão trilhados nos Moleskines que até deixam um sulco como os carros de bois nas pedras antigas.Nesta matéria não há distinções nem políticas, nem ideológicas, nem esquerda , nem direita.

Não é um julgamento de valor, porque também não entram no Abrupto, é uma constatação, chamemos-lhe assim, social. Para que não percamos a nossa (a minha) medida.

No dia 13 de Setembro, no EARLY MORNING BLUES 39, já a negrito, publica-se o primeiro poema:
Foram os “Early Morning Blues” que deram o nome aos “Early Morning Blogs”. Há vários e em várias versões. Aqui está uma dos The Monkees:

A distant night bird mocks the sun.
I wake as I have always done,
To freshly scented sycamore
And cold bare feet on hardwood floor.

My steaming coffee warms my face
I'm disappointed in the taste.
But there's a peace the early brings
The morning world of growing things.

I feel the moments hurry on
It was today, it's died away,
And now it is forever gone.

And I will drink my coffee slow
And I will watch my shadow grow
And disappear in firelight
And sleep alone again tonight.
e a fórmula foi-se consolidando. Ainda houve um EARLY MORNING BLOGS / BLUES 45, um EARLY MORNING BLOGS / BOOKS 47, um EARLY MORNING BLOGS / SONGS 48. Só bastante depois do cinquenta é que esta parte do Abrupto se tornou o que é hoje. "A poem a day keeps boredom at bay".

(Devo a uma leitora de sempre a gentileza de ter feito uma antologia dos EARLY MORNINGS que me surpreendeu pelas diferenças - de "tom" , como se diz no Miniscente, o que nunca se repete -, embora não com as continuidades, porque eu sou da escola teimosa em matéria do pensamento e opinião.)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 23 de Junho de 2006


The image “http://www.correspondance-voltaire.de/assets/images/mahomet_voltaire.jpg” cannot be displayed, because it contains errors. fac-similé encyclopédie Larousse en 7 volumes des environs de 1905
Em França, no meio do incómodo geral e de muitos silêncios (uma excepção em La République des Livres) , republica-se Le Fanatisme ou Mahomet et le prophète de Voltaire, uma peça de teatro, como o nome indica, contra o fanatismo e a utilização da religião para fomentar o assassinato . Voltaire dizia : « Mahomet n’est ici autre chose que Tartuffe les armes à la main

*

Muito, muito interessante a análise e os exemplos (via Frescos) com que o (ou a? é masculino ou feminino?) Slate examina as críticas dos seus leitores e o problema de uma publicação na Rede corrigir junto da nota original, uma vez esta colocada num arquivo. O modo como no texto em linha se circula entre os tempos do presente e do passado, particularmente quando o passado é tornado presente por novos dados e pelas rectificações dos erros, ainda não está resolvido.
Veja-se este exemplo de uma crítica de um leitor:

"So, if, for instance, you think you've nailed President Bush in an error, link to the whole speech, so people can see the context. That way, when you're mocking Bush for saying, "I'm honored to shake the hand of a brave Iraqi citizen who had his hand cut off by Saddam Hussein," readers can easily go to the full quote, and see that it says

I'm honored to shake the hand of a brave Iraqi citizen who had his hand cut off by Saddam Hussein. … I appreciate Joe Agris, the doctor who helped put these hands on these men. … These men had hands restored because of the generosity and love of an American citizen …

Bush was shaking the prosthetic hands of people whose real hands had been cut off by Hussein. In context, there's nothing risible about his statement (as Spinsanity also noted; for similar examples, see here, here, and here).

Because of this, I think the Bushisms column shouldn't have run this statement. But I realize that others may disagree. That's why, rather than the impossible first-best world of "always quote accurate sources, and in context," I prefer the second-best world in which writers try their hardest to be accurate, but also provide the sources so readers can judge for themselves."

*

Por falar em Timor, está na altura de os órgãos de comunicação social começarem a preparar outra ida e volta dos seus enviados. Até para se saber o que está lá a fazer a GNR, e que timorenses mandam nela, Xanana ou o governo do país. A não ser que tudo isso seja uma ficção e sejam as autoridades portuguesas a decidir quais os timorenses que têm legitimidade para dar ordens à GNR, ou seja, tomem partido. Então, nesse caso, um governo democrático (o nosso) devia ir à Assembleia explicar as suas opções, e uma oposição a sério devia exigi-las. A não ser assim temos que ler os jornais australianos para saber o papel de Portugal na crise de poder em Timor.

*

A doença dos títulos: "Timorenses solidários com Xanana". Todos? A maioria? A resposta certa é "alguns" que até podem ser muitos, os que são trazidos "em camiões e autocarros à capital timorense e juntaram-se às cerca de 700 pessoas que passaram a noite diante do Palácio do Governo." Mais do que isto, o jornalista não sabe e provavelmente não pode saber.
 


EARLY MORNING BLOGS

800

Soneto

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

(Carlos de Oliveira)

*

Bom dia!

22.6.06
 


OS BLOGUES ANTES DOS BLOGUES


"Tenho o fragmento no sangue."
(Cioran)

A escrita que se encontra hoje nos blogues é velha como o tempo, embora o tempo pregue partidas, transformando as coisas noutras muito diferentes. O tempo é aquilo a que hoje se chama os "suportes", no caso da escrita na Rede, a forma dos blogues.

Repito, a tecnologia do software em que assentam os blogues tem um papel ao moldar a sua forma. Vimos no artigo anterior como ela valoriza o presente, presentificando a escrita, obrigando-a à actualidade. Agora podemos ver como ela acentua aspectos da escrita: favorece o texto contido, aquilo que na linguagem da blogosfera se chama o "post curto". O "post curto" gera uma tensão sobre o espaço das palavras, acentua a utilização estética da frase, em combinação com o título e com outros elementos gráficos. O facto de os blogues poderem usar simultaneamente texto e imagens, sons e vídeo está a dar origem à primeira grande vaga de um novo tipo de textos, nascidos na Rede e para serem lidos na Rede.

Os blogues revelam e geram novas normas de leitura na Rede que são distintas dos livros, acentuando a não-linearidade da leitura. Esta segue não apenas a frase, mas as ligações, ganha em espessura ao deslocar-se entre as diferentes páginas associadas pelo hipertexto ( mais em Hypertext). Move-se não apenas no texto, mas também pelas imagens e sons ligados ao texto, em detrimento da leitura sequencial, habitual no livro e nos jornais. A leitura num ecrã raras vezes anda para trás, tende a andar para o lado antes de andar para a frente. A escrita nos blogues é moldada por estas características físicas do novo texto electrónico e, no seu conjunto, está a ensinar a uma geração um novo cânone de leitura e escrita que poucos exploram conscientemente, mas que molda a todos.

Ora nem todo o tipo de texto, nem todos os conteúdos se prestam a esta nova forma que despedaça legibilidades antigas a favor de novas. No "post curto" a escrita vai desde a mera frase com uma ligação, ou seja, uma porta, um caminho que nos leva para longe daquela página, daquele ecrã até à entrada diarística, impressionista ou faceta, até ao mini-ensaio, pouco mais do que o aforismo. É uma escrita que favorece, comunicando quer com os títulos de jornais, quer com o aforismo, a utilização de mecanismos poéticos, mas também humorísticos e sarcásticos. Nesse sentido os blogues caem sob a crítica que Lukács fazia aos textos de Nietzsche - a de serem, pela sua forma, naturalmente irracionalistas, valorizando a metáfora, a sedução estética, em detrimento da argumentação.

Que textos têm esta qualidade de serem protoblogues? Toda a escrita moldada pelo tempo, ou pela "construção" da personagem (ou da obra) pelo tempo. Os diários, ou uma forma muito francesa de diários, os "cadernos". Mas também alguma correspondência e ensaios. Textos que colocados em blogues parecem ser escritos para blogues encontram-se no Para Além do Bem e do Mal de Nietzsche, em anotações de Kafka,

Image 1. Franz Kafka, Journal.

nos "propos" de Alain, nos diários de Morand, nos "cadernos" de Camus, Valery e Cioran. Noutros casos, o tempo e a história "partiram" os textos originais, dando-lhe essa qualidade de escrita de blogues, como acontece com os fragmentos dos pré-socráticos, restos de textos mais compridos, de tratados e de livros. E muito do que encontramos em dicionários de citações, frases que vivem por si próprias, são matéria-prima de blogues.

B. A. Pudliner No plano gráfico, muitos "cadernos" de desenhos, a começar pelos desenhos de Leonardo da Vinci com anotações, muito dos moleskines de artistas, em que o esboço e o texto manuscrito se entrelaçam, alguma banda desenhada, alguns livros de viagens. A fotografia deu origem a fotoblogues, mas está longe de revelar as suas potencialidades na construção narrativa dos blogues, para onde transporta, em imagem, tudo o que valoriza o texto curto: a impressão, o fragmento da realidade, o "olhar" no tempo. No vídeo, o sketch, o pequeno filme caseiro do género dos "apanhados", alguns filmes publicitários. O som é o menos explorado nos blogues, mas a sua utilização, por exemplo no Kottke.org como complemento de viagem - o som dos semáforos de Singapura, o ruído de um mercado, o barulho de uma fábrica -, acentua a fragmentação da narrativa ou da ilustração que está no âmago da escrita dos blogues.

Muito significativamente, todo este tipo de material é favorito na actividade de "cópia-colagem" que também a forma blogue e a Rede favorecem, apropriando-se cada um das citações, de textos e imagens que servem de reforço da sua identidade em linha. Nalgumas experiências com sucesso na blogosfera, diários foram colocados na Rede, como o de Samuel Pepys, que foi transformado num blogue, com o texto original e ligações, dando uma nova legibilidade ao texto original do século XVII.

Seria possível fazer o mesmo com muitos "cadernos" de Cioran, Camus e Valery, muito diferentes entre si, mas todos passando o teste do blogue. O facto de, no caso de Cioran, este não ter a intenção de os divulgar e inclusive ter pedido para que fossem destruídos, não retira aos seus textos a pulsão fragmentária que os aproxima do registo dos blogues. Aliás, Cioran, autor dos Silogismos da Amargura é um cultor de uma forma de escrita muito adaptada ao "post curto".

Valery passava o teste e os seus cadernos ganhariam muito com o uso de hipertexto e ligações. Um aspecto fundamental, nos cadernos de Valery, é a sua utilização como instrumento para a construção da obra, como meio de treinar o pensamento, mas também de o desenvolver, experimentar, testar, deixando-o aparecer sem a responsabilidade do ensaio final, do livro a publicar. Valery usava os seus cadernos, que escreveu ininterruptamente (no final eram cerca de 261 com 28.000 páginas), como um instrumento para pensar, fazendo uso não só da escrita, mas também do desenho, e escrevendo sobre tudo: arte, filosofia, poesia, matemática. E escreveu sobre como o "eu", como o "seu cogito" "funcionava", matéria de blogues, como se sabe.

http://oran2.free.fr/PHOTOS%20MERS%20EL%20KEBIR/slides/Mers%20el%20Kebir%20Saint%20Andre.jpgCamus é, de todos, quem, sem dúvidas, faria um blogue excepcional. A escrita, umas vezes mais tensa e outras mais solta, curta e imagética, intercalando fragmentos de diálogos, recordações de paisagens e de encontros, notas de leitura, revela o olhar de Camus sobre a sua geografia africana peculiar, a Argélia, e sobre os acontecimentos que está a viver. Os cadernos de Camus não só suportariam o formato do blogue, como ganhariam com a imagem na sua dimensão mediterrânica. Ganhariam também com o hipertexto, embora menos que Valery ou Cioran, que quase o exigem para serem devidamente lidos.

Em todos os casos que referi, a legibilidade dos textos na actualidade ganharia com a forma blogue, pela representação mais perfeita do tempo que a Rede permite. Os cadernos de Camus são os que melhor se lêem, enquanto os de Valery e de Cioran só são legíveis, na sua forma livro, em antologias depuradas. O de Cioran tem centenas de páginas de um grosso volume e os de Valery estendem-se por dez volumes na edição da Gallimard. Mesmo em Portugal foram os únicos divulgados numa edição barata e popular, de há muito esgotada.

Por tudo isto, valia a pena, e acabará com certeza por ser feito, o teste prático de colocar todas estas escritas na Rede usando modelos iguais ou próximos dos blogues. A blogosfera terá então ao seu lado Nietzsche, Valery, Camus, Cioran e tantos outros, como autores de blogues.

(No Público.)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 22 de Junho de 2006


Eu bem sei que a vida está difícil para os jornais, mas o que é que leva o Público a pensar que dedicar as suas primeiras dezassete páginas ao futebol, antes de começar o jornal propriamente dito, lhe acrescenta alguma coisa que os seus leitores não encontram noutro lado? Quem é que vai comprar o Público para ler sobre futebol? E quem é que vai deixar de comprar o Público porque ele não embarca (não embarcava) no reino da Futebolândia?

*

Sobre as teorias da conspiração ver os "professores da paranoia".

*

Várias danças com pares e trios e quartetos muito especiais. Um usa muitos anéis, outro é muito frio, outro faz pela vida no meio dos grandes, outro respira uma atmosfera muito especial.
 


EARLY MORNING BLOGS

799

Just Keep Quiet and Nobody Will Notice

There is one thing that ought to be taught in all the colleges,
Which is that people ought to be taught not to go around always making apologies.
I don't mean the kind of apologies people make when they run over you or borrow five dollars or step on your feet,
Because I think that is sort of sweet;
No, I object to one kind of apology alone,
Which is when people spend their time and yours apologizing for everything they own.
You go to their house for a meal,
And they apologize because the anchovies aren't caviar or the partridge is veal;
They apologize privately for the crudeness of the other guests,
And they apologzie publicly for their wife's housekeeping or their husband's jests;
If they give you a book by Dickens they apologize because it isn't by Scott,
And if they take you to the theater, they apologize for the acting and the dialogue and the plot;
They contain more milk of human kindness than the most capacious dairy can,
But if you are from out of town they apologize for everything local and if you are a foreigner they apologize for everything American.
I dread these apologizers even as I am depicting them,
I shudder as I think of the hours that must be spent in contradicting them,
Because you are very rude if you let them emerge from an argument victorious,
And when they say something of theirs is awful, it is your duty to convince them politely that it is magnificent and glorious,
And what particularly bores me with them,
Is that half the time you have to politely contradict them when you rudely agree with them,
So I think there is one rule every host and hostess ought to keep with the comb and nail file and bicarbonate and aromatic spirits on a handy shelf,
Which is don't spoil the denouement by telling the guests everything is terrible, but let them have the thrill of finding it out for themselves.

(Ogden Nash)

*

Bom dia!

20.6.06
 



LENDO / VENDO /OUVINDO

(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(20 de Junho de 2006)


"Ver" o Pólo Norte em tempo real: uma Web Cam num dos sítios mais bizarros da terra. Na realidade, no meio do mar.
 


EARLY MORNING BLOGS

798

Enfin quelle apparence de pouvoir remplir tous les goûts si différents des hommes par un seul ouvrage de morale?

Les uns cherchent des définitions, des divisions, des tables, et de la méthode: ils veulent qu'on leur explique ce que c'est que la vertu en général, et cette vertu en particulier; quelle différence se trouve entre la valeur, la force et la magnanimité; les vices extrêmes par le défaut ou par l'excès entre lesquels chaque vertu se trouve placée, et duquel de ces deux extrêmes elle emprunte davantage; toute autre doctrine ne leur plaît pas. Les autres, contents que l'on réduise les moeurs aux passions et que l'on explique celles-ci par le mouvement du sang, par celui des fibres et des artères, quittent un auteur de tout le reste.


Il s'en trouve d'un troisième ordre qui, persuadés que toute doctrine des moeurs doit tendre à les réformer, à discerner les bonnes d'avec les mauvaises, et à démêler dans les hommes ce qu'il y a de vain, de faible et de ridicule, d'avec ce qu'ils peuvent avoir de bon, de sain et de louable, se plaisent infiniment dans la lecture des livres qui, supposant les principes physiques et moraux rebattus par les anciens et les modernes, se jettent d'abord dans leur application aux moeurs du temps, corrigent les hommes les uns par les autres, par ces images de choses qui leur sont si familières, et dont néanmoins ils ne s'avisaient pas de tirer leur instruction.

Tel est le traité des Caractères des moeurs que nous a laissé Théophraste.

(La Bruyère, Les caractères ou Les moeurs de ce siècle )

*

Bom dia!

19.6.06
 


EARLY MORNING BLOGS

797

Me voici donc seul sur la terre, n'ayant plus de frère, de prochain, d'ami, de société que moi-même. Le plus sociable et le plus aimant des humains en a été proscrit par un accord unanime. Ils ont cherché dans les raffinements de leur haine quel tourment pouvait être le plus cruel à mon âme sensible, et ils ont brisé violemment tous les liens qui m'attachaient à eux. J'aurais aimé les hommes en dépit d'eux-mêmes. Ils n'ont pu qu'en cessant de l'être se dérober à mon affection. Les voilà donc étrangers, inconnus, nuls enfin pour moi puisqu'ils l'ont voulu. Mais moi, détaché d'eux et de tout, que suis-je moi-même? Voilà ce qui me reste à chercher. Malheureusement cette recherche doit être précédée d'un coup d'oeil sur ma position. C'est une idée par laquelle il faut nécessairement que je passe pour arriver d'eux à moi.

(Jean-Jacques Rousseau, Les rêveries du promeneur solitaire)

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Bom dia!
 


FUTEBOLÃNDIA

Obrigado por este presente.

18.6.06
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER OU " EU BEM SABIA QUE DEVIA HAVER ALGO DE DEMONÍACO NOS TELEMÓVEIS" 2

http://www.hha.com.au/imagesweb/0340921455.jpg
Stephen King, Cell
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.Há coisas que Stephen King faz sempre bem: é um mestre da Surpresa. Não há suspense nos seus livros, mas sim pura Surpresa. Depois começa sempre de uma maneira que, à segunda página, já não se larga o livro. Lá para a frente, esmorece um pouco, escreve demais, repete-se, mas percebe-se sempre a capacidade de domínio sobre o leitor, fundamental em livros que usam o terror, o medo, como sedução. Não é arte é ofício, mas é excelente ofício, profissional, capaz. Não admira que venda mais do que qualquer outro autor popular.
 


EARLY MORNING BLOGS 796


Alice was beginning to get very tired of sitting by her sister on the bank, and of having nothing to do: once or twice she had peeped into the book her sister was reading, but it had no pictures or conversations in it, 'and what is the use of a book,' thought Alice 'without pictures or conversation?'

So she was considering in her own mind (as well as she could, for the hot day made her feel very sleepy and stupid), whether the pleasure of making a daisy-chain would be worth the trouble of getting up and picking the daisies, when suddenly a White Rabbit with pink eyes ran close by her.

There was nothing so very remarkable in that; nor did Alice think it so very much out of the way to hear the Rabbit say to itself, 'Oh dear! Oh dear! I shall be late!' (when she thought it over afterwards, it occurred to her that she ought to have wondered at this, but at the time it all seemed quite natural); but when the Rabbit actually took a watch out of its waistcoat-pocket, and looked at it, and then hurried on, Alice started to her feet, for it flashed across her mind that she had never before seen a rabbit with either a waistcoat-pocket, or a watch to take out of it, and burning with curiosity, she ran across the field after it, and fortunately was just in time to see it pop down a large rabbit-hole under the hedge.

In another moment down went Alice after it, never once considering how in the world she was to get out again.

(Lewis Carroll)

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Bom dia!

17.6.06
 


COISAS SIMPLES



(Marie Kroyer)
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER OU " EU BEM SABIA QUE DEVIA HAVER ALGO DE DEMONÍACO NOS TELEMÓVEIS"

http://www.hha.com.au/imagesweb/0340921455.jpg
Stephen King, Cell
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O fim do mundo chega pelos telemóveis.
 


LUIS FILIPE CASTRO MENDES - PORTUGAL E O BRASIL : ATRIBULAÇÕES DE DUAS IDENTIDADES

http://www.comyon.com/bandeira%20do%20brasil.jpg Bandeira Nacional

Como foi que temperaste,
Portugal, meu avôzinho,
Esse gosto misturado
De saudade e de carinho?


MANUEL BANDEIRA

Numa terra radiosa vive um povo
triste. Legaram-lhe essa melancolia
os descobridores que a revelaram ao
mundo e a povoaram.


PAULO PRADO

I DA INFELICIDADE DE SER IBÉRICO…

Um preconceito histórico, persistente no nosso universo cultural desde o Século das Luzes, enfatiza o atraso e a barbárie dos desgraçados povos ibéricos, afastados pelo obscurantismo político e religioso das luzes da civilização, um degrau apenas acima dos mouros e dos cafres, culpados de não serem protestantes, norte-europeus e, consequentemente, trabalhadores, individualistas e empreendedores. Durante os séculos XVIII e XIX, Portugal e a Espanha são vistos pelo mundo civilizado (isto é, o mundo organizado conforme os interesses das potências dominantes) como qualquer coisa de intermédio entre a civilização e o exotismo, não tão estranhos que coubessem nos estudos dos orientalistas, mas suficientemente bizarros para despertarem a ironia superior dos viajantes e o fascínio erótico dos poetas e novelistas.

Ironia da História: esta unidade de destino entre portugueses e espanhóis decorre mais da rejeição de que os dois países foram alvo por parte dos novos centros de poder mundial emergentes no limiar da modernidade, isto é, no fim da idade barroca, do que de uma real identidade de projectos históricos. No século XVI, portugueses e espanhóis, ciosos das suas soberanias e rivais na expansão marítima, sentiam-se, não obstante, partilhar uma cultura comum. Mas esta identidade cultural ibérica, bem visível em Gil Vicente ou Camões, quebrou-se no século XVII, com a tentativa filipina de unificação política sob hegemonia castelhana, que veio determinar um persistente divórcio político e cultural entre os dois países, de que só hoje começamos, felizmente, a sair.

Eduardo Lourenço, no seu ensaio Nós e a Europa ou as Duas Razões, contrapõe à razão cartesiana, que funda a nossa modernidade, uma outra razão, ibérica, contra-reformista, barroca, de que o expoente seria Gracián, o da Agudeza e Arte de Engenho. Nessa razão barroca participaram espanhóis e portugueses, mas também o que, a partir dos espanhóis e dos portugueses, se formava do outro lado do Atlântico: não são Sor Juana Inés de la Cruz e o Padre António Vieira expressões maiores do barroco universal, como o virá a ser, num genial anacronismo, a escultura do Aleijadinho? Não foi a Ratio Studiorum dos jesuítas uma matriz fundadora da cultura no Brasil?

Mas a verdade é que esta rejeição da cultura ibérica foi assumida por um grande número de historiadores brasileiros como a chave que explicaria todos os atrasos, injustiças e opressões sofridos pelo Brasil. A colonização portuguesa seria o pecado original desta terra, o que lhe vedara o acesso ao paraíso ou os caminhos da modernidade.

Esta ideia encontra-se formulada exemplarmente na obra clássica de Sérgio Buarque de Holanda Raízes do Brasil. Todos os obstáculos ao desenvolvimento do Brasil derivariam dos traços de carácter herdados do colonizador português, reconstruídos como um tipo-ideal, à maneira de Max Weber, e contrapostos (sempre seguindo a lição de Weber) àqueles que fundamentam o espírito moderno, essencialmente derivados da ética do protestantismo. Daí o grande confronto, obsessivo na cultura brasileira, entre o Brasil e os Estados Unidos, encarados estes, mesmo quando demonizados, como o supremo paradigma. Bandeirantes e Pioneiros de Vianna Moog é a triste elegia a um Brasil que poderia ter sido, um Brasil que se poderia vir a identificar com os Estados Unidos.

Conhecemos a grande obra de interpretação do Brasil antagónica desta visão, que foi a de Gilberto Freyre. Para o autor de Casa Grande e Senzala foi da colonização portuguesa e da escravidão africana que provieram toda a originalidade e a inovação da civilização brasileira, através do processo de miscigenação. Freyre não idealiza o processo colonizador, mas escreve de uma história olhada sem ressentimentos, com o amor fati nietzscheano e a permanente gula dos sentidos que o tornam o mais moderno de todos os seus contemporâneos.

Com a notável excepção de Vamireh Chacon, as correntes dominantes do pensamento social brasileiro de tendências mais progressistas tenderam a identificar as teses de Gilberto Freyre com o conservadorismo e a nostalgia de uma sociedade patriarcal e pré-moderna, colocando assim as ideias do mestre de Apicucos como mais um obstáculo ao progresso e à emancipação dos brasileiros. Uma rejeição global que José Guilherme Merquior, grande desmistificador, qualificou um dia de “suprema burrice”.

Sem querer intervir neste debate (porque penso, como Alfredo Bosi, que é uma questão ociosa escolher agora quem teriam sido os melhores colonizadores), julgo necessário integorrarmo-nos em que medida as duas correntes de interpretação aqui demarcadas partilhariam um terreno comum, uma visão que da imagem construída do passado histórico deriva para um olhar intemporal sobre o Outro, o português, e em que medida nós, os portugueses, nos confrontamos ainda e sempre com essa imagem intemporal que de nós foram tecendo os brasileiros no processo de construção da sua própria identidade (a piada de português é apenas a manifestação mais superficial e inocente dessa imagem estereotipada).

II …À DESGRAÇA DE SER PORTUGUÊS

O facto é que Portugal hoje aparece no Brasil, de forma inédita, e para surpresa e desconcerto de alguns brasileiros, como um país exportador de investimentos produtivos, alguns em sectores de elevada tecnologia, e não mais como um mero exportador de mão-de-obra pouco qualificada para pequenas empresas de comércio e serviços. Esta mudança da base material da presença portuguesa no Brasil, embora custe muito a ser digerida por alguns (para o historiador Luís Felipe de Alencastro, por exemplo, o investimento português seria apenas um braço subordinado do capital espanhol, esse sim o verdadeiro actor da História), não deixou de trazer mudanças sensíveis à percepção de Portugal do outro lado do Atlântico. Acresce que a imagem de Portugal como persistência de uma sociedade de Antigo Regime encravada na modernidade europeia, tão cultivada também pela intelectualidade brasileira, mesmo quando solidariamente a denunciava, dificilmente se sustenta face à realidade actual de um país democrático, moderno e integrado na União Europeia.

Convém não esquecer que a imagem de Portugal para os brasileiros foi durante muito tempo a de um país atrasado, arcaico, imune à mudança, ancorado no tempo como uma nau de pedra silenciosa. Para os conservadores autêntico guardião das tradições de que nasceu o Brasil, para os progressistas resumo de tudo o que o Brasil deveria destruir dentro de si para ser verdadeiramente moderno e autenticamente justo, Portugal só era tratado pelos brasileiros como um antepassado.

A recente comemoração dos 500 anos do “descobrimento” ou “achamento” ou “encontro” dividiu o Brasil. De um lado os que aceitam a herança portuguesa como uma matriz fundadora da identidade brasileira; do outro aqueles que, não podendo negar essa realidade, não se conformam com ela, porque pensam sinceramente que todos os atrasos e as injustiças do Brasil derivaram em linha directa da colonização portuguesa.

Para dar um exemplo, entre os mais notáveis, um livro como Os Donos do Poder de Raymundo Faoro, na sua visão fixista da sociedade brasileira (tudo se joga na sociedade estamental herdada da colonização portuguesa, que se mantém metafisicamente incorrupta através dos séculos), vem tornar mais compreensível a dificuldade que os brasileiros sentem em reconhecer no antigo país colonizador mudanças que muitas vezes não conseguem ver no seu próprio país. É que o Brasil nunca será “um imenso Portugal”, como cantava Chico Buarque, pela simples razão de que há quase 200 anos que vivemos separados.

Na verdade, para um português é mais claro e mais saudável este sentimento de separação do Brasil do que para um brasileiro. Para nós, o colonialismo português jogou-se no nosso tempo nos dramas de África e há muito já que reconhecemos o Brasil como uma outra nação. Não assim no Brasil, que, de um certo modo, introjectou Portugal, incorporou-o a si mesmo (antropofagicamente, como diriam os modernistas de 1922), olhando-o quase como um capítulo do seu passado, como uma referência incontornável (para o bem e para o mal) da afirmação da sua própria identidade, mas que, por isso mesmo, se tornou estranhamente invisível aos brasileiros enquanto realidade existente e país actual, como diagnosticava Eduardo Lourenço na sua lúcida Nau de Ícaro. Como se para os brasileiros o único sentido de ser português fosse vir a tornar-se brasileiro…

Acresce que à escala mundial vivemos hoje tempos de uma curiosa ofensiva ideológica anti-europeia, fomentada por algum pensamento “politicamente correcto”. Através do conceito de “pós-colonial”, concebe-se por vezes uma estranha frente entre os Estados Unidos, o antigamente chamado Terceiro Mundo e os países industrializados exteriores à Europa (Japão, Canadá, Austrália), opostos em bloco aos europeus por esta nova construção ideológica, que foi denunciada, entre outros, pelo marxista Perry Anderson.

Toda a ideia (já veiculada em 1992, quando do quinto centenário da viagem de Cristóvão Colombo) de que “comemorar os 500 anos é comemorar a violência e a rapina do colonialismo” vem hoje dessa matriz ideológica “pós-colonial”, bem mais do que do velho marxismo, que sempre soube que a violência é parteira da História e nunca simpatizou excessivamente com etnias e sociedades tradicionais. E vem também muitas vezes (e particularmente no caso que nos ocupa) daqueles que, na esteira de certas leituras de Max Weber, atribuem todas as virtudes civilizatórias aos Estados Unidos e aos colonizadores brancos, anglo-saxões e protestantes e todos os estigmas aos colonizadores ibéricos, por acreditarem ingenuamente nas histórias piedosas que os norte-americanos contam sobre si próprios.

Assim, se por um lado os preconceitos anti-portugueses estão conhecendo hoje no Brasil um evidente recuo, registando-se da parte dos intelectuais e dos jovens brasileiros uma nova curiosidade pela nossa cultura, hoje reconhecida nas manifestações da sua novidade e não mais como expoente de manifestações arcaizantes, não deixou algum velho anti-lusitanismo de ressurgir por ocasião das comemorações dos 500 anos, como por exemplo quando o insigne brasilianista inglês Leslie Bethell veio escrever que foi a meu ver um grande erro do Brasil permitir que os portugueses praticamente sequestrassem a celebração do 500 aniversário do Brasil com a ênfase dada ao descobrimento pelos portugueses. A virtude anglo-saxónica vela sobre o Brasil…

Contudo, se atentarmos na mais recente geração brasileira de estudos históricos, sociológicos e até estéticos e literários, não poderemos deixar de ficar impressionados por uma nova ideia de Portugal por eles trazida, bem mais objectiva, crítica e isenta das grandes visões de “tipo-ideal” que os famosos “intérpretes do Brasil” quiseram introduzir afinal como “ideologias do Brasil”. A investigação fez-se menos sequiosa de grandes sínteses de interpretação do destino nacional e mais atenta à rigorosa impiedade dos factos.

Face a este quadro, parece-nos evidente que uma política cultural externa portuguesa para o Brasil deveria ousar trazer a este país as manifestações mais vivas e actuais da nossa cultura e não continuar a responder à sede de tradições conhecidas e requentadas, que apenas confirmam no brasileiro a imagem de um Portugal instalado para sempre nas brumas do passado. Este é o desafio da nossa geração. Mais do que continuar a mostrar como soubémos bem navegar no século XVI, há que demonstrar como sabemos hoje dominar e praticar as linguagens e as tecnologias do nosso tempo.

III – TEMOS TODOS A MESMA IDADE

Mas afinal a História foi sempre feita de paixão e de violência, de sonho e de furor. Quem se lembra de negar o que é, porque a sua origem não é a que desejaria, é como a bela alma hegeliana, incapaz de se inserir no curso da História: um anjo torto.

Porque envergonhar-se da própria origem é a atitude típica do homem do ressentimento, manifestação daquilo a que Freud chama romance familiar, o desejo frustrado de ter pais mais ricos e poderosos. A América foi um sonho dos europeus. Os portugueses sonharam tanto com o Brasil como todos os outros europeus sonharam com a América. Por isso do que deixámos podemos orgulhar-nos, sem ilusões idílicas nem remorsos tardios (ter remorsos, dizia Espinoza, é pecar segunda vez), porque a violência da História foi para nós, como para todos, o quinhão da mesma humanidade.

E Portugal são os portugueses e as portuguesas de hoje, não esse país obscuro e de antanho, convidado de pedra no tempo e na memória, que tantas vezes os brasileiros identificam com Portugal, projectando em nós a imagem do seu próprio passado. Desse passado vimos, mas também contra esse passado nos fizémos no que somos hoje, para o bem e para o mal. Desmentindo o belo poema de Manuel Bandeira, os portugueses não podem ser os avózinhos dos brasileiros, pelas simples razão de que nós, as gerações de hoje, temos afinal a mesma idade.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (6ª série e final)




Não podia estar mais de acordo com a sua crítica sobre a Futebulândia e os excessos dos vários canais televisivos no tempo que a este tema dedicam. Perdoe-me a franqueza, mas o mesmo não se passa com o Abrupto e o Professulândia ? Como antigo leitor, não me reconheço num Abrupto a dar abrigo ao discurso da compaixão.

Que não tem nada de mal em si mesmo e é uma decisão pessoal e soberana. Mas a sua repetição torna o tema trivial, transforma o objecto de amor numa má imagem.

Retornamos ao escapismo meu caro Abrupto: como escapar ao escapismo ??

Ouçamos Barthes:

A-Realidade. Sentimento de ausência,fuga da realidade pelo sujeito apaixonado face ao mundo.

Para me salvar da a-realidade - para retardar a sua chegada - , tento ligar-me ao mundo pelo mau humor. Sustento o discurso contra qualquer coisa (...)

- Fragmentos de um Discurso Amoroso, Edições 70, s.d. ,tradução Isabel Gonçalves

(João Costa)

*

Pergunto-me se vozes vindas das escolas pertencem sempre aos professores. Eu sou aluno do último ano do secundário numa escola norueguesa – uma experiência de um ano, após 11 anos de escola em Portugal – e sou filho de uma professora de matemática do 2º ciclo que sente a sua profissão a 100% e a traz muitas vezes para casa, discutindo as novas reformas e as que estão por fazer, os casos pessoais de alunos que precisam de ajuda, procurando sempre novas ideias para pôr em prática e para tentar catalisar os interesses dos estudantes para a matemática – utilizando, para além dos livros, de jogos, truques de magia, representacões teatrais, etc. Considero que tenho assim uma perspectiva singular sobre a educação em Portugal, especialmente em comparação com a Noruega (que é, afinal, o 1º país do ranking da ONU), e é por isso que escrevo – e porque sou também uma voz dentro da escola.

Já li aí que a obrigatoriedade do ensino faz com que alunos "incorrigíveis" tenham que permanecer na escola até aos 16 anos; mas eles não são "incorrigíveis". Uma diferença substancial entre Portugal e a Noruega, é verdade, é que aqui 98% da população pertence à classe média, o que significa geralmente que tem boas condições de estudo em casa. As condições em que o estudante vive, os pais, o ambiente familiar, são extremamente importantes para a educação de um aluno - a educa ção não passa simplesmente pelos programas educativos e pelos professores, mas por um desenvolvimento social a todos os níveis. Ainda assim é mais que provável que Saramago tenha razão quando diz que ler e gostar não é para todos. E gostar de matemática também não é para todos. E é difícil mudar alunos que, por uma razão ou outra, foram "desviados". Mas é possível, e é dever de todo o professor acreditar nisso. Toda a criança e adolescente tem ou deve ter o direito de estudar e de ter professores que acreditem nele, custe o que custar.

Nem tudo é perfeito na Noruega. Durante os primeiros 10 anos de escolaridade, todos os alunos passam, independentemente das notas. É fonte de uma certa preguiça – aos 14 anos eu estudava muito mais que o meu irmão de acolhimento que tem precisamente essa idade, que apesar de tudo tem boas notas. Toda a gente da minha turma estudava muito mais. Mas apesar de tudo não se ouvem muitas críticas por aqui. É assim que é. E essa é uma diferença fundamental entre os dois sistemas de ensino: em Portugal as reformas, aqui ou ali, chegam demasiadas vezes. Imaginem o dinheiro que se pouparia em manuais escolares se ainda púdessemos usufruir dos de há dez, quinze anos anos atrás (por exemplo, os alunos podiam vender os livros mais baratos em segunda mão, como aqui na Noruega) – mas não, os programas estão sempre a mudar, recuam e depois voltam a ter o mesmo conteúdo. Aparecem provas de afericão de que os alunos ignoram o objectivo, exames para o 9º e 6º anos, os tempos escolares passam de 50 para 45 minutos, mas os blocos de 90 minutos não têm intervalos no meio, os programas são completamente modificados – eu faco parte de um ano de transicão em que tínhamos o horário do ano anterior mas o programa do ano seguinte. Em Portugal tudo está em perfeita mutação. Não existem, pelo mundo fora, sistemas de educação perfeitos. Existem sistemas de educação que dão os seus frutos após algum tempo, que precisam de aprender com os erros e que se vão refinando. Eu senti-me, muitas vezes, genuinamente confuso com estas mudancas abruptas na educacão em Portugal.

Por fim, realço outro pormenor: na Noruega as escolas têm muito mais independência em relação ao Estado, por exemplo no que respeita à capacidade de decidir sobre o pessoal docente. De despedir e contratar. Em Portugal os professores são colocados. Nos milhares de professores desempregados existem muitos com mais qualidade dos que estão colocados. Não existe um sistema de avaliação eficaz dos professores; eles entram com a ajuda da nota do estágio, por exemplo, que depende muito do supervisor que arranjaram. E o outro factor que conta é a idade e o tempo de ensino. O que deixa os jovens no desemprego. Esse não é o maior problema para os estudantes – o mais problemático é que alguns deles são melhores dos que os que estão na escola. Porque na escola existem muitos professores "piores do que estudantes", que muitas vezes faltam às aulas e que fazem pouco mais do que recitar a matéria. Mas também existem muitos que gostam do que fazem, e que se esforcam pelos seus alunos – e esses, acredito, querem ser avaliados, querem a sua própria avaliacão.

Podia escrever mais, mas talvez já tenha dito demais, por isso concluo apenas que ser professor não é fácil, e não é aceitar apenas ter alunos que estudam muito e não têm problemas, mas aceitá-los a todos.

(André Carvalho)

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Todos sabemos que a escola não vai bem. Os alunos abandonam a escola muito cedo, com níveis muito baixos de escolaridade, não conseguindo adquirir competências mínimas, indispensáveis para um mundo de trabalho globalizado e cada vez mais exigente. A falta de qualificação, quer dos jovens, quer dos adultos, torna a nossa economia menos competitiva e, desta forma, irremediavelmente afastada dos índices de desenvolvimento que ambicionamos. Por outro lado, na última década, Portugal tem feito um enorme investimento público em educação. À conta disso, Portugal é o país da OCDE que maior percentagem da despesa corrente gasta em salários de professores, e onde os rácios de aluno por professor são os mais favoráveis da União Europeia. Por isso, seria de esperar que a escola apresentasse melhores resultados. Se isso não acontece é porque o problema é muito mais do que uma questão de meios. Há muito que o problema deixou de ser o dinheiro. Essa desculpa, usada por sucessivos governos para fugirem à responsabilidade de fazer o que deveria ser feito, já não serve. Pelo contrário, num país onde o estado gasta mais do que tem, seria injusto, numa altura em que o estado tem obrigatoriamente de cortar na despesa pública, que na área de educação se deixasse tudo como está, isto é, que se continuasse a por dinheiro na escola sem dela se exigir resultados e uma melhor gestão, racionalização e optimização de meios e recursos.

Serve tudo o que acima foi dito para enquadrar a proposta do ministério de revisão do Estatuto de Carreira Docente. Porque, como é óbvio, os professores não se podem colocar à parte destes problemas, muito menos fazendo-se de vítimas.

Para além da espuma que tem ressaltado da comunicação social, nomeadamente na questão da avaliação dos professores pelos pais e noutras questões técnicas passíveis de alteração mediante negociação com os sindicatos, interessa-me discutir a questão do princípio de avaliação dos professores. Devem ou não os professores ser avaliados? Devem ou não ser distinguidos os bons dos maus professores? Deve ou não haver consequências de uma avaliação?

Não querendo gastar muitas mais linhas a retratar a situação actual, parece-me evidente que o actual Estatuto de Carreira Docente não serve. Em primeiro lugar porque é injusto para os professores, tornando os bons e os maus todos iguais, ao premiar todos. Em segundo lugar porque não assenta em nenhuma lógica de resultados e de objectivos, não estimula os que mais se empenham, torna o sistema ineficiente. Em terceiro porque é economicamente incompreensível, permitindo que, indiscriminadamente, todos cheguem, de uma forma automática, ao topo da carreira.

Para existir qualidade no ensino tem de haver uma boa avaliação dos seus intervenientes. É assim com os alunos. Deve ser assim com os professores. A qualidade tem de ser premiada e tem de haver uma clara discriminação entre os bons e os maus professores. Actualmente, a profissão de professor proporciona inúmeras situações de não ser exercida. Depois de entrar na carreira é um descanso. Para alguns, a segurança de um emprego para a vida e a certeza de uma promoção automática, são as únicas coisas que os prendem à profissão. Muitos caem na rotina, no comodismo e no facilitismo que a carreira oferece. Até os bons professores se desmotivam e acabam por entrar nesta cultura descentrada do seu objectivo principal: o sucesso dos alunos. Por isso que, para bem dos alunos e dos bons professores, é urgente mudar. A escola precisa de voltar a ser credível e isso só é compatível com uma cultura de qualidade e exigência para todos, inclusive para os professores. Porque a escola pública existe por causa dos alunos, é neles que devemos centrar as nossas atenções, ainda que isso possa resultar na perda de direitos de alguns maus professores. Por muito que custe.

João Filipe Marques Narciso (Professor contratado / Setúbal)
 



LENDO / VENDO /OUVINDO

(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(17 de Junho de 2006)


Os nossos homens no espaço. A Estação Espacial vista da terra:

ISS image from Munich Public Observatory

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Mais uma contribuição para a irrelevância da UE, ou, visto de outra maneira, mais uma demonstração do mesmo curso suicidário:
"Os líderes europeus decidiram ontem que uma parte substancial dos debates entre os ministros dos 25 Estados-membros passarão a ser abertos às câmaras de televisão, depois de o assunto andar a ser discutido há anos. "Queremos que entre ar fresco na casa da União Europeia", explicou o chanceler austríaco, Wolfgang Schüssel, que preside à UE até ao próximo dia 1 de Julho. Assim, "todas as deliberações do Conselho Europeu sobre os actos legislativos a adoptar em conjunto com o Parlamento serão abertos ao público, tal como as explicações de voto dos membros do Conselho", afirma o documento com as conclusões da cimeira dedicada à "política da transparência", noticiou a AFP."
(Segundo o Público de hoje.)
Os ingleses foram dos poucos a protestar porque sabem melhor do que os seus congéneres europeus o que é governar e decidir e a necessidade de o fazer de forma discreta, com a liberdade de debate e franqueza de opiniões, pouco compatíveis com a exposição pública dos locais de decisão. Foi o que fez a ministra britânica dos Negócios Estrangeiros, Margaret Beckett.

Esta variante do populismo mediático assenta na crença absurda de que este tipo de escrutínio em tempo real melhora a democracia, mas terá os efeitos exactamente contrários. Ao se parlamentarizarem os conselhos de ministros da UE, a política real, pura e dura, envolvendo interesses nacionais e dinheiro, tenderá a emigrar para locais informais onde não há qualquer escrutínio e responsabilização. Lóbis, funcionários, pessoal dos gabinetes, consultores, agradecem. Os conselhos de ministros europeus ficarão para a conversa políticamente correcta ou para as tiradas destinadas a serem publicitadas para efeito eleitoral interno. Os conselhos tornar-se-ão uma sucursal do Parlamento Europeu.
 


EARLY MORNING BLOGS 795


Uma Após Uma

Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva 'spuma
No moreno das praias.
Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o 'spaço
Do ar entre as nuvens 'scassas.
Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.
Só uma vaga pena inconsequente
Para um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.


(Ricardo Reis)

*

Bom dia!
 


INTENDÊNCIA

http://www.comyon.com/bandeira%20do%20brasil.jpg
Actualizada a nota NUNCA É TARDE PARA APRENDER: PORTUGAL NUM LIVRO BRASILEIRO com colaborações muito interessantes dos leitores. Em breve, colocarei em linha fragmentos de um artigo que Luis Filipe Castro Mendes gentilmente me enviou, sobre as "atribulações" das identidades portuguesa e brasileira , que foi publicado há três anos na revista do MNE em Portugal, e na revista do Real Gabinete de Leitura no Brasil.

Em breve, a 6ª e, em príncipio, a última série de O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VOZES VINDAS DAS ESCOLAS.

16.6.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NA ARGENTINA


Maquinista da linha San Martin, dos caminhos de ferro argentinos, na estação de Villa del Parque, esperando o sinal de partida.

(Francisco F. Teixeira)
 


BLOGUES: A APOTEOSE DO PRESENTE

Os blogues continuam a ser criados a uma velocidade de cruzeiro numa verdadeira revolução mundial de novas formas de "fala" dos indivíduos e dos grupos, o que é um dos reveladores da profunda interligação entre "estados" sociais preexistentes e tecnologias que os exprimem e potenciam. O último balanço do "estado da blogosfera" refere a existência de cerca de 35 milhões de blogues seguidos pela Technorati, uma empresa de referência no estudo dos blogues, duplicando o seu número cada seis meses. Nos últimos três anos, o tamanho da blogosfera cresceu 60 vezes, e o número de blogues criados por dia aproxima-se de 75 mil, o que significa que desde que o leitor começou a ler este artigo quase vinte novos blogues (um por segundo) foram criados em todo o mundo.(1)

Claro que sabemos que "criar" e "manter" não é a mesma coisa, e que muitos dos blogues nascentes não passam do acto da criação, mas mesmo assim só um cego (e ainda há muitos cegos que não querem ver) é que não percebe que se está perante um fenómeno que marcará a nossa época, de um antes e de um depois. Não se trata aqui de avaliar os efeitos da blogosfera nas áreas que lhe são adjacentes, que todas estão a mudar por processos que tanto empurram os blogues, como as mudanças nos hábitos de leitura, de procura, de saber, de "ver", que estão associados à conjugação de novas tecnologias com mutações sociais nas sociedades industriais e democráticas a que chamamos "ocidentais". O movimento que gera o surto de blogues é muito mais profundo do que os próprios blogues, tornando-os ao mesmo tempo causa e efeito, agente de mudanças e revelador de mudanças.Duas coisas não podem porém ser esquecidas, e muitas vezes são-no, na análise da blogosfera: a primeira é que os blogues suportam-se numa forma tecnológica que valoriza determinados aspectos da "fala" que eles contêm e minimiza outros; a segunda é que a "fala" que se encontra nos blogues não é nova, tem precedentes e história. São estes dois aspectos de que falarei, valorizando o aspecto "literário" e criativo dos blogues, em detrimento de outras funções que os blogues também têm em particular no sistema da comunicação social.

Comecemos pelo primeiro aspecto, o modo como a tecnologia, o software, as plataformas de suporte, moldam a forma do blogue, condicionando o produto final. Os blogues evoluíram das páginas pessoais na Rede, num momento de expansão e democratização da Internet, mas não são uma nova forma de páginas pessoais. O que em todas as plataformas populares, a começar pelo pioneiro e mais usado Blogger, se valoriza não é a apresentação de um indivíduo, dos seus interesses, das suas opiniões, do seu "universo" pessoal, mas sim tudo isto situado no tempo.
The image “http://mmeiser.com/blog/images/psychicdebate.gif” cannot be displayed, because it contains errors.Tempo é a chave da novidade dos blogues, os blogues forçam as páginas pessoais a deixarem de ser estáticas e a tornarem-se diários, locais onde opiniões, interesses, confissões, desabafos, impressões, são escritos num ecrã que se comporta como um rolo de papel, que se desdobra entre o presente e o passado. Por isso, acrescentava à frase anterior: tempo desigual, tempo essencialmente presente, é a chave da novidade dos blogues. Na verdade, o ecrã do computador não permite "ler" tudo o que está no blogue da mesma maneira, acentua o que de mais recente é colocado, valoriza no seu prime time a actualidade, o dia último, de preferência o dia de hoje, o presente absoluto. Nos blogues, a actualização é da natureza do próprio instrumento, dominado pelo presente e atirando com o passado para um "arquivo" que raras vezes é consultado.

Nos blogues há uma apoteose do presente, uma menorização do passado e uma inexistência do futuro que condicionam o tipo de escrita e o seu sucesso comunicacional. Este desequilíbrio dos tempos é coerente com alguns dos efeitos da passagem do mundo comunicacional tradicional, da leitura, do silêncio, da lentidão, da memória, para a velocidade do que é "moderno", para um mundo constituído por imagens rápidas, prazer instantâneo e ilusão de simultaneidade. É o mundo dos directos televisivos, do em linha permanente, do mundo que testemunha tudo em tempo real, da aldeia na "aldeia global", da superfície, da pele das coisas do marketing e da publicidade. Os blogues trazem para a "fala" essa mesma velocidade e ilusão de instantaneidade de um mundo sem "edição", ou seja, sem mediação.

O domínio do presente nos blogues molda a "fala", valorizando o comentário, a opinião, a impressão quase em tempo real sobre o presente a acontecer, mais do que sobre o acontecido e por isso comunica historicamente com a voz dos directos da rádio e da imagem da televisão. O sucesso dos blogues chamados "políticos" em Portugal, como aliás noutros países, não se deve a qualquer deformação da blogosfera, que continua a ser maioritariamente constituída por blogues de outra natureza mas com menos audiência, mas sim à natureza dos "assuntos correntes" que eles tratam de forma ainda mais "corrente" do que os media tradicionais. A competição-tensão entre blogues e os media tradicionais vem desse campo de actualidade que a forma blogue potencia e acelera.

Esta relação pesada com o presente fez os blogues superar as páginas pessoais e, mesmo instrumentos fáceis e grátis que surgiram no último ano para criação de páginas pessoais (como o Google Page Creator), estão longe de competir com o interesse pelos blogues. No entanto, a forma blogue é tão perecível como todas as outras e evoluirá com rapidez para outras formas de comunicação, que por sua vez gerarão novos efeitos da "fala".

Algum software já disponível introduz novas funcionalidades que combinam as vantagens da presentificação do blogue com um maior papel para modelos em que a "fala" ganha um novo volume, uma nova densidade temporal. Este caminho será facilitado também pelo aumento exponencial da capacidade de armazenamento dos computadores, aproximando-se da possibilidade de nos "meter" dentro de um disco: memórias, estados de alma, visões, sonhos, sons, leituras, imagens, falas, cheiros, afectos, gestos, saberes.

Os estudos sobre o cérebro, a memória, a realidade virtual, teorias sobre os "meme" e projectos como o MyLifeBits, podem mostrar-nos como evoluirá o software do imediato futuro, disponível para que cada um "fale", em teoria para um mundo inteiro que o pode ouvir. Tudo isto acompanhará aquilo que tenho chamado a "biologização dos devices", a sua colagem ao nosso corpo, à nossa casa, a diminuição da distância física entre nós e as vozes que nos chegam de fora. Não custa compreender as enormes mudanças que estão em curso, todas diminuindo a distinção entre a realidade e a virtualidade, alterando as literacias necessárias para compreender e agir no mundo real, podendo, conforme a "riqueza" da cada um, ser mais inclusivas ou exclusivas socialmente.

A análise deste processo ganha em ser compreendida também pelo passado da "fala" que perpassa nos blogues e dos seus precedentes. No próximo artigo analisarei os diários como protoblogues, escolhendo exemplos em francês, os diários-cadernos de Valery, Camus, Paul Morand e Cioran e as semelhanças e diferenças de uma escrita presa à sua circunstância vivida no tempo.

(1) Utilizei como fonte State of the Blogosphere do Sifry's Alert com dados de Fevereiro de 2006 porque me interessava partir de um conjunto de dados coerentes que tinha analisado em conjunto. A revisão do Público corrigiu-os com os elementos mais recentes, de Abril-Maio, actualizando o número global de blogues para 35 milhões. O crescimento é tão rápido que quando a segunda parte do mesmo estudo foi publicada o número já tinha atingido 37 milhões. O número referido no Jornalismo e Comunicação é o actual (de ontem) de cerca de 45 milhões. O crescimento exponencial da blogosfera explica estas rápidas mudanças de números.

(No Público de 15/6/2006)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(16 de Junho de 2006)


__________________________

No Público de hoje, um grupo de artigos sobre as "utopias" da Internet como comunismo primitivo, ou, conforme os gostos, comunitarismo cristão igualmente primitivo, ou a "civilização da gratuitidade, profetizada por Agostinho da Silva". Vai dar ao mesmo. Estas nem sempre benévolas utopias são a milionésima encarnação do repúdio pela propriedade, tão antigo como a existência da dita, tão populares e tão "primitivas" como as sociedades de caçadores-recolectores. Elas contêm em si, para além de um utopismo político que tem sempre dado péssimos resultados porque se traduz sem excepção em engenharia social "primitiva", ou seja à força, uma confusão sobre as raízes da miséria e da exclusão. No caso da Internet pode ser tudo de graça, pode acabar o direito de autor, pode o mundo dos bits ser "gratuito" (como se lembra num artigo ainda "continua a ser impossível fazer download de bifes, sapatos e casas para habitar ", ou seja, os átomos resistem aos bits), que a fronteira da exclusão/inclusão centrar-se-á nas literacias. E as literacias estão muito desigualmente distribuídas e não é impossível que as mesmas tecnologias, que parecem favorecer a "civilização da gratuitidade", acrescentem ainda mais um fosso aos que já existem. É que não são as tecnologias, nem os efeitos tecnológicos, que mudam a sociedade. É a sociedade que muda a sociedade. Está tudo explicado na obra de um alemão chamado Karl Marx, que tinha que pôr na ordem um seu amigo, Engels que era industrial e acreditava demais no progresso. Marx também acreditava, mas tinha na cabeça um outro ratinho a roer-lhe os optimismos positivistas: a luta de classes.

Ah! já me esquecia , o Público não faz parte da "civilização da gratuitidade" e por isso há que comprar o jornal, ou usar uma técnica da "acumulação socialista primitiva", ou seja, o roubo, para o colocar gratuito em linha.

*

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EARLY MORNING BLOGS 794

The Rose Of Peace


If Michael, leader of God's host
When Heaven and Hell are met,
Looked down on you from Heaven's door-post
He would his deeds forget.
Brooding no more upon God's wars
In his divine homestead,
He would go weave out of the stars
A chaplet for your head.
And all folk seeing him bow down,
And white stars tell your praise,
Would come at last to God's great town,
Led on by gentle ways;
And God would bid His warfare cease,
Saying all things were well;
And softly make a rosy peace,
A peace of Heaven with Hell.


(William Butler Yeats)

*

Bom dia!

15.6.06
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: PORTUGAL NUM LIVRO BRASILEIRO

Paulo Francis: 30 anos esta noitePaulo Francis, Trinta Anos Esta Noite

Noutra altura irei ao livro propriamente dito, mas, para ilustração do nosso ego nacional fictício (agora empolado pela mudança do país para a Futebolândia), aqui vão as referências avulsas a Portugal e aos portugueses, num livro de memórias escrito por um jornalista e escritor brasileiro. As referências são interessantes porque são avulsas, a intenção do livro é autobiográfica e memorialística, mas igualmente reflexiva sobre o Brasil e os brasileiros a pretexto do golpe militar de 1964. Portugal aparece muito de relance, o que é a primeira conclusão: Portugal conta pouco para se poder falar do Brasil.

E, quando conta, é assim:

- havia um condutor de bonde português que dizia "faz favoire" e tinha sempre troco;

- o Brasil importou a preguiça dos portugueses em Goa: nada faziam para viver da terra e melhorá-la, sentavam-se à espera que se lhes entregasse o que havia;

- Getúlio Vargas era o protótipo de uma "tendência autárquica, estatista e nacionalista" com raízes na mesma mentalidade que levou Eça a criticar Paris a favor do "primitivismo espontâneo de Portugal" de A Cidade e as Serras;

- "Sabemos que o papa Alexandre VI, um Borgia, nos deu a Portugal, o país mais atrasado da Europa Ocidental, mal seguro da sua própria independência, cuja língua é referida por n filólogos como um dialecto de Castela. Em que pese o génio de Camões, Eça, Machado e talvez alguns outros, só Richard Burton, o erudito explorador, e Ezra Pound nos deram atenção cultural entre o primeiro time da nossa civilização, se bem que despertamos a curiosidade de um Humboldt e de um Darwin, mas por motivos fósseis...";

- As páginas 231-2 são de recusa e aversão a Portugal. Exemplo do tom: "Talvez algum dia saibamos algo de concreto sobre o nosso passado. Mas há indagações antigas. Por que ingleses e franceses, por exemplo, que dariam a qualquer hora um safanão em Portugal, permitiram que uma vastidão de terra como a nossa coubesse a país tão insignificante? Na escola todo o mundo adorava Maurício de Nassau, pedindo contra razão, porque já conhecíamos o fim da história, que ele ficasse. Houve até a ideia de se fazer um Clube Calabar, o brasileiro que também preferia holandês ao português."

E nada mais.

*

O livro de Paulo Francis é uma brilhante reflexão sobre a sociedade brasileira. Li-o durante uma semana de férias no Rio de Janeiro. Não consegui sair do quarto do hotel até o terminar, tal é a clareza de ideias e sentido autocrítico do autor. Impressiona que o livro tenha sido escrito em 1994 e esteja tão atual, num país que mudou tanto desde então. Se as referências a Portugal são ácidas e escassas, a crítica ao Brasil é demolidora e assusta de tão lúcida. É preciso coragem para ler este livro e continuar a acreditar no país. Reduzi-lo às impressões sobre Portugal é um equívoco.

Realmente, a elite brasileira, ademais um conceito bastante vago, não tem Portugal como referência. Seria estranho que assim fosse, uma vez que a elite portuguesa se divide entre referências intelectuais estrangeiras, precisamente as mesmas que servem de modelo ao Brasil. Além disso, qualquer pessoa que conhece o Brasil, não apenas o país das férias tropicais, sabe que as únicas regiões do país que conseguiram desenvolver sociedades mais ou menos próperas e instituições típicas de países desenvolvidos, foram aquelas onde a colonização portuguesa é pouco importante.

Recomendo a leitura de um livro muito bom, publicado recentemente em Portugal, chamado "O Império à Deriva". É sobre o reinado de D. João no Brasil. Ajuda a entender o Rio de hoje e, melhor ainda, o Portugal de sempre. Se a imagem que o Brasil faz hoje de Portugal não é aquela que o nosso ego gostaria, é todavia melhor do que aquela que temos de nós próprios, pelo menos em tempo de depressão nacional. Basta ler as colunas de opinião do Público. Apenas um comentário final: é muito mais fácil ser Português aqui do que Brasileiro em Portugal. Não se deixem enganar pelas aparências. Até porque no Brasil as coisas nunca são exatamente o que parecem.

(Vitor Salvador Picão Gonçalves, Portuense, Professor da Universidade de Brasília)

*

Não há uma única ex-colónia francesa, holandesa, alemã ou espanhola que apresente razoáveis desenvolvida. Não há sequer uma que seja mais desenvolvida do que o Brasil - talvez a Costa Rica..... e a sua meia dúzia de habitantes....

Quanto às ex-colónias só temos quatro mais desenvolvidas do que o Brasil, a Nova Zelândia, a Austrália, os EUA e o Canadá. Todos países em que as zonas desenvolvidas são de clima temperado tipo europeu, e onde foi bastante fácil transferir tecnologia agricola da Europa para as colónias - desde sementes até ao gado - ou tente um inglês levar gado e as culturas do seu clima para o Brasil para ver a produtividade que obtem...

Está até o Brasil à frente da África do Sul...país onde a emigração "wasp" teve o poder até há uma década.

O exemplo de desenvolvimento das restantes colónias mostra que os portugueses foram o povo que melhor interiorizou os custos de adaptação dos seus processos, metodologias e culturas a climas tropicais.

Essa conversa de brasileiro só mostra uma enorme ignorância sobre o mundo e sobre ele próprio, porque sejamos francos, já são independentes há 184 anos.....e perante tanta estupidez só mesmo o desprezo de quem tem um passaporte europeu - que é o que as elites brasileiros mais pena têm de não ter.

(João)

*

Há um enorme vazio de estudos sistemáticos das representações que persistem na actualidade sobre a presença colonial portuguesa nos diferentes espaços. Em África, por exemplo, estudos/pesquisas que versem sobre o pensamento social, sobretudo numa perspectiva de psicologia social e que fujam, de algum modo, aos modelos analíticos normalmente usados no estudo das sociedades «tradicionais» pelos antropólogos (nada tenho contra os antropólogos, pelo contrário), são praticamente inexistentes. Reduzir as representações sobre a presença colonial portuguesa a amor/ódio; as «elites» e os outros; etc. sabe a pouco, pelo menos naquilo que a África diz respeito.

Quanto ao «portuga» do Brasil, acrescento que não se detecta nada de semelhante em Moçambique onde tenho feito trabalho de campo (quiçá em África). A relação é representada como que num patamar de amor/ódio, mas sem a desvalorização cultural do «outro» (ex-colono). Outra nota é a de que no caso de alguns espaços em Moçambique, como Tete, quando se fala do colono português surge sistematicamente em contraponto ao inglês e isso não se reduz ao «mau» versus o «bom». Parece-me também que a exorcização dos fantasmas da colonização está melhor consolidada nos ex-colonizados do que nos ex-colonos.

Envio excertos de entrevistas realizadas em 1998 com cidadãos comuns das províncias de Maputo, Nampula e Tete (espaços urbanos e rurais) e que podem ajudar a pensar. Os entrevistados foram no geral homens adultos. É um trabalho que ainda está em andamento numa nova versão, pelo que se dispõem de outros dados. Disponibilizar o que se segue «a cru» pode originar acusações imediatas de «neo-colonialismo», «saudosismo» ou o que seja. Mas arrisco:

Serviços forçados. Fizeram isso. Mas estavam-nos a ensinar (...). Para termos uma noção direita.”; “O branco, até agora branco, muita gente que vivia nesse tempo está a chamar do branco, porque o branco ele batia, mas dava qualquer coisa a você saberes.”; “Nessa altura (...) havia algum sofrimento porque aquele que fosse trabalhar, quando faltasse um dia, era apanhado, era dado porrada. E... sabendo que o benefício era para ele mais tarde, mas tinha que disciplinar a pessoa.”; “Eles [os mais velhos] sempre falam, dizer que os colonos sempre nos educaram para andarmos asseados. Alguns... os nossos bisavós para pôr sapato era preciso ser obrigado.”; “Havia coordenação [entre nós e os portugueses]. (...) Davam palmatória para educar. Isso da escola era educação que hoje estamos a gostar. (...) Levei [muitas reguadas]! (...) Era para o meu benefício. Hoje já estou melhor. Já estou a receber. Já estou a ganhar o pão.”; “Para mim não abusou [o português].”; “(...) o colono proibia fazer aguardente aqui, tradicional (...) em parte cheguei de compreender hoje que estava a fazer bem porque as pessoas morriam com aquela aguardente porque o ácido era mais exagerado, não tinha limite.”; “(...) naquele tempo tinha quarta classe. Era limite do... do indígena. (...) era tempo de boas coisas também para nós, porque não sabia os estudos.”; “Eu gostei [do tempo colonial]. (...) Os mais novos são sempre... como até hoje nos livros só fala escravatura, escravatura, escravatura (...) e não souberam como viveram com... com os portugueses. Houve escravatura sim (...). Para construir um país tem de haver sacrifício de nós todos.”; “Gostei [de viver com os portugueses] porque tinha acostumado também aqueles ali. Tinham razão.”; “Gostei muito de viver com os portugueses naquele tempo.”; “(...) tudo era bom para mim, por causa, quando estavam aqui os portugueses nós - ah! - era satisfeito.”; “Mas o... para mim o tempo colonial foi muito bom porque aquilo que você precisava na altura, apanhava com dinheiro.”; “Pela minha parte foi bom [o tempo colonial] porque (...) eu era consciente. Não mexe (...) não era ladrão (...). É por isso que eu acho que português, pela minha parte, era bom.”; “Eu tenho muita saudade. Até aquele tempo era muito lindo.”; - “Isso sim! Isso acontecia [o negro ser penalizado por discutir com um branco]. (...) Era uma injustiça, sim.”; “Há o colono que sempre... não queria... dar o negro como pessoa. Só dar o negro como... como animal.”; “(...) só vi os meus pais serem carregados, serem amarrados para ir trabalhar forçado (...) a outra coisa foi a cultura de algodão, de arroz, também foi muito rigoroso.”; “Mas mesmo assim, aquilo tudo já passou. Aquilo tudo já passou.”; “Não há problemas para dar. Hum. Já encerrámos tudo aquilo que então se deu. Aquela ferida que alguém me cortou. Já a ferida, já está... está já encerrado.”; “Outros gente dizem que tempo daquele [colonial] até às vezes alguns, nossos bisavós, carregavam as pessoas nos ombros.”; “Abria estradas assim com as mãos. (...) Não havia coisas boas. (...) éramos tratados como escravos não sei de onde.”; “Era mal... era mal por causa que tinha chibalo, trabalho nas linhas férreas e nas plantações. (...) Aprendi isso na escola.”; “Iam à força [para o chibalo, contratados]. (...) Não recebiam! (...) Quando saíam daqui, iam para a Beira. Depois, quando acabarem aquilo na Beira, doze meses, vinham para aqui. Chegavam na administração e diziam-lhes «Olha lá: toma lá a sua guia de imposto do seu dinheiro que trabalhou na Beira!»”; “Realmente isto [racismo] senti bastante. (...) E o negro nada tinha que atribuir. (...) numa pequena falha aparecia o branco e batia. (...) Portanto, um africano perante um branco não podia agir.”

(Gabriel Mithá Ribeiro)

*

Embora o ponto de vista sobre a pequenez de Portugal visto do Brasil seja interessante, talvez não seja inútil frisar alguns aspectos que são bem conhecidos das pessoas mais familiarizadas com a vida cultural e mediática do Brasil:


1 - O clube de fãs de Maurício de Nassau é bastante grande entre as pessoas mais ou menos letradas do Brasil. Não é caso para menos, já que a casa de Nassau trouxe para o Norte do Brasil alguns indícios de modernidade, que contrastava com a decadência e o atraso que se tinham tornado característicos da Coroa portuguesa. Os mesmos motivos levaram grande parte da elite portuguesa de então (excepto a que morreu em Alcácer-Quibir) a saudar Filipe II de Espanha como rei de Portugal.

2 - A "xingação" brasileira com a figura do Português não é muito diferente da de muitos portugueses com o Alentejano, o Galego, o Preto, etc. Trata-se sempre de achincalhar um arquétipo de pessoa pobre, esforçada e mais ou menos desadaptada da realidade circundante.

3 - Quanto à «ilustração do nosso ego nacional fictício (agora empolado pela mudança do país para a Futebolândia)», o Brasil não tem de pedir-nos lições nessa matéria. O Brasil oscila sempre, aos olhos dos seus, entre o paraíso na Terra («Deus é brasileiro», etc.) e o pior dos países («o Brasil é uma merda», etc.).

4 - Só queria sublinhar como algumas das piores características da nossa «identidade» (irrealismo, sebastianismo, infantilização perante o Estado, ausência de ética de trabalho) existem muito parecidas no Brasil. Penso que era o Agostinho da Silva que dizia que «o Brasil é Portugal à solta».

Para concluir, não me incomoda nada que o nosso pequeno rectângulo europeu,cuja única grandeza geográfica reside nas águas territoriais, seja visto do Brasil como uma nação de pouca monta. O que me incomoda é que não saibamos ser mais eficazes, mais realistas, mais «virtuosos» nas nossas relações com o Brasil, pois haver no mundo um país daquela dimensão de língua oficial portuguesa não é uma questão de somenos importância para o nosso futuro enquanto país.

Nada disto me impede, com é óbvio, de «torcer» por Portugal em primeiro lugar e pelo Brasil, quando nós não estamos presentes.

(Miguel Magalhães)

*

Irritam-me solenemente estes brasileiros que culpam o atraso, o fracasso, a corrupção deles e todos os seus defeitos em Portugal.

Sinceramente, considero estes brasileiros ressabiados pseudo-intelectuais de retrete uns adolescentes malcriados que culpam tudo o que existe de mal nas gerações anteriores e que nada fazem para melhorar o seu presente estado, senão parar no café, fumar ganza e mandar bocas.


Se calhar as colónias espanholas estão muito melhor? E as colonias inglesas, holandesas e de outros países europeus completamente exploradas, tanto a nível económico e humano não contam?

Vão ser tapadinhos lá fora! Podemos der atrasadinhos mas se eles andam na miséria é porque nada fazem para sair dela.

Se calhar o Brasil saiu ao Pai.

(João)

*

Talvez ache esta pertunta muito estúpida, mas acha possivel que pessoas habituadas a climas frios e chuvosos como os holandeses se tivessem conseguido habituar ao tropical Brasil ? O mesmo vale seguramente para os ingleses e menos para os franceses...

(Eduardo Tomé)

*

Há muitos anos que eu sei que os nossos ex-colonizados não gostam de nós.

Descobri-o relativamente aos brasileiros há uns 22 anos, quando estava a doutorar-me, frequentava os laboratórios de “Automática” de Toulouse, e convivia com os muitos bolseiros brasileiros que por lá havia.

Em Timor descobriu-o o meu pai, aos 80 anos, que como velho colono nunca alimentou nenhuma estima especial pelo país donde partiu há mais de meio século, e que por lá andou há pouco a fazer levantamentos hidroeléctricos prospectivos, por conta da ONU. Veio de lá a dizer ser óbvio que as poucas estradas e outras infra-estruturas existentes foram feitas sob a ocupação indonésia e que os jovens nem sabiam falar português...

E descobri-lo com os africanos não requer mais do que acompanhar os media.

Esta é, aliás, uma das razões por que, por muito tempo, achei uma quimera vã a nostalgia frequente que vê no “espaço lusófono” uma aposta estratégica para o nosso desenvolvimento económico. Sempre achei a ideia com muita da ilusão salazarista.

Mas com o tempo mudei um bocado de opinião.

Quem na realidade não gosta de nós, nesses países, são as élites. No Brasil, quase sempre os intelectuais, especialmente os de esquerda. Em Àfrica, os detentores de cargos políticos que os herdaram da Administração colonial. E em Timor, acho que todos gostam de nós.

Porém, o que tenho visto é que a nível de povo, quer em turismo, quer em negócios, é diferente. Aí, descobre-se de facto que o império deixou marcas e afectos mútos.

Talvez você precise de uma “descida ao povo” desse tipo para o descobrir, Pacheco Pereira. Deixe lá a leitura dos intelectuais e vá lá comprar ou vender qualquer coisa, ou descansar em Maceió, ou instalar um negócio, e vai ver...

José Luís Pinto de Sá

*

Um romance brasileiro onde os portugueses (ou, melhor dizendo, um português) são encarados de um ponto de vista claramente mais positivo do que no de Paulo Francis é «O meu pé de laranja lima», de José Mauro de Vasconcelos.

José Carlos Santos
 


EARLY MORNING BLOGS 793

Épigraphe pour un livre condamné

Lecteur paisible et bucolique,
Sobre et naïf homme de bien,
Jette ce livre saturnien,
Orgiaque et mélancolique.

Si tu n'as fait ta rhétorique
Chez Satan, le rusé doyen,
Jette ! tu n'y comprendrais rien,
Ou tu me croirais hystérique.

Mais si, sans se laisser charmer,
Ton oeil sait plonger dans les gouffres,
Lis-moi, pour apprendre à m'aimer ;

Ame curieuse qui souffres
Et vas cherchant ton paradis,
Plains-moi !... sinon, je te maudis !

(Charles Baudelaire)

*

Bom dia!
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (5ª série)



Como professor: uma grande parte de nós concordam com muito do que a Sra. ministra está a tentar alterar. No entanto, achamos que não era por aí que começávamos. Conclui-se rapidamente que nem o Ministério nem os sindicatos fazem ideia do que é a vida na sala de aula e na escola. Qualquer professor do activo sabe o que o ministério, em primeiro lugar devia alterar (pequenas medidas sem implicações financeiras) para que a escola fosse um local melhor e com resultados imediatos (perdoe-me a presunção). Por exemplo: sou director de turma há vários anos e, apesar dos esforços constantes, verifico que os pais, como muitos têm dito, nunca foram à escola (60 a 70%), e os que aparecem são dos alunos com melhores prestações..... Se todas as prestações sociais (abono de família, subsidio de desemprego e todos os outros) dependessem de uma informação do DT , concerteza que teríamos os pais na escola e isso era decisivo.

(António Barreira)

*

A professora Ana Teresa Mendes da Silva começa por assumir que há professores bons (que gostariam de ser avaliados) e maus (os tais que ganham o mesmo que os outros a troco de muito pouco), mas depois desata a dizer que os professores (num todo) é que preenchem uma série de necessidades dos alunos que os seus pais (que considera também num todo) supostamente não satisfazem.

Gostaria que tivesse a ideia que os pais dos alunos sabem perfeitamente que há uns professores e os outros, assim como também eles próprios podem ser cuidadosos e esmerados ou desleixados e incompetentes. Gostaria de lhe descrever um professor que conheço por ser o de um filho meu: perto do topo da sua carreira e com fama de ser um bom professor, em dois anos não fez uma visita de estudo sequer; vai repetidamente ao médico e ao dentista (digamos semana sim, semana não, dentro do seu horário lectivo) e, além de faltar com frequência às 6ª feiras, só neste ano lectivo faltou ainda 2 períodos de 15 dias. Como tarefas não lectivas, e uma vez que a escola, por falta de instalações não dispõe de prolongamento de horário, foi incumbido de periodicamente colaborar no apoio ao refeitório da escola (1º ciclo) mas não o faz alegadamente porque o cheiro da comida lhe ficava nos cabelos. Chega a dizer aos alunos que está farto deles. Claro que este professor só pode ter medo de ser avaliado não só pelos pais dos alunos como também pela sua assiduidade e pelo seu projecto de trabalho.

Há dias li no Público um jornalista a indignar-se com a ideia de os pais participarem na avaliação dos professores, alegando que seria bonito por exemplo as famílias dos doentes avaliarem os médicos. Acontece que essa prática por acaso está prevista e começa a ser usada em algumas instituições de saúde. A avaliação da satisfação dos utilizadores dos serviços (que em Medicina não são só os doentes mas também os seus cuidadores) é uma componente essencial da avaliação da qualidade dos serviços, de saúde e não só. Não cabe na cabeça de ninguém que um médico (ou um professor) seja muito bom mas afinal a maioria dos utentes (ou dos pais dos alunos) não goste dele.

Ainda quanto às queixas de as promoções até ao topo da carreira não serem para todos, essa é a ordem natural das coisas: quantos funcionários de uma empresa chegam aos seus quadros superiores? Mesmo na função pública e na área em que estou, para um médico chegar ao grau de chefe de serviço tem de concorrer a um concurso com vagas limitadas que podem inclusive não ser ocupadas se os médicos candidatos não atingirem o nível desejado. São provas duras a que muitos nem sequer se submetem e, de entre os que se submetem, alguns ficam forçosamente pelo caminho.

As reacções em bloco desprestigiam os bons professores que se deviam querer distinguir dos outros. Sabemos que frequentemente trabalham em condições muito desfavoráveis prosseguindo por vezes objectivos mais ambiciosos que os que lhe seriam estritamente exigíveis. Todos tivemos professores desses e sabemos reconhecê-los. O que não é admissível é que as más condições de trabalho sirvam como desculpa para os que não cumprem, não se esforçam ou, simplesmente, não têm capacidade para mais mas querem, de qualquer forma, chegar tão longe como os outros.

(Mónica G.)

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Sem o brado mediático do encerramento de qualquer fábrica no litoral, uma verdadeira revolução está a ser operada no mundo rural. O distrito de Bragança vai perder este mês 225 escolas.

Retirada qualquer tentativa de problematizar o tema, duas simples conclusões, as aldeias nunca mais vão ser as mesmas e encerra também uma das últimas esperanças para o mundo rural!

(José Alegre Mesquita)


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Ao longo da vida tenho deparado resultados semelhantes aos observados em relação aos professores.

Será que tudo se pode resumir na frase: o sindicalismo de reivindicação salarial (ou equivalente) teve demasiado sucesso?

Será que se pode dizer que é justamente o sucesso do sindicalismo que matas as “conquistas alcançadas”.

Ou será que os alvos em que o sindicalismo se centra são inapropriados?

Ou, ainda, será que o sindicalismo, no que respeita aos professores, já deu o que tinha a dar? Será de se passar a algum tipo de nova fase?

Os professores não devem ser mercenários do ensino: se receberem, ensinam, não importa o quê ou como, ou em que condições (excluindo as salariais).

Diria que falta ainda uma discussão à volta da dicotomia autoridade/formas de a exercer para a tornar efectiva ­ ou andamos todos a cuspir para o ar. De forma mais prosaica diria: desculpem lá, meus amigos, mas em matéria de disciplina o professor tem sempre razão ­ o pouco que sobra são excepções que confirmam a regra.

(Henrique Martins)

*

Hoje na versão em papel do Público o Ministério da Educação publica aquilo a que chama de edital. Este edital publicita o "Enriquecimento Curricular para o 1º ciclo" e o "plano da matemática para os 2º e 3º ciclos". Normalmente são publicados na "zona" dos classificados, mas esta é uma publicidade paga. Não seria a primeira vez é certo mas o que me pasma é o facto de o edital interessar apenas às escolas públicas. Ao que sei o ME possui hoje mais do que nunca de linhas próprias de comunicação com as escolas e mesmo com os executivos. Qual a necessidade de publicitar uma medida destas? Uma simples circular como tantas outras (com ordens vinculativas) não seria suficiente? É apenas publicidade e enganosa. É apenas mais uma evidencia da forma como o ME usa a comunicação social. Usa-a para vincular uma imagem distorcida das suas politicas educativas. Hoje como nunca o assunto "professores" vende mais que o assunto "escola" os senhores professores estão na capa do Expresso, nos jornais diários e pasme-se até nas revistas cor-de-rosa. Pena é que todos falam de bancada e sem grande ponderação. Apenas e só por terem andado na escola e recordarem este ou aquele docente acham que sabem como corrigir o sistema. Será demasiado tarde quando se perceber que estas politicas não ajudam os professores a serem melhores, pelo contrário. Que não melhoram o sistema, pelo contrário. Na verdade não existe uma verdadeira politica educativa ou existindo está orientadada claramente pelas necessidades de conter a evolução da massa salarial e o seu peso no orçamento.

As politicas educativas deste governo explicam-se em poucas linhas:

Não há dinheiro no mealheiro (facto)

A carreira dos docentes implica um aumento da massa salarial exponencial tendo em conta a actual carreira baseada na experiência (ou como dizem antiguidade);

O actual peso da massa salarial no orçamento da educação é de cerca 93% ( dados da OCDE já que o ME nunca mencionou os seus próprios números) e cerca de 58% das despesas fixas do estado.

Melhorar os índices de escolaridade (ainda que artificialmente) de modo a tornar mais atractivo o investimento no nosso país.

Para qualquer individuo que acompanhe a actualidade compreende que este é um "Estado à Rasca" (não rasca - embora também) e que a forma mais rápida e eficaz de alcançar o equilíbrio financeiro será actuar onde as medidas surtam maior efeito neste balanço.

Estamos assim perante uma necessidade isto eu compreendo embora como professor não me agrade. Qualquer um compreende desde que lhe expliquem. O que eu não entendo é que se vire toda uma sociedade contra os professores e se procure encapotar medidas económicas como educativas. Nenhuma das medidas até agora tomadas irão melhorar os resultados dos alunos e têm contribuído para a degradação das condições de trabalho dos professores e isto tem consequências.

O que agrava a situação é justamente o facto de as condições de trabalho dos docentes se virem a degradar de alguns anos a esta parte. Os sindicatos devem exigir do ME condições de trabalho para os docentes e saírem do caminho relativamente às politicas educativas de modo a não serem responsabilizados pelas mesmas como hoje acontece. Devem exigir, por exemplo, que todo o tempo passado na escola seja contabilizado ou como componente lectiva ou como componente não lectivas (actualmente um professor passa cerca de duas horas na escola que não são contabilizadas - são os chamados intervalos cuja necessidade não pode ser colocada em causa), para além de uma generalizada má gestão de recursos evidente nas escolas. Pode parecer mesquinho mas o ME cortou em 5min as aulas e pôs os professores a trabalhar mais dois tempos (outras duas horas) de borla. O tempo é um aspecto importante nesta profissão. Os professores devem exigir condições de trabalho de modo a concretizarem as medidas do ministério e não passar a vida a contestar essas mesmas politicas.Eu sou professor e faço o que me mandam apenas quero condições para o fazer. A responsabilização dos alunos com consequências claras devem também ser implementadas. Não faz sentido nenhum não partilhar responsabilidades. As escolas não podem continuar a ser mais um braço do polvo do Estado Social(ista). A escola deve afirmar-se e ter à sua volta os meios e recursos para tal e não o contrario ao estar ao serviço de politicas sociais. Como cidadão estou preocupado com o rumo da educação (pública) e a forma leviana como este assunto tem sido tratado pela comunicação social e por muitos dos fazedores de opiniões. Adivinha-se o crescimento do ensino privado mas sobretudo o aparecimento de Escolas sem parelismo pedagógico com o ensino oficial mas que se afirmarão pela excelência das metodologias (e da capacidade de financiamento dos papás).

(Carlos Brás)

*

Por causa das trapalhadas que o leitor Bártolo descreve, na definição das qualificações para o ensino especial, a minha mulher, que se dedica a esse tipo de ensino há muitos anos, que acaba de ganhar um concurso municipal por um projecto que apresentou para a recuperação de crianças com dificuldades especiais na sua àrea de escola, que tem um mestrado em Ciências de Educação e também uma dessas pós-graduações “rápidas” em ensino especial, que tem já um total de 23 anos de serviço, a minha mulher baralhou-se no preenchimento das suas qualificações no boletim de concurso e foi excluída...!!!

Para o não é bem possível que fique no desemprego!

(José Luís Pinto de Sá)

13.6.06
 


COISAS SIMPLES



(John Frederick Peto)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(13 de Junho de 2006)


__________________________

Nuvens como nunca as tinhamos visto: a Tempestade Tropical "Alberto" vista pelo novo satélite Cloudsat da NASA. Os "olhos" da meteorologia nunca mais vão ser os mesmos.

 


EARLY MORNING BLOGS 792

1er janvier


Enfant, on vous dira plus tard que le grand-père
Vous adorait ; qu'il fit de son mieux sur la terre,
Qu'il eut fort peu de joie et beaucoup d'envieux,
Qu'au temps où vous étiez petits il était vieux,
Qu'il n'avait pas de mots bourrus ni d'airs moroses,
Et qu'il vous a quittés dans la saison des roses ;
Qu'il est mort, que c'était un bonhomme clément ;
Que, dans l'hiver fameux du grand bombardement,
Il traversait Paris tragique et plein d'épées,
Pour vous porter des tas de jouets, des poupées,
Et des pantins faisant mille gestes bouffons ;
Et vous serez pensifs sous les arbres profonds.


(Victor Hugo)

*

Bom dia!

12.6.06
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (4ª série)



(...) Perguntem a qualquer professor digno desse nome se ele quer ser avaliado. E a resposta é SIM! Claro que sim! Mas qual é o bom profissional que investe na carreira e que quer ter o mesmo Satisfaz automático num relatório para progressão na carreira que aquele que vê o ensino como uma forma de ganhar dinheiro "para os alfinetes"? Qual é o bom profissional que investe muito do seu tempo e da sua energia para querer depois ser "metido no mesmo saco" daquele que pouco ou nada faz??? Qual é o professor digno desse nome que gosta de ganhar o mesmo (ou ainda menos, se estiver num escalão inferior) do que aquele que é bem pior profissional do que ele?

Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante para achar que pode existir sem professores? Será este país tão estúpido para achar que a forma de limpar o ensino dos maus profissionais (que existem, claro que sim! E não contem comigo para ser corporativista...) é atacar todos os professores, atribuir-lhes as causas de todos os males da sociedade, desde os meninos que se drogam porque os professores faltam (ouvi isto da boca do senhor Albino, da Confederação de Pais) até aos de falta de produtividade do país? Será este país tão estúpido e tão arrogante que entenda poder não reconhecer as horas que os professores dedicam a preparar as aulas, a pensar em como “agarrar” aquele aluno que anda meio perdido, a telefonar vezes sem conta para os pais do outro miúdo que anda completamente desorientado, a gastar dinheiro do seu bolso em materiais de apoio, a levá-los em visitas de estudo a ver museus, teatros, exposições, conhecer coisas que muitos pais, confortáveis nos seus fins de semana de centro comercial, não estão para fazer? Já agora, para os que dizem que os professores só querem passear, pensem que o podemos fazer com os nossos filhos e amigos, sem ter que passar 12 horas fora de casa de um dia que, passado na escola, seria de muitas menos e sem a responsabilidade de tomar conta dos filhos dos outros. Será este país tão estúpido e tão arrogante que esqueça que são os professores, como é, obviamente, sua função e responsabilidade, a dar a todos os alunos o melhor das ferramentas de que dispõem, sejam elas científicas, intelectuais, sociais, de cidadania e de tudo o mais que possam imaginar e entender necessárias?

Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante que não perceba que sem os professores que tentam tirar os miúdos do miserabilismo intelectual em que muitos vivem (independentemente da classe social) teremos cada vez mais uma escola de pobrezinhos onde, para não haver insucesso, devo partir daquilo que "a criança" é e sabe, descer ao encontro dos seus interesses, por causa do insucesso, etc,etc,etc... (como isto dá jeito aos donos dos colégios...)? Assim, ajudamos os “pobrezinhos” a cumprirem o seu (pré)desígnio na vida... Será este país tão estúpido que não perceba que sem os professores que se estão a borrifar para estes determinismos sociais e que tanto trabalham, se for essa a vontade do aluno, para ser médico o filho do cozinheiro como o do deputado, teremos cada vez mais o país da elite, a quem tudo é possível, e o dos outros, fechados e condenados ao atraso e a perpetuarem o meio onde tiveram o azar de nascer?

Será este país de "professores de bancada" (pois, tal como no futebol, todos parecem saber mais do que é ser professor do que nós, pelos vistos os mais incompetentes de todos os profissionais deste país!) capaz de parar de gastar o tempo (tempo este em que muitos se poderiam dedicar, digamos, a educar os próprios filhos, a ir à escola saber deles, a dedicar-lhes uns minutos, sei lá...!) a fazer analogias entre as empresas privadas e os professores? Será este país tão estúpido e tão cego que não veja, nas empresas, as políticas de incentivo, os prémios de produtividade, os seminários de motivação, os telemóveis de serviço, os computadores da empresa para trabalhar em casa e, sem ir ao mais óbvio, os ordenados? Será este país tão estúpido que não entenda que os professores são profissionais qualificados, não têm o 9º ano nem tão só o 12º? Portanto, sejam pelos menos honestos (se não conseguirem ser inteligentes!) nas comparações.

Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante? Quantos de vós não devem muito do que são a professores que tiveram? Ou os vossos filhos?

Será o meu país tão cego e tão arrogante???

Assim, perguntem a qualquer professor digno desse nome se ele que ser avaliado... E ele responde-vos que SIM! O que não queremos mais é ser constantemente humilhados, culpabilizados, achincalhados, denegridos, tratados sem a consideração, o respeito e a inteligência que a minha profissão e o meu profissionalismo me concedem o direito de exigir!

E, citando Almada Negreiros:

UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO!

... cada geração tem o Dantas que merece! Mas também tem nas suas mãos o poder de o reduzir à sua insignificância... Até porque do Dantas, o verdadeiro, o Júlio, não fora o testemunho/desabafo do Almada Negreiros, e já se teria dissolvido na poeira dos tempos...

5 de Junho de 2006

(Ana Cristina Mendes da Silva, professora do departamento de Língua Portuguesa do quadro de nomeação definitiva da Escola Secundária da Amadora)

*

Sou professor do ensino primário (do 1º ciclo na terminologia actual), tenho 49 anos de idade e cerca de 28 de serviço (20 dos quais na educação especial). Ao longa da minha vida profissional sempre tentei estudar e aprender. Antes da "formação em serviço" fornecida pelo ministério paguei do meu, na altura, magro salário muitas inscrições em cursos e seminários. Em 1988 tive a oportunidade ir estudar a tempo inteiro durante 2 anos (DESE em Educação Especial na ESE do Porto) e em 1998 fiz um mestrado em educação na Universidade do Minho.

Sempre defendi a avaliação das escolas e dos professores. Mas, neste momento, sinto-me ofendido pela ministra.(...) É muito mais fácil avaliar os professores do que avaliar as escolas. Mas, uma boa avaliação das escolas, com medidas de acompanhamento para as escolas com problemas, como fazem os ingleses, permitiria melhorias na qualidade da escola. Temo bem que avaliando-se apenas os professores o único resultado que se conseguirá é, no curto prazo, travar as progressões automáticas e contribuir para a redução do défice. Devo dizer que não sou simpatizante do PSD, concordei com algumas das medidas do Dr. David Justino e discordei de outras, mas tenho de reconhecer as medidas eram articuladas e tinham uma lógica.

Voltando à actual ministra continuo sem perceber a atitude dos sindicatos (talvez seja por isso que deixei de ser sócio há mais de 10 anos). Esta equipa ministerial tem mostrado uma incompetência escandalosa na implementação de algumas medidas e, sobre isso, os sindicatos nada dizem.

Passo a citar apenas alguns exemplos:

- Foi criado um quadro de professores de educação especial. Até agora estes professores eram colocados de acordo com o nível de ensino correspondente à sua formação inicial. No novo quadro são criados 3 grupos de docência correspondentes a diferentes tipos de deficiência dos alunos. A estes lugares podem concorrer professores de qualquer grau de ensino (desde o jardim de infância ao secundário), desde que sejam especializados. Esta especialização é conferida pela frequência de uma pós graduação de cerca de 300 horas.

Ou seja, como não se diferenciaram as vagas por níveis de ensino, pode acontecer que num agrupamento sejam colocadas apenas educadoras de infância que terão de apoiar alunos até ao 3º ciclo. Noutro podem ter sido colocados só professores de 3º ciclo, que terão de apoiar todos os alunos, incluindo crianças de jardim de infância e, eventualmente, até bebés.

Devo esclarecer que não estou minimamente preocupado com os professores. Estou preocupado com as crianças, sobretudo as mais pequenas porque esses anos são fundamentais para o seu desenvolvimento. Na educação especial quanto mais cedo começa uma intervenção de qualidade mais hipóteses há de minorar os problemas da criança.

- Neste "famoso" concurso os professores só poderiam concorrer se tivessem a especialização, mas a nota dessa especialização não contava para a sua graduação profissional. A experiência profissional em educação especial também não. Aos professores era perguntado se possuíam pelo menos 365 dias de serviço na educação especial. Assim, um professor com 20 anos de serviço total que tem apenas um ano de experiência em educação especial fica à frente de outro com 19 anos e 364 dias de serviço total que tem 12 anos de experiência em educação especial.

- Para "completar o ramalhete" o despacho que regulamentava as habilitações foi acrescentado 3 vezes, duas delas durante o próprio concurso!

- No final do ano lectivo anterior foi alterado à pressa o despacho 105 (não sei o ano), que regulamentava a educação especial, e foi substituído pelo Despacho n.º 10856/2005 que poucas alterações introduziu. Uma dessas alterações passou a ser a obrigatoriedade de os professores realizarem, em Maio, um relatório individual sobre cada aluno. Esse relatório seria validado pelas Equipas de Coordenação (ECAE) e enviado às direcções regionais que, por sua vez, o enviariam para o ministério. Foi definido um modelo de relatório e criado um formulário em Microsoft Word para o seu preenchimento. Pelo menos tomaram uma decisão sensata: o relatório seria enviado em formato electrónico.

- No presente ano lectivo comecei, em devido tempo, a perguntar se haveria alterações ao modelo do relatório. Foi-me dito que aguardasse. Há cerca de duas semanas finalmente chegou o novo modelo. Agora é feito on-line (é o choque tecnológico). Até aqui tudo bem, o problema é que atribuíram a mesma password aos professores de dois concelhos (abrangido pela mesma ECAE) e o nome de utilizador é o da ECAE. Ou seja, qualquer professor destes concelhos, ao aceder ao sistema tem acesso não só ao nome completo das crianças, como também ao que os colegas escreveram.

Estou com um problema de consciência grave: tenho de fazer os relatórios mas, simultaneamente, queria proteger os meus alunos e as suas famílias. Os pais e as crianças com problemas não têm direitos?

Podia continuar a citar um conjunto de incidentes em que há ordens e contra ordens. A ministra ou um dos seus secretários de estado reúnem com os conselhos executivos e dão uma ordem. As coisas funcionam mal no terreno, há contra ordem. Desde há muitos anos que não se sentia uma tão grande instabilidade nas escolas. Felizmente decidi deixar a educação especial e voltar ao ensino regular, e digo felizmente apesar de ir ganhar menos e ter mais 5 horas de aulas por semana.

A propósito de horários, a ministra voltou à ideia de, "nos agrupamentos em que não haja outros meios", nos pôr a servir de babysiter aos meninos após as 5 horas diárias de aulas. Quando é que preparo aulas e corrijo trabalhos? Nunca me preocupei se excedia as 35 horas semanais mas, este ano, se me transformarem em babysiter passarei a ter cuidado para não as exceder.

(Vítor Bártolo)
 


COISAS DA SÁBADO:
UMA DIVERTIDA E A SEU MODO FABULOSA REPORTAGEM DA VELHINHA QUE TINHA UMA ESTUFA DE CANABIS EM CAVEZ


http://civicforum.chattablogs.com/archives/images/canabis.jpgNo Correio da Manhã dominical a história de uma velhinha de Cavez que tinha umas “sementinhas” num saco e resolveu “estrumar as batatinhas”. Tudo assim gentil e em diminutivos. As “sementinhas” eram afinal de uma “coisa perigosa para os homens”. “Ora não quer ver isto?” perguntou a velhinha quando lhe entrou a GNR em casa. Queriam ver queriam e disseram-lhe que aquilo servia para fazer “charros”. “Charros?! Que é isso? Não sei , não senhora. Chicharros? Peixe para comer…”, disse D. Carmo do alto da sua magnífica inocência. Ainda há momentos assim. Eram era tomates a crescer, na estufa (eu por mim punha as mãos no fogo pela D. Carmo se não fosse a estufa…). Mas os vizinhos já não sabem o que é um coração puro e malévolos diziam “Então uma mulher daquelas não via que aquilo não podia ser tomates!”. Maldosos, ainda a planta não tinha frutos, vizinhos, só folhas! E assim vamos no interior profundo com a chegada das culturas para o mercado, numa agricultura de subsistência.
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(12 de Junho de 2006)


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A Pátria com que estamos sempre a encher a boca, mas que não usamos.
Montra de um alfarrabista do Porto, hoje:


(Gil Coelho)

*

Estranha noção de serviço público: a RTP1, no telejornal da uma, demorou vinte e um minutos a perceber que um noticiário é suposto ser para dar notícias e não transmitir uns cidadãos aos saltos vestidos de vermelho e verde. Depois, despachou dez minutos de notícias à pressa e voltou aos cidadãos no seu exercício nobre de gritar. Os defensores da televisão estatal estão sempre a encher a boca com a diferença do serviço público face aos ignaros dos privados. Vê-se.

*

E não é que todos os comentadores se tornaram comentadores desportivos! A Futebolândia já tem "pensamento único", que escorre da televisão, dos jornais, dos blogues, das cabeças como se viesse da Cornucópia da Abundância. Estamos em plena "felicidade" pelo Esférico. Saltem muito, é o que vos desejo. A sério, saltem, saltem, pode vir daí uma desorganização das ideias que seja salutar à Pátria. Duvido, mas não excluo nenhum milagre.
 


COISAS DA SÁBADO: OS INTELECTUAIS

Henry Kissinger

têm todas as razões para a má fama de que gozam em todos os sítios menos a França que os gerou. Um bom exemplo do mal dos intelectuais está à vista nos papéis desclassificados de Kissinger que só agora estão disponíveis. Sobram poucas dúvidas que Kissinger foi um dos grandes diplomatas do século XX, um homem que marcou a diplomacia da grande potência americana como poucos. Ele não era um homem de negócios amigo de um Presidente como alguns dos seus colegas, alguns dos quais também bons diplomatas. Kissinger era um intelectual de sólidos méritos, um académico, um estudioso da história do século XIX e um teórico das relações internacionais. Era também o protótipo do político pragmático e realista, uma encarnação viva da realpolitik, defendendo acima de tudo os interesses nacionais dos EUA. No entanto, não lhe faltava visão, como se viu em todo o processo “chinês” de Nixon.

Mas, uma vez intelectual, sempre intelectual: entre as conversações secretas desclassificadas há uma em que Kissinger coloca objecções ao processo de democratização de Espanha, manifestando-se contra a legalização do Partido Comunista. Às tantas comentou naquilo que pretendia ser um elogio, ainda sob reserva, ao Rei de Espanha: “o Rei ainda não mostrou a capacidade que têm os Bourbons para a auto-destruição”. Sabia muito, o hoje velho Kissinger. E de facto Rei não mostrou mesmo essa capacidade suicidária dos Bourbons: contrariou Kissinger, legalizou o PCE, e foi fundamental para vencer o golpe dos saudosistas de Franco. Como Bourbon não está mal.
 


EARLY MORNING BLOGS 791

Rough Country


Give me a landscape made of obstacles,
of steep hills and jutting glacial rock,
where the low-running streams are quick to flood
the grassy fields and bottomlands.
. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . A place
no engineers can master–where the roads
must twist like tendrils up the mountainside
on narrow cliffs where boulders block the way.
Where tall black trunks of lightning-scalded pine
push through the tangled woods to make a roost
for hawks and swarming crows.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . , And sharp inclines
where twisting through the thorn-thick underbrush,
scratched and exhausted, one turns suddenly
to find an unexpected waterfall,
not half a mile from the nearest road,
a spot so hard to reach that no one comes–
a hiding place, a shrine for dragonflies
and nesting jays, a sign that there is still
one piece of property that won't be owned.


(Dana Gioia)

*

Bom dia!

11.6.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NA RIA DE AVEIRO, PORTUGAL



Hoje, domingo.

(Gil Coelho)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(11 de Junho de 2006)


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A actividade relacionada com os blogues - leitores, autores, colaboradores, correspondentes - é um indicador excelente e rigoroso dos ciclos de actividade/descanso daquilo que no marketing se chama o horroroso nome ( e se calhar verdadeiro) de "classe média baixa". Deve estar tudo a banhos.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (3ª série)



Causa-me alguma perplexidade verificar que "as vozes que vêm da escola" se focalizam em questões técnico-pedagógicas e de índole corporativa e evitam as referências ao que, se bem ajuízo, é essencial e lhes é prévio: a questão da autoridade nas escolas e do que é necessário fazer para a repor.

De facto, a escola teve, tem e terá de assegurar duas funções: a instrução e, pelo menos complementar e supletivamente a outras instituições sociais, a educação, entendida como o desenvolvimento de atitudes e comportamentos socialmente desejaveis. o problema é que essas atitudes e comportamentos não são ideologicamente neutros pelo que, nas réplicas do Maio, não admira que a função educativa da escola tenha sido violentemente posta em causa: a escola era "burguesa" e visava "a reprodução/manutenção das estruturas sociais burguesas" e da "ideologia dominante" ou, dito dum modo metafórico embora inócuo dado o meio, a colocação de "another brick in the wall" o que justificava a ordem, irada, "hey, teachers, leave the kids alone".

Ora, não é possível instruir sem previamente educar e não é possível educar sem o criterioso recurso a mecanismos de punição/recompensa que pressupõem a autoridade para os aplicar. E foi essa autoridade que os professores foram paulatinamente perdendo: de cedência em cedência, a escola foi-se transformando num mero local anárquico, violento, onde, sem custos, os progenitores depositam os rebentos enquanto fazem pela vida esperando que, sem sobressaltos nem canseiras, atinjam a idade em que não são obrigados a frequentá-la e, nalguns casos, transitem para a universidade.

Este estado calamitoso a que a escola chegou requer a reposição da autoridade do professor na sala de aula e da do (inexistente!) director na escola bem como a credibilidade/efectividade das sanções que lhe são inerentes o que obriga, por muito incorrecto que seja, a questionar dois tabus :

a obrigatoriedade da ferquência das escolas até aos 16 anos que, para todos os efeitos, impede a expulsão do sistema de todos aqueles que apresentarem incorrigiveis comportamentos desviantes; a gratuitidade do ensino: as pessoas tendem a desvalorizar e a desperdiçar tudo aquilo que lhes não custa nada.

(José Fonseca)

*

Para quem se interessa por Educação, o texto de Lafforgue sobre a Educação na URSS e na Rússia de hoje é interessantíssimo.

Como o nosso caos educativo tem, segundo opiniões muito consensuais, origem na “ditadura” das direcções sindicais e do staff do Ministério, que são identificados com a Esquerda e de facto muito apoiados pela Esquerda política, é curioso ver que a cultura educativa e escolar soviética e hoje russa – considerada, pelos seus resultados, um sucesso consolidado de muitas décadas – apresenta tudo que viola a “cartilha” da esquerda educativa – disciplina, competição entre escolas, autonomia de decisão, diferenciação, apoio à progressão dos melhores alunos, etc., etc.

Lafforgue é um grande matemático francês que se demitiu de uma comissão nomeada para rever o ensino francês, quando lá encontrou todos os responsáveis pelo seu descalabro. O site que criou para divulgar o caso. Para acesso directo ao pdf sobre o ensino russo, antes soviético.

(Eduardo Pedrozo)

*

Tenho lido um coro de protestos acerca da Ministra da Educação no seu blog, por causa da revisão do ECD. A minha opinião é que pela primeira vez em muitos anos estamos perante um verdadeiro caso de sucesso na Governação. E a oposição neste aspecto devia ter a coragem de o dizer.

O tão propalado facto de os professores passarem a ser avaliados pelos pais é uma atoarda lançada para a comunicação social e que os jornalistas, que não fazem o trabalho de casa comeram. Os pais apenas têm que se pronunciar num item acerca dos professores e não irá ser isso que será determinante na sua avaliação.

O que está verdadeiramente em causa é que ninguém quer ser avaliado.

O ponto mais controverso da revisão do ECD é o facto de se permitir a existência de dois tipos de professores numa escola. Os titulares que têm acesso ao 9º e 10º escalão e os outros. Aqui é que poderão eventualmente vir a criar-se injustiças já que o novo ECD estabelece cotas para os professores titulares, que não poderão ser superiores a determinado número em cada escola.

Ora se esse número já estiver preenchido hoje vai ser necessário ou que os professores titulares já no 9º e 10º escalão mudem de escola, se reformem ou morram para que os outros por mais competentes que sejam, possam ter esse privilégio.

O que está mal já, que ainda predomina muito o laxismo. Por isso os titulares por muito incompetentes que sejam, nunca ninguém vai ter coragem de os denunciar para os mais aptos ocuparem esses lugares.

Já se sabe que se um professor estiver à beira da reforma mesmo que não faça nada todos os outros se vão calar. Isto segundo o princípio bem português, hoje és tu amanhã posso ser eu, ou seja cobardia.

Mas por outro lado é sabido que existe um problema de fundo na Função Pública. Os quadros que entram e os quadros que estão no topo da carreira ou dirigentes ganham pouco e os quadros intermédios ganham demais. Para isto mudar é preciso coragem. E a coragem também passa pela avaliação que a Ministra quer implementar.

Só gostava era de saber onde andam as palmas da oposição.

Ao não aplaudir só está a demonstrar que também está amarrada e ir a reboque dos sindicatos. Há-de chegar o dia em que os sindicatos vão aplaudir (já esteve mais longe) e depois vamos ver o PSD e o PP ao lado de quem?

(Paulo Lopes da Silva)
 


EARLY MORNING BLOGS 790

Prière du soir


Dans l'espais des ombres funebres,
Parmi l'obscure nuit, image de la mort,
Astre de nos esprits, sois l'estoile du Nort,
Flambeau de nos tenebres.

Delivre nous des vains mensonges,
Et des illusions des foibles en la foi:
Que le corps dorme en paix, que l'esprit veille à toi,
Pour ne veiller à songes.

Le coeur repose en patience,
Dorme la froide crainte et le pressant ennui:
Si l'oeil est clos en paix, soit clos ainsi que lui
L'oeil de la conscience.

Ne souffre pas en nos poictrines
Les sursauts des meschants sommeillans en frayeur,
Qui sont couverts de plomb, et se courbent en peur
Sur un chevet d'espines.

A ceux qui chantent tes loüanges
Ton visage est leur ciel, leur chevet ton giron,
Abriez de tes mains, les rideaux d'environ
Sont le camp de tes Anges.

(Théodore Agrippa d'Aubigné)

*

Bom dia!
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: FEARFUL SIMMETRY

Saturno, Titã e os anéis.

10.6.06
 


ARRASTÃO E CONTRA-ARRASTÃO



Desde o primeiro minuto que o arrastão me pareceu implausível, pelo menos como era relatado na comunicação social. Escrevi-o muito antes do filme da Diana ter feito passar o arrastão a contra-arrastão. Estou por isso muito à vontade. Mas o contra-arrastão a que se assiste nos dias de hoje, não é uma mera verificação dos erros da comunicação social, que toca apenas ao de leve e sem responsáveis (parece que a culpa toda foi do dono de um bar...). O contra-arrastão é um produto ideológico puro, tão afastado da realidade como o arrastão, tão falso no plano factual como ele, tentando tornar impossível, culpabilizadora e racista qualquer crítica à violência suburbana, oriunda de jovens negros da segunda geração, que implicitamente nega como problema de criminalidade apenas para afirmar como questão "social" e de exclusão.

9.6.06
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VOZES DE TIMOR E VOZES SOBRE TIMOR



JPP dixit: ADENDA: Por exemplo, ninguém se pergunta sobre o significado de "acantonar" a GNR num único bairro em Timor e o que isto significa de entradas de leão e saídas de sendeiro.

Queria só dar-lhe conta de que quando vi esta notícia o que me passou pela frente (embora nunca possa certamente vir a ter tão desgraçado e infeliz desfecho) foi a imagem dos nossos bravos do Corpo Expedicionário Português, enviados para as piores localizações e, em muitos casos, para a morte, para algo que duvido muito que tenha tido – em termos estritamente políticos – justo destaque na altura. Claro que nada de semelhante se passará agora, mas parece-me patente a intenção de nos dar algo para tratarmos que será certamente sempre complicado e, por outro lado, sempre pequeno.

A fama da GNR em Timor é muita, a capacidade será também certamente muita, mas haverá todo o interesse em que não brilhe…

(António Delicado)

*

Não saí de Timor-Leste.

E cá estarei apesar desta guerra de nervos. Todos os dias somos bombardeados por uma campanha sistemática que tem como único objectivo derrubar o primeiro-ministro.

Para nós, portugueses, praticamente que o nosso dia-a-dia é o mesmo. Mas as tragédias pessoais das famílias timorenses são assustadoras.

Vale tudo. Os boatos iniciais que resultaram no pânico colectivo da população, e que a levou a abandonar a capital, tentando parar todas as instituições; às declarações diárias do Ramos-Horta a manifestar a sua disponibilidade de ser Califa no lugar do Califa, vendendo o seu país aos invasores; os ataques dos governantes australianos ao governo; as manobras de certo corpo diplomático; as tentativas de virar os orgãos de soberania uns contra os outros; o apoio e a passividade das tropas australianas com os desertores e afins; os títulos da imprensa australiana; e as recentes provocações à Fretilin para que isto se transforme numa guerra civil. Enfim, vale tudo para desestabilizar e dar ao mundo uma imagem da necessidade de derrubar um governo que enfrenta os objectivos da Austrália na região.

Mas uma coisa é certa. A única pedra no sapato, o único obstáculo entre a ocupação de Timor-Leste pela Austrália, tem sido a imprensa portuguesa e o Governo português.

Patriotismos exarcebados ou não, é aqui que se tem feito resistência a um invasor arrogante e sem escrúpulos..

Fora de Díli, excepto nas vilas onde estão os ex-militares sustentados pelos militares australianos, as instituições funcionam, a polícia existe e a vida parece a mesma como há dois meses atrás.

Assisti à tentativa da missão da UN em evacuar todos os internacionais que apoiam os orgãos de soberania de forma a parar o país.

Assisti ao Ramos-Horta a ajudar os objectivos australianos numa campanha de auto-promoção ridícula, esperando eu ainda, que o esteja a fazer acreditando que é o melhor para o país.

Assisti incrédula à passividade das tropas australianas ao lado de jovens que incendiavam e que disparavam, assisti aos apelos desesperados de outros para os defenderem.

Assisti ao alegre convívio entre militares americanos e australianos, e os desertores.

Assisti aos pedidos de governantes ao comando australiano para que parasse a violência e defendesse a população sem qualquer efeito.

Assisti à tentativa do comando australiano em neutralizar capacidade que a GNR tem de acabar com os distúrbios nas ruas de Díli.

Assisti a muitos timorenses corajosos ficarem nos seus postos, onde agora vivem, por lhes terem sido destruídas as casa e tudo o que tinham.

Mas também assisti à resistência de muitos funcionários da UN e de outras instituições, na maior parte portugueses e brasileiros, que ficaram mesmo ameaçados que os seus contratos acabassem.

Assisti a muitos portugueses que no meio dos confrontos foram buscar amigos timorenses e os seus familiares, debaixo de fogo, já com uma presença de mais de 1.500 militares australianos que nada, nada fazem para evitar a violência.

Assisti a outros que tudo fizeram para mostrar ao mundo que estávamos à beira de um golpe de estado.

Outros que conseguiram travar a intriga entre o PR e o PM e que ajudaram a que se entendessem.

Assisti também, aos esforços de dirigentes da Fretilin em travar militantes desesperados que queriam vir defender o PM, que quer queiram quer quer não, foi eleito com larga maioria, e cujo partido há poucos meses, nas eleições locais, voltou a demonstrar que representa a maioria dos eleitores, com larga margem.

E assisto todos os dias ao empenho de muitos timorenses, portugueses e brasileiros, para que os orgãos de soberania, não deixem de funcionar como seria tanto do agrado do governo australiano que levou o país ao caos, sustentando e manipulando todos os grupos insatisfeitos que encontraram.

Exaustos, uns dias mais difíceis, outros com mais esperança. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para que a situação volte ao normal e que o país funcione.

Como sabe não votei no partido do Governo que elegeu o primeiro-ministro de Portugal. Nem alguma vez simpatizei politicamente com o nosso MNE.

Mas, aqui em Timor-Leste, em Camberra e em Nova Iorque, fez a diferença. Houve alguém no Palácio das Necessidades que se deu ao trabalho de reagir a tempo. Que nos ouviu. Que fez o que tinha que fazer. E que não escolheu o caminho mais fácil que seria o de abandonar os nossos aliados.

Como sabe, tanto se me dá o nome do país que consta no meu passaporte, não ponho bandeiras de Portugal à janela e nem sequer aí vou passar férias.

Mas o governo do meu país tomou a decisão correcta e está a ter sucesso.

E se alguém não compreende que, apesar de estrangeiros, nos sentimos em casa e que adoramos viver neste país, I could't care less.

Os timorenses compreendem. Ao lado deles resistimos, mesmo que alguém não nos considere politicamente correctos.

(M.)

*

Infelizmente mais uma situação que em nada dignificou o nosso país, com custos para a imagem da GNR em Timor-Leste.

Situação criada pela falta de preparação e insuficiência no campo das informações.

As Australian Defense Forces (ADF) seguem a doutrina NATO no que concerne ao emprego das suas forças. Isto é sabido pelos estados-maiores do nosso Exército e Força Aérea, pelo menos.

A doutrina NATO coloca grande ênfase na problemática do fratricídio, designado em linguagem NATO por “blue on blue”, expressão que ficou dos exercícios no tempo da guerra fria, em que o oponente era sempre “red” e as nossas forças “blue”.

Esta mesma doutrina foi aplicada durante a UNTAET e depois na UNMISET. Para evitar coordenações demoradas, complicadas e nem sempre seguras até pela diversidade de línguas dos diversos contingentes militares, o território de Timor-Leste foi dividido em Sectores. O Ocidental era comandado pela Austrália, o Central por Portugal e o Oriental pela Coreia do Sul. Mesmo dentro dos Sectores, cada escalão tinha áreas de responsabilidade definidas, de forma a poderem conduzir operações sem correrem o risco de abrirem fogo sobre tropas amigas. Para uma viatura militar de um Sector se deslocar a outro, tinha que preencher um “Road Space Request” definindo o itinerário, as horas, o propósito, os ocupantes da viatura, etc...

Na cidade de Díli esta situação não se punha porquanto a segurança cabia à polícia civil das Nações Unidas (CIVPOL), onde se integrava a Unidade de Reacção Rápida da GNR. Que na realidade era quem avançava sempre que havia confusão. O batalhão português cujo comando estava sedeado em Bécora suplementaria a GNR em caso de necessidade e a pedido desta.

Ora a situação presente é inversa. As ADF estão a fazer o policiamento da cidade e a GNR entra depois. E entrou logo em operação sem haver estabelecido o sistema de coordenação previamente. É do senso comum que não pode haver duas forças com armas a actuar na mesma área de operações sem a devida coordenação, ou então têm áreas de responsabilidade distintas. Hoje em dia não é aceitável enviar gente para casa em saco de plástico porque foi atingido por fogo “amigo”. A opinião pública não aceitaria tal. E é esse o argumento do comandante da Força Australiana para os tristes “equívocos”.

Bem sabemos (ou devíamos saber) que as ADF não iriam facilitar a vida à GNR. Já não o faziam em relação ao exército português durante a UNTAET e UNMISET, porque haviam de o fazer agora? A posição de princípio não mudou.

E o que a precipitação fez, foi dar às ADF razões para agirem como agiram.

E o governo lá teve que às pressas encontrar forma de salvar a face sem deitar tudo a perder. Mais uma vez a humilhação ficou para os homens da GNR. E agora vamos ver quanto tempo vai levar, se acontecer, para as ADF se retirarem de Díli e deixarem campo livre à GNR e à Polícia da Malásia. Como a Malásia vai ter mais polícias que a GNR, o comando unificado de polícia vai caber a......... Malásia, pois claro.

E as ADF só retirarão das funções de policiamento de Díli quando a Malásia tiver todo o seu equipamento e puder efectivamente comandar toda a acção policial. Até existir uma força policial das Nações Unidas. Porque aí, a Austrália vai querer ter também o Comando da força policial. Como aliás prevê o acordo Díli-Camberra.

Resta-nos a confiança no brio e preparação dos homens da GNR para conseguirem levar a cabo com honra e dignidade a sua missão.

É aqui que a impreparação (ignorância) dos nossos jornalistas vem ao de cima. Não sabem fazer as perguntas certas aos responsáveis políticos. O mesmo jornalista tanto pode cobrir o funeral de Raul Indipwo, como o fogo florestal de Barcelos, como a seguir cobrir esta triste conferência de imprensa. E as perguntas pertinentes ficam por fazer.

(João Tavares)

*

Ouvi na TSF uma noticia sobre os deslocados Timorenses...
Porque não usar a palavra habitual: refugiados?
Não entendo a relutância de certa imprensa em motrar que os timorenses são um povo como outro qualquer: capaz do melhor e do pior.
Porque carga de água são deslocados e não refugiados? Se até o ACNUR já está a ajudar.

(Alberto Mendes)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


EARLY MORNING BLOGS 789

Tecendo a Manhã


1

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


(João Cabral de Melo Neto)

*

Bom dia!

8.6.06
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER

http://www.ottakringershop.at/pix/produkte/prod_cachaca51.jpg
Numa parede do Museu de Língua Portuguesa, em São Paulo, Brasil, um mulato dança com uma garrafa equilibrada na cabeça. Com aquele brilho inventivo muito especial do português brasileiro, aparece no ecrã "água-que-passarinho-não bebe". Cachaça. Mas parece que passarinho bebe mesmo...
 


GOVERNAMENTALIZAÇÃO, O QUE É?



É o modo como a RTP1 passa a conferência de imprensa do Governo (MNE e MAI) relativa ao acordo "técnico" em Timor (até esta palavra é spin) sobre a actuação da GNR. Interiorizando os argumentos do Governo nas palavras do jornalista, ou seja dando-lhe legitimidade "de fora", sem "edição", sem distanciação, sem pensar, engolindo o spin governamental sem hesitação.

ADENDA: Por exemplo, ninguém se pergunta sobre o significado de "acantonar" a GNR num único bairro em Timor e o que isto significa de entradas de leão e saídas de sendeiro.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: FOGO, DE NOVO



Correndo o risco de ser considerado (...) um acto de "voyeurismo" da minha parte, não resisti a enviar-lhe uma fotografia do fogo que lavrou ontem não longe da minha residência. O meu objectivo não é outro mais do que o de querer alertar novamente para o drama destas situações. Penso, de forma muito sincera, que todas as discussões públicas que possam ser feitas em torno destes dramas serão muito úteis. Hoje o dia tem estado cor de laranja porque a luz do sol tem dificuldades em atravessar a cortina de fumo.

A imagem é do fogo que lavrou ontem na Freguesia de Fragoso, concelho de Barcelos.

(Sérgio Ribeiro, Forjães)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


RETRATOS DO TRABALHO NAS TWIN TOWERS EM LISBOA, PORTUGAL



Um dos aspectos que mais me fascina nas gerações mais jovens é a capacidade para desenvolver trabalho no meio do mais confuso dos cafés ou do mais barulhento "food court" de um qualquer centro comercial. Estas novas gerações têm, de facto, capacidades acima do normal. No meu tempo, um trabalho em grupo consistia em dividir tarefas, executar as tarefas separadamente cada um em seu canto e depois reunir para juntar as peças do puzzle. Hoje em dia, aparentemente, as reuniões são permanentes e a criatividade está sempre em acção. Tudo isto, repito-o, no mais barulhento centro comercial ou café da nossa praça. E depois dizem que não há produtividade...

(Rui Silva)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (2ª série)



(...) é o próprio Ministério da Educação quem ajuda a confundir domínios que devem ser discriminados, dado que o texto é marcado por um problema estrutural de organização temática. Era importante que um novo ECD distinguisse com clareza – seja por capítulos; seja por princípios orientadores explícitos; seja por qualquer outro processo; seja por vários factores em conjunto – aquilo que é matéria propriamente laboral (ou de cariz sindical) daquilo que é matéria deontológica (ou pedagógica e ética) da profissão docente. Mesmo que se continue a evitar a questão da constituição de uma Ordem de Professores (constituição que na actual conjuntura não parece essencial, até porque provavelmente uma Ordem ficaria mais próxima de reproduzir a fragmentação sindical do que de traduzir uma voz coesa de um corpo profissional demasiado heterogéneo), reformar o ensino sem a preocupação de estabelecer de génese a distinção referida é curto, precisamente porque será continuar a pôr no colo dos sindicatos aquilo que é, misturado com aquilo que pura e simplesmente não deve ser da sua competência. Reside aqui uma incongruência elementar de quem, de peito aberto, está, bem ou mal, a combater o poder de uma elite de representantes sindicais, mas que depois, por culpa do seu mau tpc, vê-se obrigado a conceder a essa mesma elite o monopólio da representatividade de um complexo, contraditório e multifacetado corpo docente. A fuga em frente resultante desse mau trabalho prévio tem sido o folclore agravante de envolver na vida interna das escolas os pais, as associações, o poder local e outros, invadindo o domínio estrito da função docente, com prejuízo generalizado cuja factura normalmente demora a chegar mas será invariavelmente pesada. O documento proposto carece, de facto, de muita e muita reflexão e clarificação. Se calhar até de ser reelaborado de raiz. «Despachá-lo» em poucos meses é brincar com aspectos essenciais de todo um projecto de sociedade. Ao menos nisso estou de acordo com a Fenprof. Juristas, intelectuais, políticos, jornalistas e demais pensadores seniores não podem colocar o corpo de fora deste tipo de discussão concreta, como têm feito, nem perderem-se em generalidades mais ou menos especulativas (basta ler a imprensa), para que mais tarde não venham, uma vez mais, ditar sentenças de cátedra depois de mais um desaire do sistema educativo que não é difícil prever desde já. Aliás, o Partido Socialista nesta fase dever-se-ia centrar nas questões contratuais ou laborais e deixar de brincar às tipologias do bom professor à moda das «ciências da educação». Mas para isso era necessária sensibilidade política e tratar os grupos profissionais com a dignidade que merecem. Parece-me que o tempo político da Ministra da Educação esgotou-se. Pau que nasce torto...

(Gabriel Mithá Ribeiro)

*

No Público de hoje, a ministra da Educação dá a cara por uma proposta cerca de uma semana depois de ela ter sido apresentada. Ter aparecido com a entrevista de hoje há uma semana atrás, poderia nada ter resolvido mas evitava a imagem de estar a reagir aos críticos. Mas há muito nos habituámos a que este ministério ateie pequenos fogos e depois surja a apagar os mesmos. Infelizmente também nos habituámos à reacção extemporânea de uma classe corporativista e de uns sindicatos que de pedagogia pouco mostram saber. Para tal basta ver muitos dos comentários feitos neste blog. É o caso dos "29" itens que definem a função de professor e que pouco ou nada acrescentam ao que já era suposto serem funções dos docentes, mas que alguns críticos parecem desconhecer. Também a reacção de alguns à avaliação é irónica se tivermos que vem de profissionais que fazem da avaliação um instrumento – avaliar sem ser avaliado? – e as leituras em diagonal que muitos fazem desconfiar da preparação e leitura efectiva que atribuirão a documentos de trabalho.

Estamos perante uma proposta, não seria interessante discutir a mesma de forma inteligente? Quando uma carreira de 10 escalões se reduz a 6, não seria legítimo pedir a tabela de equivalências para a conversão de tempo de serviço e de salário?

São muitas as classes de licenciados em que o acesso à carreira só é feito após prova, serão os docentes diferentes? Creio que não e basta ver a falta de cultura e conhecimentos básicos de muitos professores.

Quanto à avaliação dos pais, confesso que não me choca e noto que é mais bem recebida por docentes que são pais do que por docentes solteiros. Ouço os sindicatos falar em "habilitações pedagógicas", mas onde está isso referido? Em algum sítio se estipula em que medida os pais vão efectuar a avaliação? Os Encarregados de Educação podem não saber nada de disciplinas, mas certamente saberão melhor que ninguém quando um professor falta, ou quando ocupa a aula a discutir a sua vida pessoal em lugar de leccionar, ou se atrasa na correcção de testes para lá do desejável. Não serão estes itens suficientes para distinguir o bom do mau docente? Talvez os sindicatos fizessem melhor em discutir estes temas que em marcar greves para dias a seguir a feriados e assim teríamos um ministério a ter de dar a cara pelas suas políticas e a saber que não bastava anunciar as mesmas e que as teria de realmente fundamentar. No momento actual acabam os sindicatos e os docentes exaltados a ser o melhor justificativo das políticas ministeriais

(Emanuel Ferreira, docente do 3º Ciclo)

*

A Ministra foi populista e fez eco da crítica comum de que os professores são os responsáveis pela calamidade educativa portuguesa. Não apresenta evidências de que assim seja. Mas por que razão a Ministra da Educação e outros agentes das esferas do poder se dão ao luxo de falar assim desta classe profissional? Na realidade, os professores são responsáveis, não propriamente pelo facto de ensinarem mal ou de serem intrinsecamente maus professores. A responsabilidade é mais funda. É que desde há algumas décadas os professores abdicaram da sua vocação intelectual, ou mantiveram-na só para aquilo que interessa em cada conjuntura ou momento, aceitando em troca incluir-se na bolsa de sustentação do poder político e económico.

O poder, é sabido, precisa destas bolsas de sustentação, e um grupo como os professores é fundamental que seja "capturado" para o pleno exercício do poder actual. Fala-se em "democratização" do ensino, mas isso é um eufemismo. Com certeza algo corresponderá a isso, mas na essência o que se deu foi um fenómeno de "massificação do ensino", o que não é exactamente a mesma coisa. Nesse processo, foi preciso apresentar taxas de sucesso, níveis de ensino em grande escala, impedir o abandono escolar, etc. Ou seja, o aparelho educativo esteve ao serviço de objectivos sociais, económicos e políticos que pouco têm a ver com o verdadeiro ensino. E em troca de favores profissionais e de um certo teor de vida, entre outras vantagens, a "classe profissional" dos profs. alimentou estes objectivos extra-educativos. Numa palavra, vendeu-se ao poder.

Evidentemente, o nível de formação e de conhecimentos dos alunos tem-se ressentido drasticamente. Mas os professores têm estado sempre cegos, surdos e mudos. Sempre muito mais preocupados com os seus interesses profissionais e com a sua carreira, enfim, com a sua vidinha. Não se importaram, portanto, durante estes anos, de se submeterem a um processo de proletarização que lhes retirou muita da credibilidade que possuiam, sendo natural que agora o poder os trate como párias e não nutra por eles o mínimo respeito. E os restantes actores também não, designadamente, os pais dos alunos, que não vêm com bons olhos os resultados obtidos. Que pretendem agora os professores? Já nada podem fazer. Podem fazer greves e manifestações. Mas não têm mais crédito que qualquer outro grupo social. E perderam o apoio da sociedade, e agora falam sozinhos no deserto. Isto é uma análise generalíssima. Não se pretende pôr em causa os muitos professores que ensinam bem e que fazem das tripas coração para que os alunos passem e se formem, etc. Mas isso não pôe em causa a minha tese central: os professores, enquanto classe, prostituiram-se ao poder e agora são tratados como rameiras do sistema. E se querem ter emprego e fruir ainda de algumas migalhas do poder têm que aceitar a "grelha" que lhes é imposta e conformar-se.

O servilismo e a apatia de anos vão sendo agora cada vez mais evidenciados, e pelo próprio poder, o que não é surpreendente. Ainda me recordo quando aqui há uns anos se negociou o Estatuto da Carreira Docente (penso que em 1997), e estava em causa a saída do ensino de centenas de professores provisórios que durante anos foram os colegas de segunda, mas muitos deles com provas de dadas de qualidade e dedicação, que ficavam sempre com as piores turmas e até ganhavam menos. Estava em causa na mesma altura, através da uma reforma do ensino secundário, o desparecimento de disciplinas como Introdução à Antropologia ou Jornalismo. A "classe" dos professores e os sindicatos nada fizeram caso disso, e negociaram o Estatuto e a reforma sem o mínimo de solidariedade por esses colegas, muitos com família, que ficaram sem trabalho, e muitos continuam no desemprego porque estiveram 10, 15, 20 anos nessa situação provisória e agora não têm onde se agarrar... E quando estes fizeram manifs. à porta do Ministério estavam sozinhos, porque a "nobre" classe dos profs. esteve a marimbar-se para estes colegas... E quanto ao desaparecimento das disciplinas? Alguém se interrogou sobre a validade destas matérias, qual o seu papel na formação integral dos jovens? Alguém ainda se lembra de Educação Visual?...

Orlando de Carvalho (...não sou professor)

*

(...) desejo fazer uma confissão solene. É verdade, também eu sou culpado. Sim, incluo-me no grupo dos réus responsáveis pelo “estado a que «isto» chegou”, independentemente do conceito que possa atribuir-se ao termo «isto».
Resumindo, também eu sou professor. Do 1º ciclo por reforma imposta pelo “eduquês”, primário, por opção de há trinta anos, consubstanciada nos ideais que o republicanismo projectava na instrução popular.
Publicitado o meu crime, ouso, humildemente, questionar o leitor identificado como Leonel sobre algumas das suas afirmações, face á minha incapacidade de as tornar inteligíveis. (Confesso, no entanto, que apesar desta minha dificuldade, sou moreno e nada tenho de louro. Nem um simples cabelinho).
Para evitar que alguma das aves negras e palradoras que, usualmente, costumam enovelar-se por entre o texto escrito subverta o meu discurso, vou recorrer ao mui tecnológico “copy past”.

Então vejamos:

Afirma o comentador Leonel:

«Falam-se em "parasitas" das educação, apontando Escolas Superiores, Faculdades, Docentes, Editores.»

«Aprende-se melhor a nadar na água dentro dela, não a ter aulas teóricas sobre natação, é o que se tenta explicar muitas vezes.»

« As ciências da educação, como em qualquer outra área científica emergente, contêm grande valor e grande quantidade de irrelevância ou desinformação.»

« faça-se como sempre que se fez, não tenho de pensar tanto»
(Sic)

Como disse?

Ora, meu caro Leonel, não me diga que necessita de uma licenciatura em ciências de educação para escrever esta prosa brilhante?
Mas que digo eu? Uma licenciatura? Não pode ser. Às ciências de educação deve corresponder uma licenciatura por ciência…
Aliás, meu caro, saberá quantas são essas ditas ciências? Tê-las-á contado? Deveras?
Quanto mais descansado eu ficaria sobre as qualidades dos cientistas que tanto velam pela nossa educação, se pudesse esclarecer-me esta dúvida.
Três, eu sei, de fonte certa, que integram o elenco, «noções de psicologia, de sociologia, de métodos de avaliação».
Mas o Português, sim esta língua banal em que nos expressamos, também faz parte da lista, ou tê-la-á V. Exª esquecido enquanto tanto se empenhou, durante sete anos, «a procurar mais informação sobre todos estes elementos, não apenas sobre as "técnicas pedagógicas"»?
(...)

(António Vicente)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS ESUS LEITORES: QUOTAS PARA HOMENS

A propósito da "lei das "quotas" gostaria de saber a opinião do PS para a hipótese de haver um partido exclusivamente feminino. Aceitaria de bom grado ou propunha uma nova lei para homens?

(A. Lamas)
 


TEMOS POLÍTICA EXTERNA OU É SÓ EGOS, BRAVADO, BANDEIRA ENROLADA À CINTURA E AMADORISMO?



Repito-me, não para exibir qualquer razão antes do tempo, mas para mostrar que as evidências eram tão gritantes que não se percebe por que razão o Governo (Primeiro-ministro, MNE e MAI na linha da primeira responsabilidade e por esta ordem) mostraram tão grande incompetência e a oposição tão grande silêncio perante uma questão desta gravidade.

No dia 29 de Maio escrevi:
"Quem manda em última instância nas ruas, o governo de Timor ou a Austrália? E se mandar a Austrália, e manda quem pode e tem a força, mandam também os comandos australianos na GNR? Se os australianos entenderem que a rua X está interdita, a GNR tem que negociar ou pedir licença para lá passar? Qual é a cadeia de comando em Dili? Estas e mais mil e uma perguntas deviam estar a ser feitas e a ter respostas claras. Mas nem se pergunta, nem se responde."
No dia 3 de Junho escrevi:
"Ficou claro que o comando é da GNR" - "Comando" de quê? Das tropas da GNR? Qual é a exacta cadeia de comando no terreno? Fica por saber. O que se sabe é que num território numa situação de caos, a existência de vários "comandos" operacionais só pode dar confusão e risco. É perigoso: se houver um incidente e forem chamados ao mesmo tempo (pelos populares, por uma família portuguesa, seja por quem for) a GNR e os australianos, como é que se resolve? E sem comunicações claras a probabilidade de fogo "amigo" é grande, porque ninguém está a ver em plena acção as forças a discutirem competências e comandos."
O que se está a passar com a GNR em Timor é de uma enorme irresponsabilidade e é perigoso, primeiro para os nosssos homens, depois para a nossa política externa em relação a Timor. A não ser que a GNR esteja lá, como antigamente se dizia , em "missão de soberania", e então tem que varrer os comandos australianos a tiro, quando estes lhe impeçam o caminho... , ou então é para "ajudar" Timor, e ninguém sensato pode achar que andarem no terreno forças sem comando único não é um risco acrescido para todos.

*
Quando há dias antes do envio das forças da GNR, ouvi a explicação do Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a questão do respectivo comando, se integradas nas forças da Austrália se autónomas, pareceu-me estar a ouvir uma explicação da República Francesa, com laivos nacionalistas e com eterno complexo de inferioridade, quando se refere ao pais do Tio Sam.

Para o Sr. Ministro, com contida, mas visível, exaltação lusitana (o que cada vez surpreende menos no comportamento very british até ao exercício do cargo de presidente da assembleia da onu) os argumentos para as GNR estarem a actuar autonomamente não são de ordem prática, mas sim do facto de Portugal estar a 50 anos de celebrar 900 anos de nacionalidade, sendo uma nação soberana. À contrário e não o dizendo, a Austrália como nação existe há bem menos tempo e ainda tem como representante máxima a Rainha de Inglaterra.

Parece-me perfeitamente lógico o seguinte, estando Portugal à distância que está de Timor (como demonstra o facto de só agora estar prevista a chegada do material de transporte da GNR), estando a atravessar uma crise económica com os respectivos constrangimentos, partilhando apesar de tudo de um quadro civilizacional comum com a Austrália e que tem cá embaixada, sendo este pais fornecedor de tropas no terreno que em última análise permitem a segurança num quadro generalizado de insurreição, e que em última instância asseguram as vidas e a possibilidade de retirada dos portugueses, inclusive dos membros da GNR, não vejo razões para que as forças da GNR não estejam integradas, com mais ou menos autonomia, no comando australiano.

Infelizmente a atitude de bravata ridícula foi outra e só veio criar um conflito dentro de outro conflito que esperamos não venha a criar danos irreversíveis em termos de vidas humanas.

Manuel Cortes
*
Agora que a "questão timorense" parece ter voltado às primeiras páginas dos jornais, talvez seja bom vermos "para além da árvore"...Aos leitores do "Abrupto", aconselho a consulta do (recentemente) criado "blogue", onde podemos ler coisas que, nem sempre, a comunicação social portuguesa transmite.

(Rui Mota)

*

Compreendo a sua inquietação sobre a questão em apreço. Parece de facto, que o governo português se pôs em bicos dos pés quanto à autonomia da força paramilitar que foi enviada para Timor-Leste.

Contudo, devo dizer, foi uma posição bem avisada. A pior coisa que pode acontecer a esta jovem nação é ficar refém das vontades do governo australiano. Só quem esteve envolvido nas missões das Nações Unidas em Timor, e mais propriamente a nível de quartel-general, percebe a apetência do governo australiano de ditar as regras em Timor-Leste, favorecendo descaradamente os grupos que o apoiam especialmente através das ONG australianas, das quais a mais activa tem sido a AUSAID, à semelhança da americana USAID, não mais que um braço tentacular dos serviços de "inteligence".

E bem avisada foi a posição do governo de Portugal porquanto a saída prematura da GNR durante a UNMISET se deveu a célebre relatório de uma comissão de peritos norte americanos e australianos que a acusavam de ser um mau exemplo para a jovem democracia, com as suas atitudes "pretorianas" resquícios óbvios da sua génese no Portugal ditatorial fascista. A verdade, (...) é que a GNR fazia abortar as tentativas destabilizadoras que alguns agentes promoviam no sentido de influenciar as opções futuras da liderança timorense que já se adivinhavam. Falo da opção pela língua portuguesa, e da criação de um exército de defesa.

Este último, como sabe, mereceu sempre (e ainda hoje merece) a oposição firme do governo australiano que entendia que a defesa externa de Timor-Leste deveria ser confiada às forças de defesa australianas. Tanto assim, que Alexander Downer, o ministro dos negócios estrangeiros australiano, chegou a afirmar perante o parlamento australiano que o novo conceito estratégico de defesa em profundidade da Austrália, obrigava a considerar Batugadé como a nova fronteira da Austrália. (Batugadé é o posto fronteiriço da costa norte entre Timor-Leste e a província indonésia de Timor Ocidental, Timur Nusa Tengara).

Foi bem avisada a posição do governo português, porquanto, se submetida ao comando hierárquico das forças australianas, à semelhança do que era prática durante os tempos da UNTAET e da UNMISET que eu presenciei, estes últimos iriam de imediato determinar zonas de exclusão à acção da GNR, remetendo-as para um discreto papel secundário, com o objectivo de as desacreditar perante a população de Timor-Leste em geral, e a de Díli em particular, e manter latente esta situação de instabilidade até atingirem o objectivo final, a demissão de Mari Alkatari.

Aliás, se dúvidas houvessem quanto às reais intenções da real politik australiana, basta verificar a candura e cortesia (quase protecção), com que o Comandante das forças australianas trata o Major Reinado ( que se veste e age como se um militar australiano fosse, recusando-se a falar português quando é entrevistado), tendo inclusivamente deslocado-se a Maubisse para com ele parlamentar e os laudos que a este major rebelde e criminoso (disparou sobre as FDTL causando inúmeras vítimas mortais, sem ter sido provocado), têm vindo a ser tecidos nos maiores jornais australianos. Uma rápida leitura aos editoriais e colunistas do Australian, Sydney Morning Herald ou o Daily Telegraph são elucidativos da teia que a doutrina Downer tem vindo a urdir contra Mari Alkatiri. E nisto meu caro, o cerne da questão é bem simples de entender: " It's the oil, stupid!". As forças australianas não o vão desarmar porque ele é a ponta de lança com que o governo australiano pretende fazer Mari Alkatiri demitir-se.

Para lhe aguçar a curiosidade, deixo-lhe algumas frases extraídas de artigos dos citados jornais: "Portugal is Australia's diplomatic enemy..."; "Portuguese forces refuse to co-operate with international forces..."; Dili's leadership, notably a anti-Australian Mozambique clique needs to be removed from power..."; "Despite our efforts, we must recognize that Portugal has had more influence in East Timor than Australia. It is time to change this sort of things…." .

Não quero com isto significar que Mari Alkatiri está isento de culpas. Está até bastante carregado delas. Não propriamente pela forma como tem estruturado e planeado estrategicamente o futuro de Timor-Leste, mas na forma arrogante e nos métodos Leninistas com que tenta responder aos anseios de uma população que criou expectativas demasiado altas e na forma como afasta toda e qualquer oposição. O seu maior erro e que lhe está a custar caro em termos de apoio, foi a forma como afrontou a igreja de Timor na questão das aulas de religião e moral. Se estava certo no princípio, errou profundamente no tempo e na forma como o impôs. Sendo muçulmano, teria forçosamente que ter cautelas redobradas em tão melindroso assunto.

Errou ao apoiar-se e apoiar o Ministro do Interior. Rogério Lobato mantém ainda hoje uma visão estalinista do poder, assente na partidarização da sociedade e na intimidação dos adversários, internos e externos ao partido. E hoje, o feitiço virou-se contra o feiticeiro, com as armas que distribuiu a caírem em mãos hostis.

No meio deste imbróglio, o Presidente Xanana sente a humilhação de ter que recorrer ao auxílio internacional, sem ter os instrumentos constitucionais adequados para ter evitado toda esta lamentável situação. Xanana, que no fundo concorda com as posições de defesa dos interesses timorenses que Alkatiri tem tomado, vê-se de mãos amarradas para manter esta posição muito pouco ajudado pela esposa Kristy, que resolveu chegar à Austrália e acrescentar achas à fogueira em declarações alinhadas com o discurso de John Howard.

E por fim chegamos ao muito provável futuro Primeiro-ministro de Timor-Leste, Dr. Ramos Horta. Julga chegada a hora de se tornar líder do governo, sem saber como há-de isso acontecer sem ser para tal nomeado pela Fretilin, cuja cúpula continua nas mãos de Alkatiri e Rogério Lobato. Tem de esperar que seja Alkatiri a renunciar ao poder voluntariamente e que o aponte como seu sucessor. Para a Austrália isto seria a cereja em cima do bolo. É sobejamente conhecida a arte de Ramos Horta em se ajeitar às circunstâncias e se virar para quem melhor lhe sirva os interesses. Não é por acaso que começa a ser noticiado na imprensa australiana como: " the most competent minister in the timorese cabinet...".

É que não é fácil ser-se timorense e pretender-se afirmar-se a soberania do país, quando tudo à volta cria dificuldades, algumas que em parecendo, não são apenas simbólicas. Veja-se o exemplo da ligação aérea entre Díli e Denpasar (Bali). Esta ligação é servida pela companhia aérea doméstica indonésia Merpati, como se de um voo interno se tratasse, fazendo-se a operação de embarque e desembarque no terminal doméstico de Denpasar. Ou a ligação entre Díli e Darwin, servida pela companhia regional australiana AirNorth subsidiada pelo governo para o transporte de Aborígenes entre as reservas e entre estas e Darwin e que anuncia a ligação a Díli como mais uma ligação regional (www.airnorth.com.au), enquanto Kupang (Timor Ocidental) já é um destino internacional.

(João Lima Tavares)

 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


EARLY MORNING BLOGS 788

No meio do caminho


No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.


Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


(Carlos Drummond de Andrade)

*

Bom dia!

7.6.06
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: OS CLÁSSICOS EM RISCO

Apreciei muito o que escreveu na última revista Sábado sobre a necessidade de dar atenção aos clássicos greco-latinos. Por isso tomo a liberdade de lhe enviar o endereço electrónico de uma petição que os Departamentos de Estudos Clássicos das Universidades de Coimbra e Lisboa puseram há pouco mais de uma semana na internet. O que pretendemos é reunir um número significativo de assinaturas que permitam abrir a discussão pública sobre o espaço residual que vem sendo atribuído às disciplinas das Humanidades nos curricula do ensino secundário, com especial gravidade no que respeita ao Latim e ao Grego, que praticamente desapareceram das escolas em todo o país. Acabada a geração que tanto se tem empenhado em divulgar os clássicos, como os que referiu no seu artigo, e outros, como as Confissões de Santo Agostinho, Propércio, a Eneida de Vergílio, o Satíricon de Petrónio, as comédias de Plauto..., ninguém mais ficará capaz de traduzir esses textos, nem de ensinar línguas clássicas e, mesmo na área da História de Portugal, de trabalhar todo o acervo de documentação em língua latina que vem, como sabe, até bem perto de nós... Serão, pois, os investigadores estrangeiros a virem trabalhar esses textos.

(Maria Cristina de Sousa Pimentel, Prof.ª Catedrática da Faculdade de Letras de Lisboa (Departamento de Estudos Clássicos)

*

Segundo me relatou uma professora da universidade, o ministério da educação prepara-se para fechar o curso de Línguas e Literaturas Clássicas em Lisboa e em Coimbra, as duas únicas Universidades que ainda leccionam este curso. O critério usado é de o curso ter menos de vinte alunos por ano. O que é, tristemente, um facto.

No entanto, penso que é importante não esquecer que sem este curso, não haverá daqui por uns anos, em Portugal, quem possa traduzir qualquer obra de Latim ou grego clássico. Pois, quando as poucas pessoas altamente qualificadas que hoje em dia fazem esse trabalho deixarem de o fazer, não haverá quem o possa fazer.

Terminar a ligação cultural directa com as matrizes do pensamento cultural europeu é um erro crasso. Portugal ficará a perder para Países como a Geórgia, a Turquia, a Espanha, a Itália, a Croácia, a Grécia, o Chipre, a Polónia etc.. e ficará ao nível dos países do terceiro mundo, onde as dificuldades económicas não permitem a evolução cultural.

Sei que Portugal atravessa dificuldades económicas, mas antes de terminarem com o curso de línguas e Literaturas Clássicas, podiam ir buscar dinheiro a muitos outros sítios?

Sem Línguas e Literaturas Clássicas, não haverá pessoas como Maria Helena da Rocha Pereira para nos ensinarem tanto sobre a cultura helénica, nem tradutores como Frederico Lourenço que levam para o Português as obras de Homero, Sófocles, Eurípides e muitos outros.
Não troco a minha cultura por dinheiro nenhum, e penso que há coisas que não têm preço, e o ensino do Latim, a língua mãe do Português e do Grego antigo é essencial num país com ambições não meramente económicas mas também culturais.

Está em curso uma petição on-line que tenta sensibilizar as pessoas para este problema.

Penso que todos os que trabalham com a língua Portuguesa e são minimamente sensíveis à ?Cultura? entenderão e subscreverão a petição.
Além da petição quaisquer formas de protesto sobre esta medida são bem-vindas, e sabendo a força dos meios de comunicação social, se ninguém souber o que se passa sobre este assunto, o encerramento do curso poderá mesmo acontecer.

(Manuel Fialho Silva, estudante do curso de Línguas e Literaturas Clássicas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. )

*
Tomei conhecimento via Abrupto da petição online em favor das línguas clássicas em Portugal. (Já agora: «em favor»? Não deveria ser «a favor»?) O assunto interessa-me por diversas razões, uma das quais ser o facto de lastimar nunca ter aprendido latim. Mas não posso assiná-la e passo a explicar porquê. Na argumentação a favor da petição, os seus autores citam (favoravelmente) a expressão de Manuel Damásio «a matemática e as ciências não formam cidadãos». E é aqui que reside o problema. É que só vejo duas maneiras de interpretar esta expressão:

- ou significa que a Matemática e as Ciências (porque é que na citação original estará escrito com minúscula?) não contribuem para a formação dos cidadãos;

- ou significa que uma formação em Matemática e em Ciências não constitui, só por si, uma formação de cidadãos.

Ora eu sou totalmente contra a primeira interpretação. Quanto à segunda, é uma completa trivialidade. Não, uma formação em Matemática e em Ciências não constitui, só por si, uma formação de cidadãos. Uma formação em clássicos também não.

Bem sei que assinar uma petição não significa necessariamente que se está de acordo com todos os pontos mas, neste caso, a barreira é demasiado elevada para que eu a consiga tranpor.

(José Carlos Santos)

*

Relativamente à petição para o renascimento do latim e do grego, lembro-me de ter lido, já há alguns anos, na revista Esprit, um longo artigo justificando a necessidade de os reanimar em virtude de haver ainda um largo acervo de textos clássicos greco-latinos por traduzir. Deduzo perante a petição que, ou se esgotaram as traduções, ou, se não é o caso, os outros países que as façam. Se estamos tão atrasados em tantas áreas, entre nós, parece não constituir vergonha banir o latim e o grego do ensino, e ficar à espera dos textos já vertidos. Enfim, somos o que somos, e temos o país que temos. Como diziam os liberais vintistas, não temos emenda.

João Boaventura
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VOZES VINDAS DAS ESCOLAS

Hoje, o meu grupo disciplinar reuniu-se para escolher o manual a adoptar pela escola para o 7.º ano de escolaridade. Todos, sem excepção, apresentam o preço de 17.42€ cêntimos. A única diferença, mas ao nível dos cêntimos, está nos cadernos de actividades. A autoridade para a concorrência não devia ver estas coisas?

Havia nove(!) manuais para escolha. Qual é o professor que consegue fazer um estudo exaustivo, correcto e honesto de tantos manuais, sabendo que os foi recebendo a partir do fim de Abril, tempo em que todo o trabalho de fim de ano se acumula?

(Maria Pereira Stocker)
*

Na (minha) qualidade de professor do ensino secundário (há 32 anos a ensinar Física) (...) permito-me enviar-lhe algumas achegas. (...)

1. Sobre a componente não lectiva e o local da sua concretização, há problemas ainda não equacionados. Um deles é o da exposição do professor a ambientes agressivos e ruidosos. De facto, se há uma parte da componente não lectiva que pode /deve ter lugar na Escola, para reuniões e outras coisas parecidas, tal parcela deve ser pequena —reduzida ao mínimo— pelas seguintes razões:

a) as escolas em geral não têm gabinetes para albergar um grande número de professores em simultâneo; foram concebidas partindo do pressuposto de que a componente não lectiva é passada fora da Escola (por exemplo em casa do professor); desse modo, poucos são os professores que num dado, momento estariam na escola ao mesmo tempo: quando uns saiam entravam outros.

b) mesmo nas escolas que possuem alguns gabinetes, quase todos esses gabinetes têm portas que dão para corredores onde passam alunos a falar aos berros, a gritar intencionalmente, a bater às portas, etc.; quem é que consegue (eu não consigo!) fazer trabalho útil no meio do barulho ?

c) também é de considerar o problema nas próprias salas de professores, onde alguns/algumas colegas não se coíbem de falar alto, mesmo quando estão a ver outro colega a corrigir testes, a preparar lições, etc.

d) as condições de b) e c) tornam o trabalho da componente não lectiva (quando prestado na Escola) penoso, triplamente cansativo, frustrante e de escasso rendimento;

As condições acima referidas propiciam um desgaste acrescido e inútil por exposição demorada ao ruído. Sabe-se quais são as consequências a médio/longo prazo de tal exposição excessiva e ao "stress" dela derivado (os psicólodos e os psiquiatras têm documentação). É certo que uma escola é, por definição, um local onde se reúne muita gente, professores, alunos, etc., mas essa exposição ao ruído deve ser reduzida ao fundamental. Por isso, a não ser que haja gabinetes acusticamente isolados, vidros duplos, etc., não será viável o prolongamente exagerado da componente não lectiva nos espaços das Escolas.

2. Continua a esperar-se do professor um verdadeiro milagre. No entender dos mais "iluminados" governantes, trata-se de um profissional "multifacetado e de largo espectro" que é, ao mesmo tempo, psicólogo, psiquiatra, assistente social, animador, bom encaminhador de jovens, divertido, sempre bem disposto e transbordante de energia, despistador de casos de uso de drogas, domador de delinquentes, perspicaz educador e ainda agente interactivo escola-família-comunidade. Também se pretende que seja de vez em quando palhaço quanto baste (com a respectiva bola vermelha no lugar do apêndice nasal) e pouco faltará para termos de equilibrar uma bola na ponta do nariz, como as focas do circo! Depois de tudo isto, e como pequeníssimo pormenor, o professor também **ensina** uma determinada disciplina (Matemática, Biologia, Português, Física, Inglês, História, etc.). Mas este último aspecto será (dizem os "iluminados") cada vez mais irrelevante, a bem das primeiras componentes da profissão, já referidas....
(...)

(Guilherme de Almeida)

*

"Dessas 60 mil pessoas que se candidataram e não foram contratadas, só cerca de um terço eram professores, outros eram pessoas que se candidataram ao lugar de professor" e "nunca foram professores na vida", afirmou aos jornalistas em Resende, Viseu. É urgente explicar ao Senhor Primeiro Ministro que o concurso em questão se destina ao preenchimento de vagas de Quadros de Escola ou de Quadros de Zona Pedagógica, o que implica ser profissionalizado, ser mesmo professor portanto.

Eles não estão a candidatar-se ao lugar de professores. Eles são professores.
Como é possível ficar tudo calado e não repor a verdade?
Estes não colocados irão passar para um concurso de professores contratados e a maioria dos contratados também tem habilitação profissional.
Sabia, não sabia, Senhor Primeiro Ministro?
Todos os dias são dias de dizer a verdade e só a verdade, sobretudo quando se trata de pessoas que prometeram exercer as suas funções "com lealdade".

(Madalena Santos, Professora do Ensino Básico, Montijo.)

(Continua)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



"Nonada", a primeira palavra do livro.

"Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente - depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucaia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde um criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucuia vem dos montões oestes. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda parte."

Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER


É mesmo assim enevoado.

Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
 


PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER



Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa.
(Museu da Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
 


MAIS UMA VEZ

o Blogger está a funcionar mal.
 


RETORNO DO JUDEU ERRANTE


ao mesmo labirinto.

6.6.06
 


UMA NOITE NO FASANO OUTRA NA FAVELA DE VILA PRUDENTE

(Em breve.)
 


MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA DE SÃO PAULO

Vale a pena. Vale muito a pena. Vale absolutamente a pena. Toda a nossa língua está lá e, através do português, um dos melhores retratos do Brasil. A língua como som, mas também a língua como luz, como tempo, como imagem.

A exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa, esse texto homérico português, mostra como se "entra" fisicamente num livro, no emaranhado das suas palavras e se sai com ele "lido" ou com vontade de o ler.

"Agora é agora", está escrito num tijolo. Pois é, agora.

(Em breve, fotos das "palavras", por especial deferência do Museu, que as permitiu para os leitores do Abrupto.)

3.6.06
 


JUDEU ERRANTE


Mais uma corrida, mais uma viagem.
Darei notícias pelo caminho.
 


NEWSPEAK SOBRE TIMOR



"Houve uma reunião técnica com uma delegação das Forças Armadas australianas, onde ficou claro que o comando é da GNR. Ontem foi assinada uma adenda para clarificar que esse princípio se mantinha totalmente válido e que nada que tivesse sido acordado com terceiros estados podia diminuir o alcance desta posição fundamental quanto ao comando operacional próprio". (António Costa citado aqui.)

"Reunião técnica" - O problema é político e não "técnico". Que reunião foi esta? A descrição da reunião como "técnica" não é inocente, pretende dizer, sem dizer. Para além disso, a que propósito Portugal se reune bilateralmente com a Austrália para decidir o comando de forças num país estrangeiro soberano? Os timorenses estiveram presentes?

"Ficou claro que o comando é da GNR" -
"Comando" de quê? Das tropas da GNR? Qual é a exacta cadeia de comando no terreno? Fica por saber. O que se sabe é que num território numa situação de caos, a existência de vários "comandos" operacionais só pode dar confusão e risco. É perigoso: se houver um incidente e forem chamados ao mesmo tempo (pelos populares, por uma família portuguesa, seja por quem for) a GNR e os australianos, como é que se resolve? E sem comunicações claras a probabilidade de fogo "amigo" é grande, porque ninguém está a ver em plena acção as forças a discutirem competências e comandos.

"Esse princípio [do comando] se mantinha totalmente válido e que nada que tivesse sido acordado com terceiros estados podia diminuir o alcance desta posição fundamental" - Muito interessante, tanto mais que os "terceiros estados" só podem ser Timor, as autoridades de Timor e os acordos feitos com a Austrália. Isto significa que Portugal vai enviar a GNR para Timor, um estado soberano, sem aceitar a legitimidade desse estado para decidir sobre as forças militares e militarizadas que estão no seu território.

Convinha ser mais claro e convinha que se exigissem mais explicações. Assim não chega, assim parece que se está a esconder alguma coisa.
 


INTENDÊNCIA

Em actualização os ESTUDOS SOBRE COMUNISMO.

Actualizadas as notas NUNCA É TARDE PARA APRENDER: TANQUES, EFFENDI, UMA OPORTUNIDADE PERDIDA: DISCUTIR TIMOR A SÉRIO.
 


COISAS DA SÁBADO: “QUANTO VALEM OS VERDES”?

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perguntava, com imensa boa vontade, o Público, a propósito de algumas trapalhadas internas do “partido” “Os Verdes””. A resposta, para além de umas preciosidades académicas, é: do ponto de vista eleitoral, nada; para o aparelho parlamentar do PCP, bastante. Não é uma contradição: ao manter um partido artificial, que não existe fora do PCP, o PCP consegue na Assembleia da República aumentar, e muito, os recursos que lhe são facultados e pagos pelo erário público.

É por isso que nas suas listas é milimetricamente escolhido o número de deputados “Verdes” para garantir um Grupo parlamentar, ou seja instalações, funcionários, e tempo nos debates muito superiores ao que obteria se aqueles deputados estivessem nas suas listas como membros do PCP. Há alguma, escassa, vantagem marginal do disfarce, o que no PCP é genético, habituados a fazer partidos e movimentos “independentes” para tentar alargar o seu espaço político. Mas com os “Verdes”, um ano depois, percebeu-se que não viria dali nenhum voto, só sobraram as vantagens no parlamento. De graça para o PCP.

ANEXO: Com o mínimo de dois deputados (o PEV fez-se para ter esse mínimo), segundo a Lei n.º 28/2003 de 30 de Julho - Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR), no Artigo 46.º (Gabinetes dos grupos parlamentares)

1 - Os grupos parlamentares dispõem de gabinetes constituídos por pessoal de sua livre escolha e nomeação nos seguintes termos:

a) Com dois Deputados, inclusive: pelo menos um adjunto, um secretário, um secretário auxiliar e ainda outros funcionários nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 4;


para além de uma subvenção para

a) Grupo parlamentar de 2 Deputados - 24 x 14 SMN (salário mínimo nacional) + 6 x 14 SMN por Deputado.
 


RETRATOS ESQUECIDOS DO TRABALHO EM PORTUGAL






















Desenho de Figueiredo Sobral no livro de Domingos Carvalho, Sementes do Terço. Contos, publicado pelo autor em 1956.
 


EARLY MORNING BLOGS 787

In limine


Godi se il vento ch'entra nel pomario
vi rimena l'ondata della vita:
qui dove affonda un morto
viluppo di memorie,
orto non era, ma reliquiario.

Il frullo che tu senti non è un volo,
ma il commuoversi dell'eterno grembo;
vedi che si trasforma questo lembo
di terra solitario in un crogiuolo.

Un rovello è di qua dall'erto muro.
Se procedi t'imbatti
tu forse nel fantasma che ti salva:
si compongono qui le storie, gli atti
scancellati pel giuoco del futuro.

Cerca una maglia rotta nella rete
che ci stringe, tu balza fuori, fuggi!
Va, per te l'ho pregato,- ora la sete
mi sarà lieve, meno acre la ruggine…


(Eugenio Montale)

*

Bom dia!

2.6.06
 


UMA OPORTUNIDADE PERDIDA: DISCUTIR TIMOR A SÉRIO



No artigo da Sábado, que seguiu segunda-feira à noite para a revista (que só se publica na quinta-feira), fazia as seguintes perguntas:
"Se criticamos os australianos de ingerência indevida, por dizerem que não há governo em Timor-Leste, com que lado alinha Portugal no conflito institucional timorense? A RTP e muita da comunicação social de “causas”, incluindo Marcelo Rebelo de Sousa, alinham por Xanana contra o Primeiro-ministro, sem se saber muito bem porquê, mas a nossa política externa também “alinha”? Se os australianos se estão a ingerir nas questões de Timor-Leste, o que significa que estão a por em causa a soberania do país, quem manda em última instância nas ruas, o governo de Timor ou a Austrália? E se mandar a Austrália, e manda quem pode e tem a força, mandam também os comandos australianos na GNR? Se os australianos entenderem que a rua X está interdita, a GNR tem que negociar ou pedir licença para lá passar? Qual é a cadeia de comando em Dili?
Estas e mais mil e uma perguntas deviam estar a ser feitas e a ter respostas claras. Mas nem se pergunta, nem se responde."
Tentei discutir esta mesma questão na Quadratura do Círculo e a resposta foi que estava tudo já combinado e não havia qualquer problema com a cadeia de comando em Dili. Procurei na comunicação social alguma reflexão sobre esta questão, tão evidente era. Nada, até há vinte e quatro horas, quando subitamente se começou a perceber nas habituais declarações agrestes do Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, ou havia precipitação, ou negligência (nossa) ou dolo (deles). Dolo de quem? De Xanana, do Governo legítimo de Timor, dos australianos?

Há explicações muito claras que têm que ser dadas, e não vejo a oposição e os parlamentares a fazerem aquilo que é a sua verdadeira função: vigiar o governo, controlar os seus actos, perguntar. Timor não pode continuar a ser um tabu "consensual". As decisões sobre Timor ou são puramente humanitárias, - ir lá buscar ou proteger os portugueses, já que para salvar os timorenses não temos capacidade, só os australianos -, ou são actos da nossa política externa, e como tal devem ser explicados. Ora o que diz o Ministro dos Negócios Estrangeiros pode ter duas interpretações contraditórias: ou é excessivo ou é bem pouco. Tudo está por explicar: o que é que se está a passar em Timor, e qual o nosso papel?

*
Ouvi na televisão o ministro dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral, afirmar, relativamente aos militares da GNR que se dirigem para Timor, que «Portugal tem mais de oito séculos e meio de independência nacional e não aceita que forças militares suas sejam comandadas por militares estrangeiros». Permito-me corrijo-lo. De facto, já por diversas vezes no passado Portugal aceitou «efectuar importantes transferências de soberania. A primeira foi em 1949, com Oliveira Salazar, quando Portugal foi membro fundador da NATO, aceitando que, em caso de guerra no teatro europeu, as suas tropas fossem comandadas por um Estado-Maior internacional, chefiado por um general americano (os nacionalistas não protestaram então». Talvez o Ministro dos Negócios Estrangeiros devesse informar-se junto do autor do livro do qual extraí esta passagem. Chama-se «Um voto a favor de Maastricht: Razões de uma atitude», escrito por um certo Diogo Freitas do Amaral.

(José Carlos Santos)
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a bibliografia dos ESTUDOS SOBRE COMUNISMO.
 


ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (5ª série)




Porque é que ninguém considera os alunos como intervenientes activos e responsáveis pelo seu sucesso ou insucesso?

Atente-se no Plano de Acção para a Matemática, Ano Lectivo 2006-07: "(...) o sucesso de uma intervenção para a melhoria dos resultados em Matemática depende fundamentalmente do trabalho das escolas e do trabalho colectivo dos professores de matemática."
Os alunos nem sequer são considerados (isto para não falar já dos pais, dos quais, segundo parece, nada se espera).
O S. e a N. eram ambos meus alunos a Matemática no 9º ano. Tiveram 5 no final do ano e 5 no exame, quando bastava terem tido 3 para manterem o 5 final (e sabiam-no).
Porque é que trabalharam tanto para o exame? E porque é que outros, também meus alunos, a receberem as mesmas aulas, não o fizeram? E esta é que é a questão verdadeiramente crucial no problema do insucesso escolar!!! Os alunos. Andar à procura noutros sítios só me faz lembrar a história contada por Herberto Helder:
“Trata-se de uma mulher que perdeu uma agulha na cozinha e a procura na varanda de sua casa. Acorre então o jovem que pretende ajudá-la, e pergunta:
Que procura? – Uma agulha. Caiu-me na cozinha. Logo o inexperiente jovem se espanta muito e quer saber porque a procura ela na varanda. – Porque na cozinha está escuro – responde a mulher.
A parábola ajudará a desaprender alguma coisa, e depois será possível aprender outra coisa.”
Acho que isto diz tudo.

(Rui Monteiro, professor de Matemática)

*

Preocupação pertinente a da professora Madalena Santos no seu texto do Abrupto. As disciplinas de Área Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica servem para tranquilizar as mentes pensantes do "eduquês" em primeiro lugar, servem para impedir uma maior exigência curricular a Português, Matemática, Inglês, etc. Servem para os professores falarem com "agenda", mas sem ensinar nada durante os 90 minutos que duram cada aula de cada uma dessas pseudo-disciplinas, servem também para que os alunos nunca mais na vida queiram fazer trabalhos de grupo tal a pressão para o fazerem, com qualquer pretexto, de qualquer modo e com qualquer tema, num difícil período de desenvolvimento pessoal, em que as aptidões necessárias ao sucesso de um trabalho de grupo tais como aceitação dos diferentes pontos de vista, capacidade negocial, objectividade em relação às competências de cada um, e gestão de recursos, estão muito pouco desenvolvidas ou mesmo ausentes. As repetidíssimas experiências de trabalho de grupo são sobretudo, nestas idades, momentos e motivos de acrescida tensão, conflito, luta por liderança, que pouco ajudam o bom relacionamento entre colegas e amigos e que tanto tempo tiram à aquisição de conhecimentos.

Também eu tenho dificuldade em perceber como ninguém nunca fala sobre este assunto. Os Pais não se importam?

(não sou professora)

(J.)

*

Reparo nos comentários que se continua a insistir em lugares comuns sobre os professores, típicos dum país em que todos desconfiamos que os outros não fazem nada. Não sou professor (nem o quero ser), mas conheço bem muitos professores. Para lá da experiência pessoal de que são sempre os meus amigos professores que têm menos disponibilidade e tempo livre, o facto é que quem se dá ao trabalho de investigar vê que um professor (pelo menos um professor normal, que em todas as profissões há quem não faça o que deve) trabalha tantos dias como os restantes trabalhadores (ao contrário do raciocínio simplista de muitos, quando os alunos estão de férias, os professores não estão de férias) e tem bastantes horas de trabalho por dia, a grande maioria das vezes muito mais do que oito horas. Claro que a maior parte das pessoas, completamente fora do mundo da educação, confundem "horas lectivas" com "horas de trabalho", quando uma grande parte da carga de trabalho docente consiste na preparação das aulas (ou assim devia ser...). Por isso, quando a maior parte dos meus amigos sai do trabalho, têm tempo para si; quando se trata dum professor, raramente tem tempo para deixar de pensar na profissão. Mas, claro, é mais cómodo deixar passar a imagem banal do "professor-preguiçoso". Talvez por traumas do tempo de escola...

(E ai de mim se insinuar que o ensino até melhorou um pouco nos últimos 30 anos, apesar de todos os entraves. Obviamente, é mais fácil dizer que está tudo mal, não tentar destrinçar nada e atirar para o ar uns lugares comuns à laia de soluções infalíveis.)

(Marco A. F. Neves)

*

Num conjunto de textos publicados n’As Farpas, sob o título “Os nossos filhos – instrução pública” ( e do qual aqui se transcreve alguns excertos), Ramalho Ortigão focava já alguns dos problemas que, neste momento, afectam o ensino e os que nele intervêm:

Em primeiro lugar os alunos habituam-se desde a infância, nos primeiros actos da sua vida civil, a descrerem do mérito, do trabalho, e do estudo, a contarem para todo o êxito com a falseação das provas, com a mercancia da justiça e com a omnipotência do compadrio – perfeita iniciação para uma inexistência de intriga, indolência e de desonra.

Os pais, quites para com as suas consciências dos encargos da educação que devem a seus filhos pelo facto de haverem delegado noutros esses encargos, contentam-se em participar aos parentes que o menino continua a ser aprovado nos seus exames, até que, aos dezasseis ou dezassete anos, o colégio devolve à família plenamente aprovado em todos os seus estudos o menino que a família lhe confiara, e o pai encontra-se então, frente a frente, no seu campo, na sua loja, na sua oficina, ou no seu lar doméstico, com um mancebo aproximadamente inútil para toda a espécie de emprego.

[…]

Na Escola Politécnica, na Universidade, num escritório comercial ou na casa paterna esse rapaz deixará correr descuidadamente a sua existência pelo declive fácil em que o puseram, sem estímulos afectuosos, sem vontade, sem energia, sem força, sem consciência e sem carácter”

(Ortigão, Ramalho – Os Nossos Filhos-Instrução Pública. In As Farpas, Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1944.Tomo VIII, p.15-17)
Ao ler estas palavras recordei-me de alguma situações passadas, como por exemplo, a da professora primária que numa aula do 3.º ano ensinou aos que um conjunto de dois versos era um dueto, tendo posteriormente, quando questionada sobre o facto por um dos pais, explicado que para eles era mais fácil fixar o termo dueto do que dístico; ou do professor cujas aulas se repetiam textualmente, ano após ano; do professor que corrigia os testes durante as aulas; ou ainda o caso do professor que, momentos antes de entrar na sala, confessava não saber que matéria iria dar naquela aula; mas também o caso dos cento e tal atestados médicos que foram entregues por alunos aquando dos exames do 12.º ano, entregues com a conivência de pais e médicos, há dois anos atrás; ou ainda o estudo divulgado na passada semana, segundo o qual 4 em cada 5 alunos do ensino superior, copiava, uma vez que a sociedade premeia as melhores classificações em detrimento do saber e outras capacidades…

O ensino em Portugal tem sido desde sempre um dos principais problemas a que nenhum governo (passe o exagero e a presunção), tem sabido dar resposta.

Certamente nos recordamos da possibilidade que existiu durante largos anos, de “professores” leccionarem, tendo como habilitações o 11.º ano, ou o curso da Alliance Française, British Council,…, sem a mínima preparação pedagógica (a este propósito, não consigo perceber a indignação de um dos leitores, docente no ensino superior politécnico, por o quererem “obrigar a fazer estágio pedagógico”).

Claro está que ao permitir-se atitudes destas, deu-se azo à máxima utilizada por um dos leitores: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina, e quem não sabe ensinar é... agente educativo.”

Se a tudo isto juntarmos a massificação do ensino, (que levou a destruição do ensino técnico de que agora tanto se fala), o florescimento de escolas quer ao nível do ensino básico quer ao nível do ensino superior e a redução de alunos que se começou a verificar há alguns anos a esta parte, o resultado só poderia ser aquele a que chegámos.

E tudo isto era e tem sido do conhecimento dos governos, dos sindicatos, dos docentes e da sociedade em geral, sem que nada tenha sido feito para combater a situação, procurando-se agora empolar exageradamente a questão: um dos leitores chama a atenção para “a quantidade infindável de tarefas e funções a que vão obrigar os docentes [e para] a complexidade dos processos envolvidos em cada uma delas”.

Assim como as moedas têm sempre duas faces, também as situações podem ser sempre vistas de dois modos diferentes.

Ninguém, de bom senso, acredita que a cada professor será exigido o cumprimento simultâneo de todas as tarefas e funções enunciadas, tratando-se outrossim de um mero elencar das mesmas.

Por outro lado, é preciso não esquecer que muitos daqueles que tantos protestam são, provavelmente, os mesmos que usufruem de 6 a 8 horas de redução num horário de 22 horas, trabalhando 14 horas semanais (contrariamente ao funcionário público comum que é obrigado a fazer 35 horas até se reformar), e complementando o seu tempo de descanso, para que foram dispensados, com explicações noite dentro!

Em síntese, há boas e más políticas, há bons e maus bons profissionais, há melhores e piores condições de trabalho… (...)

(Jorge Amaral)

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Notas soltas sobre a Escola

Há 9 anos, era eu pouco mais que recém-licenciado, concorri para dar aulas no distrito de Beja – nos então designados "mini-concursos" – e fiquei colocado! Na altura tinha apenas uma licenciatura em Sociologia, obtida na Universidade Nova de Lisboa; tão mal forjada para as minhas necessidades de emprego como para as necessidades do mercado.

O facto de ter uma licenciatura em Sociologia tornava-me, na altura e creio que ainda hoje, legalmente habilitado para dar aulas de Português/História ao 2º ciclo do ensino básico; apesar da mesma legislação não me considerar capaz de leccionar… Sociologia!

Quando me apresentei na escola deram-me o horário com a anotação 318/91. Perguntei o que é que aquilo queria dizer e responderam-me que era o diploma legal que regulamentava o ensino especial e, no caso, o ensino que eu deveria leccionar às minhas turmas. Preocupei-me, li o diploma, preocupei-me ainda mais, falei com o conselho directivo que me tranquilizou e me encaminhou para o gabinete de psicologia da escola. No gabinete de psicologia tranquilizaram-me – outra vez! – e disseram-me que não me preocupasse, que não tivesse muitas expectativas em relação aqueles miúdos e que me limitasse a ir com eles ao centro de recursos, ver uns filmes, conversar um bocado… enfim, passar o ano.

Não sei se nesta altura do relato, para avaliar convenientemente a situação, interessa lembrar que eu não tinha experiência lectiva, não tinha qualificações para lidar com crianças com necessidades especiais, nunca tinha dado uma aula e que a única coisa que me habilitava a dar aulas de Português/História (ou passar o tempo com os alunos, como explicitamente o gabinete de psicologia da escola me sugeriu) era uma licenciatura em Sociologia. Por esta altura poder-se-á perguntar se o cenário era este, porque raio resolvi eu aceitar o desígnio. A explicação é simples. Estava desempregado, queria trabalhar (o que nem sempre são condições cumulativas), disponibilidade para sair de casa e ir arranjar emprego a 200 kms de casa (de Cascais a Beja), tinha um "perfil" de habilitações que o "mercado" reconhecia e validava, uma imensa vontade de aprender e, já nessa altura, uma grande apetência para os processos de ensino/aprendizagem.

Conheci finalmente os alunos. Eram 14. Distribuídos por 4 (!) turmas o que dá uma média de 3,5 alunos/turma. Uma turma tinha 6, a outra tinha 4 e ainda havia 2 turmas com 2 alunos cada. Nenhum deles tinhas necessidades especiais – sobretudo deficiências ou incapacidades como o discurso correcto lhes chama agora – como o diploma anunciava. Tinham de facto necessidades especiais, mas de outra ordem. Resultavam essas necessidades especiais de serem crianças provenientes de montes isolados e de lugarejos rurais, onde a sociabilidade era pouca, pobre, rude e, não poucas vezes, violenta.

Fosse lá como fosse, a escola tinha resolvido contratar um professor de português e um de matemática e outros de outras disciplinas para dar "acompanhamento" mais personalizado (um acompanhamento sobre o qual nem sequer tinham pensado muito…) a estas crianças.

Nem vou falar sobre o efeito que esta pedagogia, alegadamente inclusiva, e o seu efeito estigmatizante, consubstanciado no facto de se criarem turmas especiais para os "bichos do mato" ou, como lhes chamavam na altura, os "319", tinha sobre as crianças.

Vou falar de prioridades. E de custos. Que é coisa que a esquerda normalmente acha que faz parte da agenda suja da política.

Ora bem, eu tinha na altura um horário completo (deveriam rondar, não me recordo com exactidão, as 21 horas lectivas) tal como todos os meus colegas que tinham, também eles, aproximadamente 4 turmas "normais". Uma turma "normal" contava com uns 20 e tal alunos. Façamos a coisa pelos 22. Ora cada colega tinha (4 turmas x 22 alunos) 88 alunos. Eu tinha 14. Recebíamos todos aproximadamente o mesmo. Eu deveria receber, líquidos, qualquer coisa como 180 contos. Ora, isto fazia com que os meus alunos, para desenvolverem competências em Português/História, custassem, cada um deles, (180 cts/14 alunos) quase 13 contos por mês. Ao passo que os outros alunos custavam apenas (180 cts/88 alunos) 2 contos; para o mesmo objectivo.

A pergunta que eu faço, e faço-a a pensar nesta minha experiência particular, como a faço a pensar nos acontecimentos em discussão sobre a violência nas escolas urbanas e sub-urbanas é a seguinte: e os melhores? Quem se preocupa com os melhores? Aqueles que, em turmas "normais", aguardam pelo curso normal, na melhor da hipóteses, da mediania geral? Pior: quem se preocupa com aqueles que, não sendo ainda pré ou proto ou recém delinquentes, pelo convívio e sobretudo pela partilha do espaço escolar com todos aqueles que já são qualquercoisa-delinquentes acabam por não se desenvolverem como mereciam numa escola que estimulasse a excelência e que não andasse sempre a olhar para os mais violentos, e para os mais carentes de ajuda e para os mais atrasados.

É evidente que não julgo que se devam deixar cair, ainda mais, os mais fracos. O que não suporto é ver a Escola consumir-se até à exaustão com toda a problemática dos coitadinhos, nomeadamente por via dos efeitos que o meio exerce sobre eles, como se o facto de se nascer e viver na Cova da Moura tornasse o individuo, inexoravelmente, num marginal inimputável ou merecedor de maior atenuante que outro marginal qualquer nascido e criado na Quinta da Gandarinha.

O que não suporto é ver a Escola transformar-se numa arena em que aos alunos e aos pais dos alunos é permitido insultar, cuspir, agredir e incendiar os cabelos dos professores, com total impunidade. E um Estado que ao invés de proteger a Escola e de a centrar no essencial a desloca para tarefas que deveriam estar a ser, no limite, caso os pais sejam irremediavelmente casos perdidos, desempenhadas pelo Instituto de Reinserção Social, pela Polícia, pelos Tribunais e pela Segurança Social.

(Pedro Gomes Sanches)

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Sou professor do ensino secundário e estou, como muitos outros, "de rastos" com o actual estado da carreira docente. A proposta apresentada por este governo vai piorar ainda mais o nível do ensino em Porugal. É reconhecido pelos especialistas que a carreira docente é uma das profissões mais causadoras de stress e as alterações que têm sido introduzidas nos últimos anos só têm ajudado a piorar o estado das coisas, como referia um leitor deste blog, neste momento os professores vivem "afogados" em burocracia, reuniões e projectos, não lhes sobrando muito tempo para fazerem aquilo para que se propuseram e que é preparar aulas e ensinar. Como se não bastasse o actual estado das coisas e os ataques que já foram feitos vem agora este governo denegrir ainda mais a imagem dos professores perante a opinião pública, por que razão? Na minha opinião estas manobras mediaticas têm por objectivo legitimar junto da opinião pública este ataque à classe docente.

As razões que estão por detrás deste novo estatuto são as mesmas que estão por detrás da lei que pretendia obrigar os professores a permanecerem 35 horas por semana na escola e que são, nada mais nada menos que o corte no orçamento da educação. Inventam-se motivos, inflama-se a opinião pública contra os professores para que, no meio da confusão, os cortes salariais sejam introduzidos. Na minha situação em particular, com a aplicação desta lei no presente ano lectivo, com os mesmos cargos e com o mesmo ou mais trabalho na escola tive um corte salarial de cerca de 150 €. Multiplicado este valor por alguns milhares é facil encontrar a causa do surgimento desta lei.

O estatuto proposto vai provocar exactamente o mesmo efeito desejado. Com a introdução de bastantes entraves na subida da carreira docente (convenientemente disfarçados com motivações pedagógicas) vão haver bastantes professores a ficar retidos em escalões mais baixos e consequentemente com ordenados inferiores.

Relativamente à resposta por parte dos sindicatos a esta situação gostaria aqui de lamentar a desunião existente e a manipulação partidária dos mesmos.
Que lógica tem um sindicato ser apoiado por um partido? Como é obvio quando esse partido estiver no governo vão existir compadrios e o sindicato não vai fazer o papel que devia! Quem acredita no contrário?
Gostava ainda de referir que relativamente à greve anunciada pela FENPROF, prevista para uma ponte, sem estar sequer disposta a ouvir os demais sindicatos e a chegar a um acordo para uma iniciativa concertada, na minha opinião joga claramente a favor do governo pois desta forma a única coisa que vão conseguir é denegrir ainda mais a imagem dos professores junto da opinião pública. Todas as pessoas vão se levadas a pensar que a greve foi feita para que se tivesse um fim de semana prolongado, "malandros dos professores que só querem sopas e descanso".

(Francisco Lampreia)

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Antes de mais quero esclarecer que sou professor. Tenho uma licenciatura em Física cujos os primeiros dois anos e meio são comuns à preparação científica de outros cursos do ramo científico (Matemática e Física) nos semestres seguintes são “cadeiras” das áreas das didácticas específicas , psicologia, sociologia entre outras. A preparação de uma monografia temática no quarto ano com uma forte componente laboratorial associada é igualmente necessária. O quinto ano da licenciatura é um estágio com 3 supervisores, dois científicos (Física e Química) e um docente que acompanhou as minhas actividades numa escola, o estágio pedagógico integrado, que inclui a elaboração de dois seminários (trabalhos escrito em estreita colaboração com os supervisores científicos).

Tenho 10 anos de serviço nos quais ao longo dos primeiros cinco conheci várias escolas e portanto realidades diversas. Nos últimos seis anos tenho trabalhado na formação inicial de professores tendo exercido o cargo de supervisor pedagógico em colaboração com a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. A formação acrescida, fornecida pela instituição do ensino superior para o exercício do cargo tem sido realizada regularmente e de forma pertinente com vista à melhoria do processo. Para além disso adquiri um Mestrado na área da Educação Multimédia cuja interdisciplinaridade muito enriquece quem o frequenta. A minha tese assentou num desenvolvimento de um estudo nacional sobre a utilização das TIC na escola em particular pelos professores da minha área; na produção de recursos e estratégias para uma eficaz integração das novas tecnologias nas escolas e na compreensão das perspectivas pedagógica – didácticas com base no livro branco da Física e Química entre outros estudos com vista a uma mudança de paradigma educativo cuja a eficácia dê resposta às necessidades não só formativas da população para o século XXI como do desenvolvimento de competências transferíveis. Participei em simpósios internacionais apresentando comunicações. Formador de professores, actividade que suspendi por ter optado por continuar como supervisor apesar de penalizado do ponto de vista remuneratório.

Constato hoje que os meus alunos de 9º ano de à dez anos sabiam mais e melhor, que a maioria dos alunos que agora completam o 11º ano de escolaridade. Para que possa compreender que esta é uma comparação possível e não uma opinião cumpre-me explicar que o currículo está elaborado em espiral. De uma forma simples é o mesmo que dizer que os alunos andam sempre a falar do mesmo mas com graus de profundidade crescente. Voltam sempre, mais tarde, aos assuntos. É portanto comparável tendo em conta que hoje coloco nas minhas fichas de avaliação do 10º e 11º ano questões com um nível de exigência idêntico às que colocava aos meus alunos de 9º ano de à dez anos atrás. Os professores são os mesmos. O que mudou então? A resposta é simples: o sistema. Temos os mesmos programas e menos horas para os leccionar; o número de alunos por professor disparou. Quando comecei um professor tinha cerca de quatro turmas (cerca de 100 alunos); hoje um professor tem entre 7 a 11 turmas ( cerca de 180 alunos). Equacionando a implementação de novos programas e de um aumento significativo de trabalho burocrático nas escolas com a pressão da instituição e da sociedade para um sucesso a qualquer custo começa-se a compreender os resultados. Lembremo-nos do tempo em que era necessário o 9º ano para obter a carta de condução, forma de reconhecimento dos valores e conhecimentos aí adquiridos. Hoje esse é um aspecto irrelevante.

Antes de qualquer opinião que se possa ter sobre a proposta do governo no que respeita ao ECD é necessário perceber que esta é uma mudança de paradigma e que o actual estatuto não é comparável à proposta do governo.

Sobre este assunto seria interessante conhecer as opiniões de Roberto Carneiro, Marçal Grilo ou Ana Benavente.

A grande diferença está no estatuto dos professores. Afinal é essa a função do documento. As diferenças são enormes. De modo muito simplificado podemos afirmar que no actual ECD, ainda em vigor, os professores são vistos como responsáveis e parte integrante do sistema educativo. As suas funções no terreno são trabalhar com o ministério da educação no sentido de melhorar o sistema. Na actual proposta os professores não trabalham com, mas para o ministério da educação. São funcionários (servis) e não colaboradores activos para uma melhor educação.

Como supervisor estou habituado a ter aulas assistidas todos os anos por várias pessoas. Assisto e avalio o desempenho de outros à tempo suficiente para perceber que este sistema de avaliação serve sobretudo para avaliar um funcionário e não um professor.

Neste novo paradigma as responsabilidades do governo são enormes. Não há dúvida que face a maus resultados o governo não mais poderá atribuir a culpa aos docentes, pois possui todos os mecanismos de avaliação e correcção das irregularidades do sistema.

Resta saber se este é o modelo adequado às exigências dos tempos e do país. Este não é apenas um Estatuto da Carreira dos Docentes é um modelo de educação para o país que vamos conhecendo aos poucos. O país deve ter uma palavra a dizer e o assunto deve ser discutido abertamente sem a postura fossilizante dos sindicatos e a casmurrice da ministra.

É talvez a confusão entre formação profissional e educação que este governo não percebe.

Os sucessivos governos PS têm afundado sempre a educação pública. Esta é sem dúvida a última machadada. O PP não faria melhor.

Do ponto de vista social a situação é grave e tende a agravar-se. Ao contrário do que possa supor qualquer intelectual de esquerda esta democratização da ignorância que a escola pública promove (não os professores) levará, na minha opinião e a curto prazo a uma cisão entre classes sociais. Os acontecimentos recente em Paris com a incineração de automóveis na via pública é um aviso a que devemos estar atentos.

Um último pensamento: ainda não percebi se esta reforma em curso é fruto de uma convicção séria ou de uma posição demagógica com objectivos económico-financeiros mas que ainda não pesou as consequências a longo prazo.

“A coragem e a estupidez identificam-se pelos resultados obtidos” dizia um colega meu; o problema é que quem irá pagar será o país e não este governo pois é certo que nessa altura estarão na oposição.

Uma coisa é certo estas não são as funções para as quais me preparei.

(C. B.)
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Por que razão ninguém toca na ferida das àreas Projecto e Estudo Acompanhado que, juntamente com a Formação Cívica, têm uma carga horária igual a duas disciplinas, tal como História e Ciências ou CN e Inglês. A redução da carga de Inglês? Depois a Senhora Ministra diz que eles não sabem matemática.... E a indisciplina? Os programas?
Os noventa minutos, em que sobeja tempo útil de aula, ao contrário dos quarenta e cinco, em que falta? E as carências dos meninos mais pobres? E as pobrezas morais que por aí há que "animam" muito os telejornais? Na escola, nós temos de lidar com elas antes da "Alice no País das Maravilhas".

A culpa é sempre toda dos porfessores. Porquê?

(Madalena Santos, Professora do 2º ciclo, Ensino Básico)
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: TANQUES, EFFENDI

Kursk History's Greatest Tank Battle Nik Cornish, Kursk History's Greatest Tank Battle

No que correu bem (algumas coisas correram bem aos alemães) e no que correu mal (muita coisa), a batalha de Kursk foi mais decisiva do que qualquer outra para o destino final da II Guerra Mundial. Não é líquido o que podia acontecer caso Hitler não tivesse mandado suspender a ofensiva, no momento em que, com muita dificuldade,as divisões alemãs tinham conseguido juntar-se numa frente contínua, para reforçar a frente italiana ameaçada pelos desembarques americanos.

Conheci um combatente de Kursk, um velho azeri com os dentes de ouro, que usava as suas medalhas sobre um fato puído. Chamava-me "effendi", palavra que nunca imaginei alguém chamar-me, tão longe vinha da história otomana e queria vender uma carpete que trazia aos ombros, a sua riqueza súbita num sítio onde não havia turistas. Mas o velho sabia muito mais do que eu e não esquecera a deferência do tratamento para com quem, naquele sítio, uma aldeia azeri com refugiados do Nagorno-Karabakh, estava com as autoridades, com o poder. Contava depois, com orgulho, como tinha iniciado a guerra nos momentos difíceis de 1941 e a tinha acabado em Praga vitorioso, combatendo sempre pelo caminho. Com passagem pelo matadouro de Kursk.

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Discordo, JPP, que a batalha de Kursk tenha sido mais decisiva "do que qualquer outra" para o destino final da II Guerra Mundial. A mais decisiva foi Estalinegrado, e Kursk, 5 meses depois da rendição do 6º Exército, foi apenas o seu remate.
Em Estalinegrado não foi apenas o 6º Exército, a fina flor da Wermatch que vencera a França um ano antes, que desapareceu; foi praticamente todo o exército romeno e boa parte do grupo de exércitos do Don! Mais: a ofensiva russa em tenaz que cercou o 6º exército alemão em Estalinegrado foi apenas parte de uma ofensiva muito mais geral que atacou depois todo o flanco esquerdo da ofensiva alemã, guarnecido por exércitos italianos, obrigando o grupo de exércitos do Don a retirar apressadamente para Karkhov, de onde partira a ofensiva de Verão desse ano de 1942.
Mas há mais: conforme foi narrado pelo grupo de reporteres do 6º exército, no Inverno de 1942-43 a Rússia já produzia mais tanques, morteiros e munições que o Reich. O T-34, embora fosse um tanque primitivo quando comparado com o Tigre que faria a sua "apresentação" meses depois, em Kursk, avariava muito menos que este precisamente devido à sua simplicidade, e tinha lagartas largas adaptadas à neve e à lama. Os Tigres tinham uma blindagem quase invulnerável e um canhão incomparável, o 88, mas enterrava-se com facilidade devido ao seu peso e avariava-se ainda mais facilmente. Em Kursk boa parte deles não passou dos campos de minas com que os russos se fortificaram.
E mais ainda: já em Estalinegrado a percentagem de feridos que sobrevivia era nos russos superior à dos alemães, atestando a superioridade dos seus serviços médicos de campanha! Mas, onde a superioridade se afirmaria ainda mais, seria na espionagem.
Em Kursk, apenas alguns meses depois da derrota da ofensiva para o Cáucaso, Hitler já estava derrotado à partida. Era claro que não conseguira destruir os exércitos russos nem a Norte, em 1941, nem a sul em 1942, e por isso foi uma ofensiva desesperada.
Em primeiro lugar por que, ao contrário das anteriores, este ataque já não se inseria num plano estratégico (a ofensiva de 41 visara Moscovo e a de 42 o petróleo do Cáucaso). Em segundo lugar porque Hitler piorou da sua paranóia racista e decidiu abdicar dos exércitos auxiliares estrangeiros (aliás já praticamente destruídos) e apostar em factores mágicos, nomeadamente nas divisões SS de maior pureza racial e dando-lhes nomes gloriosos. Em terceiro lugar por que os russos dominavam completamente o terreno e as informações: minutos antes do hora marcada secretamente para o início do ataque, o exército russo desencadeou uma barragem infernal de artilharia, mostrando que sabia tudo sobre os planos nazis, para já não falar nas fortificações preparadas arduamente durante semanas, incluindo vastos campos de minas que, apesar da eficácia nocturna dos sapadores alemães, foram um cemitério para os tigres. Em quarto lugar por que os russos tinham entretanto aprendido tácticas de combate tão boas como as dos alemães (e que por sua vez eram incomparavelmente melhores que as de ingleses e americanos).
A primeira importância de Kursk foi a de ser a primeira batalha frontal em que, em pleno Verão, quando os tanques se não enterravam e os aviões tinham boa visibilidade, os exércitos mecanizados nazis tiveram tantas baixas como o seu inimigo. Com uma diferença: enquanto os russos eram já capazes de substituir as máquinas e os homens perdidos em poucos meses, as perdas alemãs eram praticamente irrecuperáveis.
A segunda e maior importância de Kursk foi a de ter tornado claro para todo o mundo que a eficácia militar de choque nazi fora superada. Foi certamente por isso que foi a partir de Kursk, no Verão de 43, que a resistência clandestina nos territórios ocupados ganhou outro fôlego e alguns colaboracionistas começaram a mudar de campo, como Miterrand. Infelizmente foi também a partir de Kursk que a paranóia nazi descambou de todo, atribuindo aos judeus a culpa dos males sofridos e que eles próprios tinham provocado, e que a matança dos mesmos entrou no desenfreamenteo total.
Não creio que a ofensiva de Kursk tenha sido parada por Hitler por que os aliados ameaçavam a Itália. Creio que foi ao contrário: os aliados resolveram finalmente atacar a sério a Ocidente por que em Kursk ficou claro que Rússia ganhara a guerra. Até por que em Itália os aliados negociaram com os italianos a sua mudança de campo e estes não ofereceram resistência. Teriam de vir a ser os páraquedistas alemães a deter a ofensiva aliada em Monte Cassino, meses depois, já bastante perto de Roma...
Significa isto que a guerra aliada na frente ocidental não teve mérito? Teve, claro. Mas muito mais por ter impedido o comunismo de ocupar o Ocidente do que por ter derrotado os alemães!...

(Pinto de Sá)
 


INTENDÊNCIA

Para que seja possível um ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (5ª série), textos mais curtos por favor.
 


O CÃO, O DIA DO CÃO E O DIA DE TODOS OS ANIMAIS, INCLUINDO O TOURO



Há coisas que não se percebem. Por que razão o Grupo Parlamentar do PSD se expõe ao ridículo com esta história do "dia do cão"? É verdade que a maneira como tratamos os animais é um elemento de civilização, como os ingleses perceberam há muito. Mas é impossível falar de um tratamento "humano" dos animais em Portugal sem nos lembrarmos do touro e das touradas e, sobre isso, presumo que o Grupo Parlamentar do PSD não queira dizer nada, agora que o Campo Pequeno reabriu e o marialvismo toureiro tem foros de jet set e de tempo nobre na televisão. Não há coisas mais importantes para fazer?

*
Estava ainda sonolenta quando ouvi hoje de manhã, julgando estar a sonhar, o rádio despertador despejar que um qualquer senhor a quem pago para fazer estas coisas (!) propor que se celebrasse um dia do cão.
Incredulidade seria uma palavra demasiado forte para descrever o que fui sentindo. Acho que já nem tenho força para tanto - apenas um encolher de ombros e as palavras pensadas de que "andamos aqui a levantarmo-nos às 7 da manhã para trabalhar e um gajo armado ao engraçadinho vem insultar-nos com coisas destas".
É um insulto às pessoas, mesmo as que como eu gostam muito de cães, mas não têm espaço, nem tempo (apenas obtíveis por dinheiro) para ter um, que um deputado tenho gasto sequer uma hora do seu tempo (que muito me custou a ganhar, sim porque somos nós que lhes pagamos) a congeminar uma treta destas!

(Maria Baldinho)

*

DOG, n.
A kind of additional or subsidiary Deity designed to catch the overflow and surplus of the world's worship. This Divine Being in some of his smaller and silkier incarnations takes, in the affection of Woman, the place to which there is no human male aspirant. The Dog is a survival -- an anachronism. He toils not, neither does he spin, yet Solomon in all his glory never lay upon a door-mat all day long, sun-soaked and fly-fed and fat, while his master worked for the means wherewith to purchase the idle wag of the Solomonic tail, seasoned with a look of tolerant recognition.

The Devil's Dictionary - Ambrose Bierce

(João Costa)

 


EARLY MORNING BLOGS 786

Navigating in the Dark


Papua, Indonesia

In this mining town in Papua the electricity
Has a habit of giving up at night, and this

Is a miracle of modern stasis, a secular Shabbat,
Reminding us of what is expendable, of how so few

Of us ever truly experience the dark. We are amazed,
My wife and I, with the heavy darkness

Of the no moon jungle, insect sounds lacerating
All illusions of silent places. “It’s so absolute,”

My wife says, and I like to think she means
More than the darkness; the naked places

Of ourselves we dress in sunlight, lamps,
And recorded music like antithetical

Blanche DeBois’s fearing a different sort
Of scrutiny. “We could pretend it’s 1940,”

I say, “put a Jack Benny tape on the short wave
And drink coffee, light candles.” She suggests

A walk outside instead, where there are dozens
Of others already out on paths bounded by jungle,

Stepping small and laughing loudly through various
Uncertainties; flashlights as eyes, ears like animals’.

Soon we are trying only to remember not to disappear
Altogether; everything is so absolutely, so darkly possible.


(Erik Campbell)

*

Bom dia!
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (4ª série)



E, no entanto, a Ministra tem razão! Concursos para quatro anos,avaliação dos professores, congelamento da progressão automática na carreira,substituição dos professores em falta, maior envolvimento dos pais e associações locais,só como exemplo, são medidas sensatas que os professores deveriam analisar com isenção, em vez de declararem guerra dia sim, dia não!

O nível,deplorável, do conhecimento dos nossos jovens, não é razão suficiente para que os nossos professores tenham um bocadinho mais de humildade?

Numa má educação,o culpado é sempre o educador! Somos todos? Seja! mas então juntemos esforços para vencer esta batalha, que é decisiva para o nosso futuro!

(Luis Moreira)

*

Aqui deixo a minha opinião sobre alguns dos pontos da proposta que considero mais pertinentes:

O artigo 22º da proposta enuncia os requisitos gerais e específicos para a docência, de entre os quais aparece como grande novidade a obrigação do candidato, depois de frequentar a instituição de ensino superior que lhe concede a qualificação profissional, realizar uma prova nacional de avaliação de conhecimentos e competências, assente numa prova escrita e numa entrevista, a determinar em futura portaria.

Ora, não tendo nada contra a realização pelo candidato a docente da referida prova nacional, uma vez que a mesma irá determinar, porventura, uma elevação do nível de exigência dos futuros professores, não é menos verdade que a mesma determina um acto de desresponsabilização ou, pelo menos, de desconfiança perante o papel das instituições de ensino superior na formação de docentes. De facto, se se quer que os futuros professores façam uma prova extra-licenciatura, então há que assumir que o problema poderá estar, sobretudo, na falta de confiança que o ME demonstra pelo desempenho e capacidade das universidades e das ESE`s em formar docentes. Assim, não seria melhor, para além da referida prova, assumir uma política séria e rigorosa de avaliação do desempenho das universidades e das ESE`s na formação dos seus alunos? É que, com o financiamento destas instituições a ser determinado pelo número de alunos que têm, o normal será que as mesmas queiram "fabricar" licenciados a todo e qualquer custo...

Em relação às duas categorias de docentes que a proposta veicula (professor e professor titular), como vem no artigo 34º, embora a intenção ministerial possa ser a de melhorar a organização e metodologias de trabalho a desenvolver por cada um dos departamentos da escola e outros órgãos da escola, não tenhamos dúvidas que a mesma poderá, infelizmente, aumentar as desigualdades e conflitos entre docentes, até porque falamos de "funções diferenciadas pela sua natureza, âmbito, grau de responsabilidade e nível remuneratório". Digo conflitos porque, na minha modesta opinião, a idade, nesta profissão, não constitui um factor exacto de maior empenho, capacidade ou responsabilidade. Bem sei que não fica nada bem, no politicamente correcto deste país, termos alguém de 30 anos com um cargo "superior" ao de um seu colega de trabalho de 50 anos de idade, mas, por exemplo, quem me diz que um professor com dez anos de serviço, mas com um curso de mestrado em organização escolar, não poderá desempenhar melhor o cargo de coordenador de departamento do que um docente com 25 anos de carreira, contrariado, sem vontade de ocupar o dito cargo e que não investiu nada na melhoria da sua formação académica?

A minha proposta seria a de fomentar a democracia na escola. Todos os docentes de cada departamento teriam uma palavra a dizer sobre a melhor pessoa a indicar para ocupar o cargo de coordenador de departamento, baseando-se tal escolha não na idade, mas sim na competência, tomando-se a mesma estratégia para todos os outros cargos da escola...

Outra questão pertinente que ressalta da proposta do ME é a do artigo 36º, no seu número 2. Quem se der ao trabalho de ler todas as competências que o ME remete para a profissão docente, certamente não estranhará que o que o ME quer é que o professor seja muito mais do que um formador: há que ser orientador, psicólogo, animador, confindente, organizador de papelada, gestor, e professor claro, enfim, temos que ser homens e mulheres dos sete instrumentos... São mais de vinte deveres que o ME nos impõe a cumprir!!!

Sobre a possibilidade dos pais intervirem na avaliação dos professores, apenas deixo duas questões: a concessão de direitos aos pais não impede que se descurem os deveres, pois não? Então porque só se fala dos direitos e se esquecem os deveres a que os pais estão obrigados em termos de responsabilização pelos actos dos seus filhos?

(Pedro Peixoto)

*

Algumas questões sobre a revisão do Estatuto da Carreira Docente

Natureza e estrutura da carreira docente
Não se compreende a necessidade de hierarquizar em duas carreiras quando os professores, sejam desta ou daquela categoria, têm o mesmo tipo de alunos. O mérito pode ser reconhecido na mesma carreira através da avaliação e de incentivos.

Conteúdo funcional
É estranho que, de um momento para outro, professores que são há muitos anos coordenadores de departamento, orientadores pedagógicos etc., passem por via administrativa a serem professores de uma carreira considerada inferior e impedidos de continuarem a exercer essas funções e substituídos por outros que por razões diversas não o fizeram até agora. Vão sentir-se penalizados pelo trabalho que fizeram e discriminados por terem feito actividades que a lógica do mérito deveria promover. Em muitas escolas pode criar-se um vazio, sobretudo nas escolas mais afastadas dos centros urbanos, no interior sobretudo, agravando também a discriminação geográfica e social dos alunos desses meios.

Acesso à carreira de professor titular
Professor titular apenas com 18 anos de serviço? Afinal o mérito é fruto do trabalho, do conhecimento ou da idade?
Transição da carreira docente Na transição da carreira docente os professores dos actuais 9º e 10º escalão passam a ser equiparados a professores titulares para efeitos funcionais e remuneratórios, exceptuando a aplicação das correspondentes regras de progressão e o exercício dos cargos de coordenação científico-pedagógica que estejam especialmente cometidos àquela categoria. Significa isso que no dia 1 de Janeiro de 2007 não existem, por exemplo, coordenadores de departamento habilitados? Como funcionarão os Conselhos Pedagógicos?

A dimensão ética A dimensão ética necessita de ser definida sob o risco de se resvalar para a identificação simplista de comportamentos aprovados ou reprováveis, de acordo com um padrão médio eivado de preconceitos, pondo em causa a liberdade de ensinar. Aliás, a insistência nos processos em detrimento dos resultados pode pôr em causa a diversidade de métodos e levar a algum puritanismo e à arrogância da forma “única” de ensinar e aprender, o que pode ter como consequência a utilização de fórmulas e receitas que não suscitem críticas e, portanto, acríticas e estandardizadas.

Autonomia técnica e funcional
A autonomia técnica e funcional é posta em causa através da avaliação dos professores por pessoas que não têm conhecimentos científicos e técnicos. Pode correr-se o risco de haver professores que actuem apenas de acordo com a opinião pública ou da minoria de pais que intervêm nas escolas e nos meios de comunicação social e, por outro lado, promover a confusão entre os professores que mantêm boas práticas levando-os a “funcionalizar” a profissão de acordo com as modas, em detrimento do espírito crítico, do aprofundar de conhecimentos e da inovação

Avaliação por professores do Ensino Superior
Na avaliação dos docentes por outros docentes do ensino superior tem que ser assegurado que os avaliadores sejam da mesma área, que conheçam o ambiente das escolas e os programas e que tenham habilitações superiores na mesma área. Poder-se-à correr o risco de, e dada a autonomia destas instituições, por exemplo, um professor de Física ser avaliado por um docente de um departamento de Pedagogia com a formação de base em Sociologia ou de ter até menos habilitações. Sublinhe-se que na carreira docente das ESEs e Institutos Politécnicos não era exigido o doutoramento e continuam a existir assistentes licenciados. Por outro lado, uma crítica recorrente ao ensino superior é o facto de os professores não serem avaliados pela sua qualidade pedagógica. Corre-se também o risco de os avaliadores proporem um modelo de professor que tem uma linguagem científica correcta mas que menoriza a aprendizagem dos alunos (veja-se também as causas do abandono escolar no ensino superior). Será legítimo alguém avaliar aulas quando nunca passou pela experiência de ser avaliado nas aulas?

Avaliação pelo coordenador de Departamento e direcção executiva.

No processo de avaliação fica o ónus, na prática, essencialmente no coordenador de departamento. A avaliação seria mais independente se fossem também chamados outros professores (até de outras escolas).

Avaliação pela Inspecção
A avaliação dos docentes que exercem as funções de coordenador de departamento ou do conselho de docentes efectuada pelos inspectores terá que ter a garantia que os mesmos inspectores estejam familiarizados com os ambientes das aulas e a prática de assistência às aulas, o que não tem acontecido até agora. Infelizmente, por razões diversas, entre as quais a sempre referida falta de meios, a inspecção conhece melhor as escolas através de processos burocráticos do que pelo conhecimento da realidade das turmas concretas onde os professores trabalham. Além disso haveria que garantir que tivessem mais habilitações que os professores que vão avaliar.

Sistema de classificação e percentagens máximas As classificações nunca deveriam depender de percentagens. A Lei de Bases é clara quando refere o primado do pedagógico sobre o administrativo. Uma coisa é admitir não haver condições financeiras para todos os professores qualificáveis de muito bom ou excelente progredirem de determinada maneira, outra é o mérito da classificação. A consequência directa é a desigualdade de classificações para o mesmo tipo de trabalho em diferentes escolas. Pode também assim promover-se a mediania em detrimento da qualidade.

Itens de classificação: abandono escolar e resultados escolares

A questão do abandono escolar na ponderação da classificação dos professores tem que ser objecto de reflexão em diversas situações que não são controláveis pelas escolas. Por exemplo, verifica-se no 10º ano que muitos alunos se matriculam nos cursos que visam o ingresso no ensino superior e que pouco tempo depois “abandonam” para frequentarem cursos profissionais.
Os resultados escolares dependem do percurso anterior que, até por via administrativa, coarctou possibilidades de aprendizagens em determinadas disciplinas. Veja-se o caso de História, onde no 3º ciclo, de um programa previsto para três aulas semanais nos três anos, se passou em muitas escolas para uma aula de 90 minutos no sétimo e nono ano e uma aula de 90 minutos mais uma de 45 minutos no oitavo ano. A perda de cerca de 100 horas num ciclo não pôde permitir o desenvolvimento de competências e conhecimentos o que vai ter repercussões no ensino secundário. O que fará o professor? Recupera o tempo perdido e não cumpre a totalidade do programa prescrito ou descura a qualidade e é penalizado de uma maneira ou de outra?
Os curricula e as frequentes alterações a estes também não ajudam. Cite-se o caso do ensino secundário em que os alunos continuam com horários extensos e programas que pretendem abarcar tudo, como se fossem mini-licenciaturas. Nos programas privilegiam-se as competências e nos exames exigem-se todos os conteúdos. Uma das consequências tem sido, nas aulas, nas disciplinas sujeitas a exame, privilegiar-se o ensino magistral de muitos conteúdos, frequentemente ensinados superficialmente por falta de tempo, em detrimento dos conteúdos e competências essenciais que deveriam ser mais aprofundados. Veja-se aliás, exemplos de competências exigidas:

??Percepcionar no meio social, no seu sentido mais vasto, mediante a focagem globalizadora específica da História; ??Relacionar e integrar informações de origem diversa num corpo estruturado de conhecimentos, moldando a sua própria percepção da História, por via de uma aprendizagem significativa. (programa de História C do ensino secundário).

Acções de formação
As acções de formação com “estreita ligação à matéria curricular que lecciona” podem fazer perigar a abertura a outros conhecimentos. Será inútil um professor de Biologia ter uma acção de formação em inglês, o que lhe pode permitir participar no programa Sócrates? Não seria interessante um professor de História ter algumas noções de Física Quântica que poderia aproveitar para melhor levar os alunos a compreender as inovações da ciência no século XX?

Dispensas para formação

As dispensas para formação só podem ser concedidas na componente não lectiva do horário do docente. Como poderão os professores das escolas do interior fazer formação noutros locais que podem ficar a centenas de quilómetros: no Natal, na Páscoa, em Agosto?

(João Simas, Professor de História do Ensino Secundário na Escola Secundária de Severim de Faria em Évora)

*

Portugal conta, actualmente, com um número elevadíssimo de maus professores, parece ninguém ter dúvidas a este respeito, graças a Deus que temos bons psicólogos, bons políticos, bons governantes, uma boa ministra da educação e bons teorizadores das ciências de Educação, que seria do país se assim não fosse!

E, claro está, aliás, de outra forma não poderia ser, assim foi sempre, cá estão os bons a resolver o problema dos maus. Para isso muito se têm esforçado os bons a ensinar os maus, vejamos: os políticos dão-nos exemplos brilhantes de virtudes, como, a humildade, a honestidade, a assiduidade, a pontualidade, enfim, o trabalho acima de tudo (mesmo que o tudo seja um jogo de futebol); os psicólogos resolvem-nos os problemas de indisciplina nas escolas, afinal tão simples, basta tirar as crianças aos pais biológicos, como é que nunca nenhum professor tinha pensado nisto!; os governantes são modelos de verdade, imparcialidade, defensores dos desfavorecidos, tudo fazem pela integração social e pela defesa dos direitos humanos, o combate à violência doméstica, que afecta, na maior parte dos casos, as mulheres, é um bom exemplo da preocupação do governo, mas, note-se, apenas a doméstica, porque a mesma mulher, pode estar sujeita a todos os tipos de violência, caso seja professora; quanto à ministra, inigualável, tem-nos ensinado o que é a dignidade, o respeito pela profissão, vai, até, ao ponto de nos dar exemplos, para que possamos compreender bem a lição, veja-se, a exemplo, a comparação entre a docência e a medicina, digno, muito digno! E as ciências da educação, o que elas nos têm ensinado, veja-se, uma vez mais, a exemplo, a questão da avaliação, andam os professores uma vida inteira a aprender a usar instrumentos e mecanismos de avaliação, tais como, grelhas de auto e hetero-avaliação, fichas de avaliação diagnóstica, de avaliação formativa, de avaliação sumativa, observação directa das aptidões a todos os níveis, das competências, do empenho, do interesse, da participação, do espírito crítico, da iniciativa, da responsabilidade, dos trabalhos realizados, das atitudes e valores…, e, tudo isto, para quê se agora se verifica que, afinal, uma simples ficha sem qualquer tipo de observação, directa ou indirecta, permite aos pais uma avaliação criteriosa, rigorosa, séria do trabalho desenvolvido por cada professor da escola.

Até hoje ainda não compreendi como foi possível que a profissão existisse antes da invenção das ciências da educação, mas também ainda não compreendi e, ao que parece os teorizadores, os políticos, os governantes, os psicólogos e a ministra da educação também não, como é que afinal, sendo as ditas ciências responsáveis pela formação daqueles que, actualmente, são professores, os acusa de serem tão maus e continua, insistentemente, a política seguidora dessas teorias, que talvez daqui a cem anos estejam comprovadas cientificamente, mas que actualmente estão na base do fosso em que todo o sistema educativo mergulhou.

(G. Maria Fonseca )

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Em primeiro lugar quero dizer que não sou professor. Frequentei um curso de ensino na Universidade (que abandonei a meio) e não me arrependo de não ter seguido esta profissão.

1º -É indiscutivel que este ministério trabalha contra os professores e não com os professores.

2º -Quando do ataque aos "previligiados" foram identificadas duas classes profissionais como os alvos a abater. Os Juízes e os Professores. Com os Juízes o Governo vem paulatinamente a "meter o rabo entre as pernas". Sobram os Professores.

3º -Concordo com a revisão da progressão da carreira. Um professor podia fazer uma acção de formação em Andorra e contar para a sua progressão na carreira!!!

4º -Não posso concordar que se afunile a progressão apenas com fins de poupança de dinheiro. Queremos avaliar os professores mas definimos cotas para o nº de excelentes ou muito bons!!!!

5º -Por muito que o Senhor Secretário de Estado defenda a bondade da medida, a avaliação dos professores por parte dos pais é a subversão do sistema. Eu também vou passar a avaliar os funcionários das finanças ou o meu médico de família. A maioria dos pais não vai à Escola. Quando vai é depois de ter sido intimado para tal através de carta, telefone e, por vezes, de visitas ao domicilio por parte do director de Turma. Como pode ser feita esta avaliação? Por quem?

6- A Sra. Ministra tem tido intervenções que no mínimo podemos qualificar de indelicadas e não se convence que não pode estar à frente de um ministério tendo por base da sua acção desconsiderar os seus funcionários. Se o Ministro das Finanças passar a dizer que os seus funcionários são incompetentes e preguiçosos, o Ministro da Saúde fizer o mesmo em relação aos médicos e por aí fora o que faria o nosso Primeiro Ministro?

7º- Para terminar estes actos só contribuem para minar ainda mais a autoridade do professor. Um país que trata assim a Educação e os seus Agentes não tem futuro.

(Rui Sá)

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"A enorme rarefacção de recursos escolares imperante nos quadros de socialização familiar da esmagadora maioria da população actual pesou fortemente no perfil de literacia observado. Poderá mesmo considerar-se que, apesar de todas as responsabilidades atribuíveis ao sistema de ensino, terá sido muito mais a escola do que a família a promover nas últimas décadas alguma melhoria dos níveis de literacia." (Benavente**, 1996: p.144)


** BENAVENTE, Ana (coord.), ROSA, Alexandre, COSTA, António F., ÁVILA, Patrícia, "A Literacia em Portugal: Resultados de uma Pesquisa Extensiva e Monográfica", Fundação Calouste Gulbenkian, 1996

(António Carvalho)

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Luxemburgo (minha morada permanente). Momentaneamente em Portugal

Mãe de três crianças a frequentar o “ensino” público português em Portugal (9º ano, 8º ano e 6º ano de escolaridade).

Sobre o estatuto da carreira docente, gostaria de deixar, à laia de exemplos (longe, muito longe de querer ser exaustiva), três ou quatro questões sobre o ensino público em Portugal.

1-Os meus três filhos frequentam todos a mesma escola de ensino (C+S). Todos eles, têm aulas de manhã e à tarde, na quase totalidade dos dias úteis, o que implica que durante quase toda a semana, não possam estudar as matérias leccionadas ( já que a noite, é para dormir e descansar);

Conclusão:

os meus miúdos ( agora, “eufemisticamente”, chamados por “meninos”) não podem adquirir hábitos de trabalho diário, porque não têm tempo para estudar e adquirir ou solidificar os conhecimentos fornecidos nas aulas;

De quem é a culpa?

O estatuto da carreira docente estabelece este tipo de prioridades básicas sem os quais não se pode falar sequer, na possibilidade ainda que remota de um ensino de qualidade?

A resposta é não!

2-O meu filho mais velho (9º ano) é um excelente aluno. Todavia, a turma que lhe saiu em “sorte” é péssima, tanto no que concerne ao comportamento e à boa educação dos seus colegas, como no que concerne ao aproveitamento escolar.

Qual a reacção dos professores à anomia reinante na sala de aulas? Completa demissão, invocando para o efeito, e sistematicamente, o argumento de que são professores e não educadores (e que a educação se recebe em casa) e é para dar aulas que são pagos.

Conclusão:

Os professores demitem-se da sua função supletiva de educadores e há muito que se estão pouco preocupando com a sua autoridade.

3-Um outro filho meu, com algumas culpas dele próprio, é perseguido por uma sua professora de desenho cujas habilitações são o antigo curso de formação feminina, como já foi e é perseguido pela professora de inglês.

Tenho meios para pôr termo a esta situação? Claro que não, pois ainda prejudicaria mais a criança.

Conclusão:

No próximo ano lectivo, o miúdo terá de transitar para uma escola privada, sob pena, de somadas às sua próprias deficiências, se sujeitar a ter de suportar a perseguição “ad hominem” de professores ignorantes e mal-formados.

4-A minha filha tem dificuldades a matemática, embora seja uma excelente aluna às restantes disciplinas.

Conclusão:

A miúda não é estúpida, a miúda é trabalhadora. Falha qualquer coisa, e é bom de ver o quê que falha.

5-Os meus filhos estudam música ( e têm particular talento) no ensino articulado. Apesar disso, pago cerca de 200 euros mensais na formação musical da garotada. O custo total das despesas com a formação dos meus filhos ronda os 500 euros mensais (já que têm de andar em lições particulares de inglês e matemática).

Para o próximo ano lectivo, na impossibilidade imediata de levá-los este ano comigo para um país civilizado, vou inscreve-los numa escola privada, onde nada disto acontece ( as aulas só ocupam um parte do dia, não há anomia nas salas de aula, o meu filho do meio não será perseguido por nenhum professor).

Tudo somado, vou ter de arranjar um orçamento mensal de 800 euros só para a educação formal dos garotos.

5-O Estado vai ressarcir os meus filhos pelos prejuízos brutais já sofridos e que o sistema público de ensino já lhes causou, simplesmente porque são filhos de metecos?

Solução que eu proporia:

-Privatização do ensino; entregar as escolas aos professores, que seriam delas proprietários;

-Publicação anual dos “rankings” das escolas, segundo critérios antecipada e publicamente conhecidos;

-Institucionalização do cheque “voucher”

Num país como Portugal, onde os hábitos são tão maus, não há outra solução séria.

(Maria Teresa Carvalho)

*

Estou espantado com estes professores que só se queixam. Porque motivo não contam toda a verdade:

- quantos dias leccionam por ano?

- quanto ganham por mês?

- as regalias principescas que possuem?

- as mordomias que possuem e que são bastantes???

- as férias que possuem ao longo do ano??

- o vencimento mais elevado da UE!!!!

Se está tão mau podem sempre mudar de carreira e fazer outra coisa.

(Rui Henriques)

*

Nesta questão do novo estatuto da carreira docente, onde não se coloca em causa todo o sistema de ensino que tem vindo a ser implementado ao longo das últimas décadas, penso que seria interessante analisar o paralelismo com a situação vivida em França, despoletada há já algum tempo e pela intervenção de um matemático mundialmente famoso, Laurent Lafforgue, quando foi convidado a fazer parte da Alta comissão para a Educação nacional. Na altura ele respondeu ao presidente da dita comissão por e-mail, que inadvertidamente, ou não, foi tornado público e que o levou a demitir-se (Laurent Lafforgue). O texto integral deste e-mail encontra-se aqui do qual se transcreve este pequeno texto:

Monsieur le Président du HCE,

Je vous remercie de votre message ci-dessous qui nous donne
l'ordre du jour de la prochaine réunion.
Je ne peux m'empêcher de réagir sur certains points
qui me plongent dans le désespoir.
Le principal est le suivant:

> - appel aux experts de l'Education nationale : Inspections
> générales et directions de l'administration centrale, en particulier
> direction de l'évaluation et de la
> prospective et direction de l'enseignement scolaire,

Pour moi, c'est exactement comme si nous étions un "Haut Conseil
des Droits de l'Homme" et si nous envisagions de faire appel
aux Khmers rouges pour constituer un groupe d'experts
pour la promotion des Droits Humains.

Penso que vale bem a pena ler e analisar este e outros textos deste senhor sobre educação.

(Vitor Augusto)

*

Tendo acompanhado aqui a discussão sobre o estatuto dos professores, venho dar uma achega a título de cidadão eleitor e contribuinte, ex-estudante, pai duma estudante do 8º ano, nunca tendo sido professor, nem ter perspectivas de alguma vez o ser:

Uma das medidas anunciadas foi a dos pais fazerem a avaliação dos professores dos respectivos filhos. Há quem compare a medida com o que já se passa em todos os sectores: o utente/consumidor manifesta-se sobre a qualidade dos serviços/produtos. Mas será assim? Bem, se eu fosse professor passaria a exigir uma avaliação prévia dos alunos no início do ano e negociar com os pais, escola, ministério, sei lá, os objectivos a atingir aluno a aluno. Por outro lado, quantos pais aceitarão que chumbar o filho possa ser a melhor coisa que o moço/a ganhou aquele ano (a hipótese de recomeçar e melhorar o seu desempenho, em vez da fuga em frente e depois se vê)? Ora, estas questões passam mais pelos responsáveis da gestão da escola, na verdade, pelo próprio ministério.

Na escola da minha filha, em reunião dos pais com o director de turma, já nos aconteceu pronunciar sobre o desempenho de determinados professores, de modo verbal e dando ao director a oportunidade de falar com o professor em causa, sempre com bons resultados. Já assisti a reacções exaltadas, mas o diálogo entre os pais e o director tem estabelecido consensos no sentido de tentar melhorar o que pode ser corrigido. A avaliação que não se fala, mas que nessas reuniões vem sempre à baila, são sobre os recursos da escola para fazer mais e melhor: instalações desportivas, salas de aula, segurança, apoio diverso, etc. Pessoalmente, entendo que há alunos a mais por turma, vejo que os professores têm pouco tempo, pouco estímulo e pouco apoio, para se prepararem, se empenharem a fazer algo de diferente (e melhor, claro).

Se calhar os pais podem fazer mais pela Escola (podem, certamente), e se calhar isso passaria por um envolvimento da autarquia (não tenho qualquer dúvida, na verdade). O que não aceito é ver as questões essenciais, que são políticas e da responsabilidade do ministério, serem embrulhadas numa estratégia em que os professores são postos no pelourinho (é tão fácil apontar o dedo ao funcionário).

(Pedro Freire de Almeida)

1.6.06
 


INTENDÊNCIA

Em breve há mais O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (4ª série).
 


MAL-AMADOS



Jack Welsh, descrito na imprensa portuguesa como "um dos gestores mais admirados em todo o mundo" não esteve com meias medidas e, numa conferência em que participou, exprimiu o seu espanto pelo facto de os portugueses não se mostrarem "envergonhados" pela maneira como são vistos no estrangeiro. E disse mais: "É humilhante para os portugueses a percepção que o exterior tem de Portugal, que é a de uma contínua degradação e declínio ao longo dos últimos anos."

Welsh fez bem em dizê-lo e fazia-nos bem ouvir mais verdades como esta para substituirmos a nossa balofa e inconsequente auto-estima pela percepção de que a realidade não é propriamente um espelho do nosso excesso identitário. Como vivemos no mundo das ilusões, não queremos saber por que é que homens como Welsh, que não precisava sequer de se dar ao trabalho e à incomodidade de dizerem coisas feias sobre os seus anfitriões, são capazes de sentir por nós a "vergonha" que nós não temos. Basta ler os comentários indignados a estas declarações para ver como a "arrogância do estrangeiro" nos serve para esconjurar o que não queremos ver e desresponsabilizarmo-nos do que fazemos e não fazemos.

É particularmente útil sermos confrontados com a nossa imagem vista de "fora", quando mais uma vez nos entregamos à tarefa permanente de nos iludirmos com o futebol. A futebolândia está a assumir o papel de nossa "pátria", quando não conseguimos fazer melhor a que temos. Talvez por isso lidamos bem e contentamo-nos com o que dura pouco e não dá muito trabalho, fadados para bater os recordes do Guinness, se isso implicar número, festa, um pouco de idiotice e muitos autocarros pagos pelos nossos impostos. Encher as ruas de Pais Natais e os estádios de senhoras coloridas, isso somos capazes de fazer. Ser exigentes e abandonar a nossa consabida "displicência", que Eça retratou como ninguém em Fradique, isso não nos leva a colocar bandeirinhas nas janelas.

Mas nem o futebol apaga de todo o choque que as imagens de Timor fazem à nossa idílica visão do "mundo feito pelos portugueses", outro repositório da nossa permanente procura de auto-estima na ignorância e na facilidade. É uma velha ilusão pós-colonial que temos por todo o lado, a de acharmos que os povos por onde nós passamos, muitas vezes de forma completamente episódica, nos estimam de forma muito especial. A realidade encarrega-se de nos desiludir, mas nós queremos pouco saber da realidade.

Os brasileiros discutem seriamente se não teria sido melhor terem sido colonizados pelos holandeses e alguns maldizem o dia em que a Holanda perdeu o Brasil para o reino de Portugal. Reagem pavlovianamente a qualquer up-grade da nossa presença, seja nos dicionários e na ortografia, seja na literatura, seja nos negócios, seja na política. A maioria dos portugueses nem sequer sabe, nem ninguém lhes diz, que muitos "irmãos" brasileiros nutrem tais sentimentos familiares.

Em Angola damo-nos bem com os governantes, convencidos que nos damos bem com o povo. Mas estes tratam-nos com arrogância em todos os momentos em que não nos portamos bem e esquecemos que somos tolerados apenas enquanto formos serventuários de um dos poderes mais corruptos de África. A elegância europeia da família "Dos Santos" pode partilhar os salões com muitos empresários portugueses, mas o que flui entre eles é o dinheiro dos negócios, não é respeito nem consideração. Qualquer mínima tergiversação no código de conduta da omertà luso-angolana dá logo origem a editoriais do Jornal de Angola e admoestações aos "tugas".

Na Guiné-Bissau, nem vale a pena pensar, porque se tornou inabitável. É talvez a única parte do império que pensamos que perdeu as cores verde-rubras e voltou a dissolver-se no negro de África, na África não recomendável em que não entramos. Nunca pensamos Angola e Moçambique só como África, mas a Guiné é África de vez, ou seja, é-nos indiferente.

O que é que sobra? De São Tomé sabemos pouco, mas pensamos que talvez pudesse ter sido um Dom-Tom português [ex-colónia francesa com estatuto especial na UE] que deixamos escapar à sorte de ter entrado na União Europeia e, como na Ilha da Reunião, de ter vacas pagas pela Política Agrícola Comum e as roças a funcionar. Temos a vaga nostalgia de que, se não fosse o PREC, São Tomé, como aliás Cabo Verde, poderiam ter continuado "nossos", com um governador benigno, dinheiros comunitários e apenas com uma agitação residual e irrelevante de alguns independentistas a quem a democracia do 25 de Abril permitiria um partido e um jornal local em crioulo.

Macau, esse, nós esquecemos depressa. Ficou chinês com imensa velocidade e só existe entre nós como memória da "árvore das patacas", com a má fama de ter sido o local de perdição dos socialistas que o governaram nos anos do fim. Foi-se o exótico, fica Camilo Pessanha, mas o quem é que coleccionaria cromos com o bizarro Pessanha, quando temos os sub-21 e os supra-21?

Resta Timor, a última e hoje a maior das nossas ilusões pós-coloniais, que desaba nos ecrãs de televisão, quando vemos os bandos de "jovens" destruindo os escassos bens do seu país e somos obrigados a chamar-lhes não indonésios, nem milicianos a soldo dos indonésios, mas sim timorenses. O país que os portugueses acham que tornaram independente com as manifestações silenciosas de Lisboa, a quem os jornalistas passaram a chamar Timor Lorosae para que na palavra os seus mitos se fizessem realidades, e sobre o qual alimentamos o absurdo transversal, à esquerda e à direita, que os timorenses querem ser portugueses, conhece um golpe de Estado (que também não queremos ver), associado a violências típicas de "Estado falhado", que o tornaram ainda mais pobre e esquecido.

Ficamos mal amados, mal lembrados, pouco estimados no mundo e Welsh lembra-nos com crueldade que ainda estamos pior, que estamos num caminho descendente. Lembrá-lo é negativismo dos intelectuais, traço típico desde os "Vencidos da Vida" das nossas elites ou outro defeito qualquer que faça parte do problema e não da solução? Talvez. Também. Mas não só. E não deixo de pensar que mais vale uma boa dose de realidade, cruel que seja, do que a ilusão das bandeirinhas, que ao fim do primeiro jogo, ao fim de uma qualquer derrota no relvado, se transforma em azedume, zanga e justificação de impotência para nada se fazer.

(No Público de hoje.)
 


BIBLIOFILIA: MAIS CURIOSIDADES DA FEIRA DO LIVRO



Está à venda num dos alfarrabistas da Feira uma colecção de Militaria, oriunda de uma biblioteca da Escola Prática de Infantaria. Como lá chegou não sei. Entre os livros e folhetos dessa biblioteca que comprei encontra-se um estudo de um capitão do Estado-Maior francês, M. R. de Verneuil, Étude Historique et Militaire sur le Passage du Rhone et des Alpes par Annibal, de 1873. O detalhe acima faz parte de um mapa do opúsculo.



Comprei também uma edição "romântica" do Quo Vadis de 1900, presumo que a primeira, com uma capa a condizer e uma "edição fora do mercado" de um dos mais activos propagandistas do regime salazarista, Dutra Faria, com uma conferência proferida em Setúbal em 1935. A conferência começa assim:
"A mocidade portuguesa não deve permitir que falem em seu nome aqueles que não lhe pertencem. Mas permite.
A mocidade portuguesa não deve consentir que se valorisem à custa da sua força, que se imponham através do seu prestígio, aqueles que a traiem. Mas consente.
Porquê?
Porque a mocidade portuguesa ainda não compreendeu o sentido da palavra UNIDADE".
A mocidade portuguesa divide-se ainda em duas mocidades: a mocidade que presta culto a um deus chamado Marx e, a mocidade que presta culto, directa ou indirectamente , a outro deus, chamado Maurras."
Onde é que a mocidade tinha triunfado contra todos os deuses? Na Alemanha, "onde a voz de Adolfo Hitler é a sua voz", na Itália, "onde a voz de Mussolini é a sua voz", e ... na Rússia, onde matam os velhos. Em 1936, foi criada a Mocidade Portuguesa. Convém não esquecer estes textos quando se fala do regime salazarista.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (3ª série)




O número de contribuições para este debate é muito grande, como se compreende pelo seu interesse e actualidade. Tento publicar tudo o que me parece significativo, mesmo que contraditório entre si, mas pedia brevidade aos leitores que estão a fazer o Abrupto.

Mesmo que apareçam com iniciais, todas as contribuições estão identificadas.

*

A INVASÃO DAS CIÊNCIAS ALHEIAS (ou o novo ECD)

Da proposta de novo ECD, pode ler-se:

CARREIRA:
- Duas categorias: professor titular e professor (novo: actualmente só há uma categoria)
- O professor titular desempenha todas as funções atribuídas ao professor, mais as funções de coordenação e supervisão de outros docentes, direcção de escola e direcção de centro de formação
- Para chegar a professor titular será necessário prestação de prova pública de discussão e análise curricular; é necessário pelo menos 18 anos de leccionação com avaliação positiva
- Seis escalões (três em cada categoria: actualmente há 10 escalões)
- A duração dos escalões depende da avaliação do desempenho, em regra seis anos (actualmente os escalões podem durar 3, 4, 5 ou 6 anos)
- Progressão horizontal, dependente de prestação de seis anos de serviço, atribuição de Bom, Muito Bom ou Excelente na avaliação anual de desempenho, frequência de acções de formação contínua
- Os que não obtiverem Bom não progridem na carreira
(1) Os que tiverem Muito Bom ou obtiverem um grau de Doutor na área das Ciências da Educação ou na área científica da qual são professores podem ter redução de tempo para efeitos de progressão (1)
(2) A mudança para a categoria de professor titular dependerá da aprovação em provas públicas de avaliação e discussão curricular e do trabalho desenvolvido e da avaliação de desempenho (Excelente, Muito Bom e Bom em toda a carreira) (2)

VALORIZAÇÃO DE DESEMPENHO (NOVO):
- Prémios de desempenho (percentagem da remuneração, ainda não definido)
- (3) Ao fim de quatro anos com classificação de Excelente ou Muito Bom o docente tem direito a um prémio de desempenho (3)
- (4) O professor que obtenha na avaliação de desempenho Excelente dois anos consecutivos reduz num ano o tempo de acesso ao exame para a categoria de professor titular; o que obtenha Muito Bom dois anos consecutivos, reduz em seis meses esse tempo (4)

EFEITOS DA AVALIAÇÃO:
- (5) Excelente: progride; pode antecipar num ano a candidatura ao exame de acesso a professor titular; prémio de desempenho (5)
- (6) Muito Bom: progride; pode antecipar em seis meses a candidatura ao exame de acesso a professor titular; prémio de desempenho (6)
- Bom: progride normalmente
- Regular: não muda de escalão, mas o tempo de serviço conta para antiguidade na carreira e categoria
- Insuficiente: não contagem do tempo para progressão e acesso na carreira; os contratados não terão contrato renovado; com duas qualificações de Insuficiente, passa ao quadro de supranumerários do ME (actualmente o docente só não progride para o escalão seguinte se tiver Não Satisfaz)

COMPONENTE LECTIVA:
- 25 horas semanais para Educadores de Infância e professores do 1.º Ciclo
(7)- 22 horas semanais para professores dos 2.º e 3.º Ciclos e Secundário (7)
-(8) Reduções de duas horas a partir dos 50 anos/15 de serviço e de mais duas horas por cada cinco anos de idade/serviço, até ao limite de seis horas (8)

Breves notas acerca dos pontos destacados:
(1a) O mestrado pré-Bolonha (antigo) era certamente um comprovativo de interesse, capacidade e esforço de actualização por parte dos docentes do secundário. Contemplar-se o doutoramento nesta nova carreira (muito provavelmente, tornar-se-á num crivo para atingir a categoria de Professor-Titular, é abrir a porta a uma verdadeira enxurrada de doutorados (muito provavelmente, considerados de "segunda"). As escolas que oferecem PhD nestas ciências serão naturalmente inundadas de alunos (óptimo para elas, isto não é inocente) mas para protegerem o seu próprio recrutamento de docentes universitários (no futuro, necessariamente doutorados) terão que ter dois cursos: um PhD para a casa, e outro para "encher" e "despachar" o "pessoal do liceu". Isto é um desrespeito a ambas as classes (docentes de liceu e universitários) bem como às ciências.

(1b) As escolas pensamento das ciências da educação têm aqui (mais) uma vitória estrondosa. Havendo pouco mercado em termos de alunos para cursos de docência, porque o número de alunos hoje nas faculdades e nos liceus diminuiu bastante, têm aqui uma dupla forma de angariar mais alunos e de conseguirem, como recurso, injectar docentes universitários excedentários (que necessariamente surgirão) no sistema liceal em situação vantajosa em relação aos demais. Passam a ter duas carreiras alternativas.

(1c) A designação Professor-Titular é manifestamente infeliz, dado que tem sido desde há longos anos debatida a sua utilização para o topo de uma carreira reformada do ensino superior politécnico (equiparando-a a Prof. Catedrático do ensino superior universitário).

(2). Óptimo. Deveria estender-se a outras carreiras da função pública como magistraturas e carreiras militar e policial. A docência do ensino superior sempre contemplou variadas provas.

(3) Quatro anos ?? Quatro anos ? No privado, a que se fazem loas e se recitam hossanas, os prémios são anuais! Não saberão disso os ministros que já foram, e voltarão a ser, gestores em empresas privadas? Andar a "penar" para ter um prémio como se fosse em ano de jogos olímpicos, haja decoro.

(4). Aqui começa o bruar da aparente dificuldade de atingir a categoria de topo. Em termos médios, é óbvio que é essa principal intenção do ministério, limitar a massa salarial. "Sendo necessário, para quê discutir se é justo?". É nisto que caíu a actualidade política nacional.
Contudo, olhando para o caso mais favorável, se cada dois anos como excelente reduzem um ano no exame de admissão, os 18 anos, reduzem-se a 12 anos o que já não é muito. Aqui manifesta-se a possibilidade de eternizar professores na categoria-base mas deixar sempre via aberta (um "fast-track") para alguns docentes chegarem rapidamente ao topo. Serão esses os que se doutorarem em ciências da educação?. Assim sendo, da corrida aos doutoramentos, com as expectáveis consequências nefastas, aguarda-se simplesmente o tiro de partida.

(5 e 6). Deve haver aqui um erro, caso contrário, as bonificações de tempo acumular-se-iam com as do ponto 4.....Algo vai mal no reino do "copy-paste" assessorial???

(7). Carga horária muito semelhante senão idêntica àquela em vigor actualmente. Mais uma vez se comprova o critério puramente economicista, uma vez que ao ministério, é indiferente quanto tempo os professores passam realmente na escola desde que lhes possa pagar menos, até aceitaria uma profusão de part-times se tal fosse aceitável pelos pais. Ficou o mais importante na gaveta, na linha reincidente dos anúncios faustosos e/ou agressivos, seguidos de abjurações e cedências silenciosas, fora da imprensa. Toda a retórica oca de aumentar a carga lectiva dos professores e/ou o aumento da sua dedicação in loco à escola soçobrou:
Nada se diz acerca de:
- ATL (que admito e aceito que a maior parte dos docentes não considere digno, mas chegou a ser usado pelo governo),
- salas de estudo acompanhado,
- explicações oferecidas pelo estado (mas nunca há decisões destas por cá, o estado nunca é um verdadeiro agente de igualdade entre classes),
- clubes de leitura e ciência nas escolas,
- tutoria de conjuntos de alunos.
Em tudo o que seria realmente fracturante de uma forma de ver a escola, o governo recuou...apenas pretende poupar em salários.

(8) Horário-mínimo de docente com mais de 50 anos: 14 horas lectivas. Todas as aulas agrupadas em dois ou três dias, sem requisito de exclusividade, sem investigação, sem actividade de gestão (agora vedada na categoria inferior), o que vão então os professores fazer ...? Vide ponto 7.

(L.V.)

*

Fico-lhe para sempre grato por, tendo publicado a enumeração exaustiva das funções de um docente do secundário no Abrupto, me ter permitido tomar consciência da minha rotunda iliteracia. É que não consigo entender o jargão, deliberadamente redondo e espesso, utilizado pelos doutos e iluminados educadores que, desde o Dr. Veiga Simão, se têm chimpado na 5 de Outubro. Felizmente que, graças à preclara clarividência do nossos governantes, vem aí um Plano Nacional de Leitura que espero me ajude a não voltar a passar pela vergonha de não conseguir juntar duas letras daquela espécie de novilíngua.

(José Fonseca)

*

Sou professora há 30 anos e não consigo parar de pasmar com o que se passa no ensino. Que isto está mal, toda a gente o vê, mas será que ninguém no Governo percebe que não se resolve com ataques indiscriminados da parte da ministra contra os professores? Não serão o Ministério e os sucessivos Governos responsáveis por aquilo que se está a passar? Quem deve avaliar os professores não será o Ministério? O mesmo que permitiu a entrada directa na carreira docente a todos os licenciados que não conseguiram emprego em mais lado nenhum. O mesmo que permitiu que se fossem fazendo sucessivas reformas mais interessadas em esconder a ignorância do que em promover a cultura.O mesmo que obriga os professores a frequentar cursos de formação para progressão na carreira que são um atentado à inteligência de qualquer um ( eu posso fazer um curso de danças populares para subir de escalão como professora de Língua Portuguesa!). O mesmo que obriga os mesmos professores a fazer um relatório das suas actividades, também para progressão na carreira, e que depois não serve para nada uma vez que não é discutido nem defendido pelo próprio, apenas lido por uma comissão de professores que se limita a ver se ele obedece às normas referidas no Decreto-Lei. Não estará o Governo, na pessoa da Ministra da Educação a tentar não perder votos ao passar todas as culpas do estado do país para os professores (incompetentes, preguiçosos, diabólicos, etc)? É que é muito mais fácil resolver as coisas desta maneira. Tem sido sempre assim qualquer que seja o Governo. É preciso olhar para os cursos das Escolas Superiores de Educação e ver a qualidade intelectual dos seus licenciados; é preciso que se tornem a implementar exames a nível nacional para todos os níveis de ensino e com uma ponderação na nota final que lhes permita avaliar realmente os alunos e professores. É muito fácil acabar com o insucesso. Basta os professores darem positivas a todos os alunos. É isto que já começa a acontecer. Tenho a certeza absoluta que não vai haver nem um pai que se preocupe com isto, pelo contrário, vão gostar imenso. É triste.

(Maria Nunes da Silva)

*

O leitor N. M. faz a seguinte observação com a qual concordo plenamente:

'Os "pirralhos" são fruto das contingências que lhes oferecemos, sem negar as influências biológicas. '

Sim, é verdade, mas parece-me ser por aqui que passa muita da guerra relacionada com os "cientistas da educação" (de quem não gosto porque me soam a especialistas em Politicamente Correcto, sinónimo, para mim, naturalmente, de Falsidade Perfeitamente Camuflada em Verdade Absoluta, sancionada pelo carimbo "Ciência")

Sim, a frase de N. M. é verdadeira. Mas suponho que falta a conclusão fatal que, na minha opinião seria: "Perante tal há que contrariar os efeitos das contingências com o esforço e até sofrimento de todos nós INCLUSIVÉ dos alunos". É o "inclusive" que não aparece sistematicamente nestas considerações. Os alunos são sempre vítimas, por isso isentas de responsabilidade. Ninguém é capaz de lhes dizer: "Pois, a culpa pode não ser vossa mas são vocês quem terá que aprender. Deitem portanto ao lixo as justificações e atirem-se à matéria - ou ficam burros".

O mundo e a vida são muito frequentemente injustos. E então, carpindo mágoas resolve a coisa?

Frases como “Gerir os conteúdos programáticos, criando situações de aprendizagem que favoreçam a apropriação activa, criativa e autónoma dos saberes da disciplina ou da área disciplinar, de forma integrada com o desenvolvimento de competências transversais;” parecem deixar margem de manobra a uma riquíssima aprendizagem em coisa nenhuma, caminho que já trilhamos há muito tempo com os resultados que conhecemos: a criatividade dos alunos tem-se revelado particularmente acutilante em métodos para não ter que aprender coisa alguma – métodos que o ministério vai sancionando como que fugindo com o rabo à seringa dos resultados obtidos. Resumindo, quanto mais idiota for a ideia que um aluno desenvolva em determinada matéria mais se arrisca a vê-la classificada como radicalmente criativa.

O Rei vai nú.

(H. Martins)

*

(...) tomo a liberdade de enviar em anexo o texto dos dois mails que enviei ao Primeiro Ministro e ao Presidente da República, na expectativa de os ver publicados no seu blog. Faço-o não só porque gostei das reflexões que nele vi publicadas, completamente diferentes das boçalidades que por aí pululam, mas também porque o desespero e a frustração de ter uma profissão simultaneamente exigente e menosprezada me obrigam a agir e a instigar. Há alguém que compreenda a a baixa de autoestima que esta equipa ministerial provocou nos professores? Que não se iludam: os melhores de nós procurarão sair.

(Maria Filomena Rocha)

ANEXO : http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Geral/Contactos

Venho por este meio expressar a vossa excelência a minha mais profunda revolta e indignação pelas gravíssimas, injustas, caluniosas, perigosas e demagógicas acusações feitas pela Ministra da Educação na abertura do debate promovido pelo CNE e hoje transcritas no DN e no JN.
Tal ataque cego e destemperado aos professores, que se concretiza em muitas das inaceitáveis e inadmissíveis propostas de alteração do estatuto da carreira docente, desmotiva os inúmeros profissionais qualificados, competentes e profundamente preocupados com os resultados e aprendizagens dos alunos, colocando em causa todo um percurso dedicado à consecução do sucesso educativo dos jovens, na maior parte das vezes em dificílimas condições de trabalho pelas mais variadas razões. As afirmações proferidas pela senhora ministra atacam a essência da missão dos docentes e da escola, questionam toda a orientação do seu trabalho e denigrem a sua imagem junto da sociedade, retirando-lhes o respeito, a autoridade e a competência que lhes deveria ser reconhecida em primeiro lugar pela tutela. Tivessem os docentes a força de outras classes profissionais e estaríamos hoje aqui a intentar uma acção em tribunal por difamação. Num estado de direito, as acusações feitas devem ser provadas e os prevaricadores identificados e punidos. O que é inaceitável e totalmente reprovável é a generalização abusiva, arrasando toda uma classe que está na base do desenvolvimento sustentável de qualquer país que se quer moderno, formado e empreendedor.
Muito mais poderia dizer a Vossa Excelência, sendo contudo preferível que vivenciasse o exigente e desgastante, acredite, dia a dia de uma escola e de um professor.
Termino considerando existirem razões mais do que evidentes para que a senhora Ministra reconheça a ligeireza e imprudência das suas conclusões e peça publicamente desculpa aos professores deste país.

A sua mensagem foi enviada com sucesso.
Em breve receberá um email de resposta.

http://www.presidencia.pt/index.php?action=3

Excelentíssimo Senhor Presidente da República Portuguesa

Como mais alto dignatário da nação e garante do estado de direito, venho por este meio expressar a Vossa Excelência a minha mais profunda revolta e indignação pelas gravíssimas, injustas, caluniosas, perigosas e demagógicas acusações feitas pela Senhora Ministra da Educação na abertura do debate promovido pelo CNE e hoje transcritas no DN e no JN. Considero, como muitos, que tal ataque cego e destemperado aos professores, que se concretiza em muitas das inaceitáveis e inadmissíveis propostas de alteração do estatuto da carreira docente, desmotiva os inúmeros profissionais qualificados, competentes e profundamente preocupados com os resultados e aprendizagens dos alunos, colocando em causa todo um percurso dedicado à consecução do sucesso educativo dos jovens, na maior parte das vezes em dificílimas condições de trabalho pelas mais variadas razões. As afirmações proferidas pela senhora ministra atacam a essência da missão dos docentes e da escola, questionam toda a orientação do seu trabalho e denigrem a sua imagem junto da sociedade, retirando-lhes o respeito, a autoridade e a competência que lhes deveria ser reconhecida em primeiro lugar pela tutela. Num estado de direito, as acusações feitas devem ser provadas e os prevaricadores identificados e punidos. O que se afigura inaceitável e totalmente reprovável é a generalização abusiva, arrasando toda uma classe que está na base do desenvolvimento sustentável de qualquer país que se quer moderno, formado e empreendedor.
Por me considerar atingida na minha dignidade profissional e pessoal, atrevo-me assim a dirigir a Vossa Excelência, na esperança de que uma sua possível intervenção contribua para explicar à senhora ministra e à sua equipa as nefastas consequências das suas conclusões, reflectindo sobre e repensando propostas que em nada contribuirão para a promoção do verdadeiro sucesso educativo.

Subscrevo-me atenciosamente,

Maria Filomena Rocha

A sua mensagem foi enviada com sucesso.
Agradecemos a sua participação. A resposta à sua mensagem será enviada tão breve quanto possível.

31 Maio 2006
*

Sou professor efectivo com 19 anos de serviço. Estou no 7º escalão (congelado) e fiz um Curso de Mestrado em Estudos Americanos. Deveria estar no 9º escalão, não fosse o "tal congelamento" Agora face à reforma do sistema, vou ficar para sempre congelado, nunca mais podendo ser "tutelado". Entretanto, levo para casa 1200 Euros, tenho 3 filhos a meu cargo (na totalidade) e sou divorciado. Será assim, pagando um salário de miséria e limitando a progressão na carreira a quem está devidamente formado que a nossa educação vai melhorar?

(José Carreira)

*

A avaliação dos professores na proposta de revisão do ECD aparece como algo particularmente objectivo parecendo assim que o processo é OBRIGATORIAMENTE transparente e blindado a subverções subjectivas. Dito por outras palavras, presume-se que a aplicação dos mecanismos previstos só podem conduzir a resultados unívocos e justos, sem manipulações para se promoverem os primos, lambe-botas, e cartões-rosa!

Basta percorrer os artigos 44.º e seguintes para se ficar com a sensação de que tudo é claro e objectivo. Esta avaliação " implica a utilização de instrumentos normalizados nos quais se incluirá a definição de cada um dos factores que integram" as várias componentes (art. 45.º, n.º 2); por outro lado, existe uma multiplicidade de itens e factores (art. 46.º) cuja apreciação é posteriormente "convertida" matematicamente numa escala de 1 a 10 (art. 47.º) , da qual, a média vai dizer se o professor é "Excelente", "Muito Bom", "Bom", "Regular" ou simplesmente "Insuficiente"!

Só que, tanta objectividade esbarra logo a seguir com o facto de ser a senhora ministra a dizer quantos "Excelentes" ou "Muito Bons" é que há nas escolas mesmo sem conhecer os professores envolvidos!
" Por despacho conjunto do Ministro da Educação e do membro do Governo responsável pela Administração Pública são fixadas as percentagens máximas de atribuição das classificações de Muito Bom e Excelente, por escola ou agrupamento de escolas" (art. 47, n.º 3).

Então vamos lá analisar o seguinte exemplo: se, depois da aplicação das fórmulas, se concluir que em determinada escola existem três professores qualificados de "Excelente" no ano em que a Senhora Ministra, decide que só deve haver dois, qual a solução aplicar? Faz-se o "Jogo das Cadeiras" para ver quem fica de pé?

É evidente que terão de ser alteradas e manipuladas as classificações de uma das vítimas, para se cumprir a ordem da tutela. Ou seja, lá se vai a objectividade e transparência por água abaixo!

(Paulo Martins)

*

A propósito de um comentário publicado que refere que ao fim de 18 anos há uma estagnação na carreira, os cálculos estão errados. É ao fim de 12 anos que tal acontece. É com esse tempo de serviço que ocorre a transição do 2º para o 3º escalão no 1 º patamar da carreira, de onde uma elevada percentagem nunca mais sairá, independentemente das suas capacidades profissionais, pois a progressão a partir desse momento depende de um concurso sujeito a vagas. Portanto, em 40 anos de carreira, para muitos docentes, a partir dos 12 anos , não existe qualquer possibilidade de progressão.

(Paulo Viegas)

*

O Estatuto da Escravidão Docente

Muitos são os trocadilhos que se podem fazer com a designação de Estatuto da Carreira Docente.
Confesso que a que mais me agrada é a de Estatuto da Escravidão Docente e isso não se deve ao desejo de fazer um trocadilho fácil, mas simplesmente porque é aquilo que mais me parece adequado na actual proposta de revisão apresentada pelo Ministério da Educação.
O documento colocado para discussão (será mesmo negociável?) é passível de ser atacado de muitas formas, sendo as mais óbvias aquelas que são esperadas pela equipa ministerial para contra-atacar de acordo com o modelo típico deste Governo que é o de mostrar determinados grupos sociais como privilegiados e reactivos de forma corporativa ao esforço moralizador do Estado.

Também é errado atacá-lo por significar a vitória de uma qualquer facção instalada no Ministério da Educação sobre estes ou aqueles professores, porque isso é minimizar os seus perigos e reduzi-los a questões de luta pelo Poder, o que é perfeitamente lateral ao que é fundamental nesta questão.

Por isso, esse é o caminho que não deve ser seguido por quem pretender demonstrar como este potencial futuro ECD é negativo e prejudicial, não apenas para os professores, mas para o funcionamento do sistema educativo no seu conjunto. Porque esta proposta de revisão do ECD contém demasiados equívocos, erros, omissões, injustiças profundas, incongruências e factores de distorção, para nos ficarmos pela espuma das aparências. Convém, por isso, por deixar de lado a questão das faltas (artigo 94º), dos critérios para a sua justificação e das múltiplas obrigações definidas para os docentes (artigo 36º), porque isso apenas suscitará reacções demagógicas típicas contra quem quer manter “privilégios” e não aceitar “deveres”.
.
Comecemos pelas evidentes incongruências do documento: antes de mais, o paradoxo de um documento que pretende servir uma Escola plural, criativa, flexível e com capacidade de reacção aos diversos problemas que se lhe podem colocar, optar por uma estratégia que tolhe profundamente a acção dos docentes, impondo-lhes um espartilho de obrigações formais e de regras de comportamento, cujo não cumprimento pode implicar graus diversos de penalização (desde logo a não progressão na carreira) que torna virtualmente impossível que esses mesmos docentes se sintam disponíveis para arriscar soluções inovadoras, mas potencialmente “irregulares” e, no caso de falharem, puníveis.
Em seguida, o paradoxo de um discurso que, pretendendo afirmar uma política de meritocracia, reduz imenso as possibilidades de valorização dos docentes, limitando-lhe as hipóteses de valorização pessoal, circunscrevendo-as na prática apenas à oferta das próprias estruturas centrais, regionais ou locais do Ministério (artº 109).
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Depois temos as injustiças gritantes: fazer depender parte da avaliação de um docente do desempenho dos seus alunos (artigo 46º, nº 2, alíneas b e c), pois isso coloca em situação de vulnerabilidade todos aqueles que trabalham, voluntariamente ou não, em zonas e com turmas problemáticas. Isto significa que os professores que se disponibilizam para trabalhar com turmas de percursos alternativos e outras modalidades e soluções destinadas a combater as situações de maior insucesso escolar, estão em situação de risco acrescido em relação a quem trabalha em zonas “pacíficas” e com turmas regulares. O abandono escolar ou o insucesso escolar provocado por factores exógenos à acção do docente terão reflexos na sua avaliação, mesmo que tenha feito tudo o que estava ao seu alcance para contrariar situações que, por exemplo, podem derivar da situação familiar dos discentes. Para além disso, coloca nas mãos dos órgãos executivos a possibilidade de fazer uma distribuição “selectiva” das turmas, favorecendo conjuntos de docentes em relação a outros.
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Quanto aos factores de distorção passíveis de ser introduzidos em todo o sistema de funcionamento do sistema educativo, logo desde a introdução de um novo ECD como este, destacaria desde logo o facto de ser criado, ex nihilo, um sistema hierárquico tendencialmente gerontocrático, pois postula que passem a professores titulares os docentes que se encontrem actualmente nos 9º e 10º escalões, passando esses professores-titulares a “dominar” áreas sensíveis como a coordenação pedagógica de grupos disciplinares, a orientação de docentes em ano probatório ou a própria avaliação dos restantes docentes. Para um sistema que se pretende meritocrático na progressão na carreira e rigoroso na avaliação, esta primeira medida é claramente incongruente, pois valida o factor-idade como suficiente e único para constituição das novas elites nos estabelecimentos de ensino e/ou agrupamentos. Desde quando é a antiguidade, por si só, critério de mérito que permita o acesso a uma situação de privilégio?
.
No plano das omissões avulta a inexistência de qualquer tentativa de limitar a perpetuação das mesmas pessoas nos cargos executivos, pois nada se escreve sobre a limitação dos mandatos. Actualmente, existem grupos fechados que dominam estabelecimentos de ensino e agrupamentos, com práticas de gritante nepotismo que a presente proposta de ECD parece querer validar ao fechar formalmente esses grupos e ao dar-lhes um maior poder ainda sobre a avaliação dos colegas, em especial se for aplicada uma política de quotas para a atribuição das melhores classificações.
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E aqui entronca o mais crasso de todos os erros deste documento que é tornar a avaliação dos professores um processo que não é kafkiano, mas apenas um emaranhado burocrático de competências, em que todos parecem ter um papel na desorientação geral, mas em que a margem para a cristalização de práticas de favorecimento pessoal e de clientelismo se alarga de forma desmesurada. O mais grave não é a participação dos encarregados de educação no processo; o mais contestável é que o processo possa ser adulterado, desde o seu início, por questões de ordem pessoal e tornar-se um sistema atribiliário e, mais do que subjectivo, simplesmente arbitrário e ditado por humores e simpatias. Qualquer docente que se torne persona non grata junto do poder estabelecido na sua escola, vê-se perfeitamente desprotegido perante a possibilidade de ser prejudicado por um conjunto variado de factores.
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Por tudo isto, e muito mais haveria a dizer numa leitura mais demorada do documento, acho que é dever de todos os docentes com orgulho de ainda o serem, intervirem e desmascararem a forma ínvia como todo este processo tem decorrido e vai culminar, sem que nenhuma parte activa tenha sido deixada aos próprios docentes na definição das condições do exercício da sua profissão.

Paulo Guinote (professor de nomeação definitiva do quadro de escola, do 1º grupo do 2º ciclo do Ensino Básico, doutorando em História da Educação)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(1 de Junho de 2006)


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As traduções da edição portuguesa do Courrier Internacional são muito más. Um exemplo: o artigo sobre "intelectuais" do Guardian no número 80, onde as "chattering classes" passaram a ser "intelectuais de esquerda", o que, enfim, não deixa de ser verdade, mas é uma enormidade como tradução. Nem era preciso ir ao OED, bastava a Wikipedia.
Ao Abrupto, com pedido de publicação
Chamaram-me a atenção para esta proclamação solene do Abrupto do dia 1 de Junho: «As traduções da edição portuguesa do Courrier Internacional são muito más. Um exemplo: o artigo sobre "intelectuais" do Guardian no número 80, onde as "chattering classes" passaram a ser "intelectuais de esquerda", o que, enfim, não deixa de ser verdade, mas é uma enormidade como tradução. Nem era preciso ir ao OED, bastava a Wikipedia.»
Lamento, mas este «post» também é muito mau.

Em primeiro lugar, não existe uma edição portuguesa do Courrier Internacional: existe o Courrier Internacional, que é a edição portuguesa do Courrier International. Em segundo lugar, o nº 80 do Courrier Internacional ainda não foi publicado. Sê-lo-á lá para Outubro. Supomos que o Abrupto se refere a um artigo do jornal The Guardian publicado no nº 60.

O que é que isto interessa para o caso, perguntará o leitor? Interessa muito. É que um pouco mais de rigor não ficaria mal a quem exige tanto rigor dos outros. Sobretudo quando se permite uma acusação global e um juízo lapidar a partir de um único exemplo - e mesmo esse bastante pífio.

Se o Abrupto queria criticar o Courrier podia tê-lo feito sem fingir que o analisava. Declara, taxativo : «As traduções são muito más». E porquê? Só porque «chattering classes» aparece traduzido por «intelectuais de esquerda». Diz o Abrupto que, «enfim, não deixa de ser verdade», mas é uma «enormidade como tradução». Ora, se «não deixa de ser verdade», porque diabo será uma enormidade? Estaria melhor «classes palradoras»? Por sinal, a edição francesa traduziu «chattering classes» por - repare-se na enormidade! - «intellos de gauche». São mesmo broncos. Nem era preciso irem ao OED, bastava a Wikipedia.

Não menos revelador é o facto de o Abrupto denunciar uma enormidade e não saber corrigi-la. Se tivesse uma tradução melhor para «chattering classes» no contexto em que a expressão aparece – fala-se dos «epítetos um pouco pejorativos ou trocistas» geralmente aplicados aos intelectuais no «inglês falado» - decerto que a teria dado. Não deu. Remete, generoso e paternalista, para o OED ou para a Wikipedia, onde os ignorantes que traduzem artigos para o Courrier podiam ter-se documentado. Curioso: o que se pretende é uma expressão em português para «chattering classes»; pois o Abrupto recomenda dois «sites» ... em inglês. Mesmo assim, vejamos o que diz um deles, precisamente aquele que o Abrupto prefere (o OED): «Chattering classes: members of the educated metropolitan middle class, esp. those in academic, artistic, or media circles, considered as a social group freely given to the articulate, self-assured expression of (esp.liberal) opinions about society, culture, and current events». Além do já referido contexto em que a expressão aparece, as conotações políticas de «liberal» no inglês corrente autorizam perfeitamente o recurso à expressão usada. E ainda que estivéssemos perante um erro crasso, isso não legitimaria a proclamação de que as traduções do Courrier – todas, portanto, ou a sua esmagadora maioria - «são muito más».

Os nossos leitores regulares sabem que, neste jornal, apreciamos as críticas justas e estamos sempre prontos a reconhecer os erros - cometemos muitos, infelizmente - , dando voz a quem os aponta. Temos, com certeza, traduções melhores e piores. Mas não podemos aceitar a crítica de alguém que assume a supina pose de grande educador para deitar lama sobre o título de um jornal a partir de um único exemplo e sendo o erro que aponta mais que duvidoso. Daí que o «post» em causa não seja apenas mau: é também mal intencionado.

Fernando Madrinha, Director do Courrier Internacional
*

Outro aspecto interessante do noticiário de Timor é o facto de os jornalistas não saberem onde o incluir, se no "Nacional" se no "Internacional" (ou no "Mundo"), e acabar por ir para secções de "Destaque" híbridas, ou para um limbo sem secção. Os braços da mentalidade colonial são longos, à esquerda como procura da revolução pura, à direita como nostalgia do império.

*

Pergunta certeira de Ruben de Carvalho no Diário de Notícias sobre Timor visto por cá:
"Há, relativamente à situação de Timor, uma surpreendente parcimónia verbal: qual a razão por que se não fala pura e simplesmente de tentativa de golpe de Estado? O surpreendente desta significativa utilização é em poucas circunstâncias se reunir com tão transparente evidência aquilo que caracteriza uma acção política que mereceu vastíssima literatura, que inclui mesmo o manual técnico que poderia capítulo a capítulo ser compaginado com os acontecimentos de Díli."
 


EARLY MORNING BLOGS 785

The Rose Family


The rose is a rose,
And was always a rose.
But now the theory goes
That the apple's a rose,
And the pear is, and so's
The plum, I suppose.
The dear only knows
What will next prove a rose.
You, of course, are a rose--
But were always a rose.


(Robert Lee Frost)

*

Bom dia!
 


INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE COMUNISMO.

Em breve há mais O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (3ª série).

© José Pacheco Pereira
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